segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Do leste ao norte

O viajante atravessaria o Baixo Parnaíba rumando para o Piauí, parava em Milagres do Maranhão nas margens do rio. Antes disso atravessaria campos e campos de soja dos chamados gaúchos nos municípios de Anapurus e Brejo. Sem falar na grande problemática dos eucaliptos de Urbano Santos e Santa Quitéria. Sozinho de moto, lembrava do filme “Diário de motocicleta”,  o drama biográfico sob direção de Walter Salles – que traça a viagem dos aventureiros Che Guevara e Alberto Granados que fizeram pela América Latina. Os dois jovens conheceriam ali os problemas de saúde e descaso social das várias comunidades rurais de nossa América, razão essa pela qual Che se tornaria o maior revolucionário do século XX, admirado até os dias de hoje em todo o mundo.
O programa do agronegócio no Baixo Parnaíba nunca supriu as necessidades das comunidades rurais. O capitalismo no campo utiliza da violência  e muitos outros desacatos sociais e morais dirigido às populações tradicionais. A derrubada de amplas áreas do cerrado, a extinção de nascentes e o desaparecimento de nossos recursos hídricos caracteriza um quadro de injustiças criando portando uma situação de vulnerabilidade das famílias camponesas que tanto sofrem com essa problemática. As grandes extensões de terras dessa região devastadas pela Empresa Suzano que planta eucalipto e as fazendas de gaúchos que cultivam soja são na verdade as responsáveis por um processo de mudanças socioambientais. A expropriação de terras rurais marcara o início dos vários conflitos agrários numa divisa do pensamento ideológico, tanto dos representantes dos investimentos do capital no campo, quanto de alguns segmentos do sistema de posse e latifundiários. Devemos entender que “o Estado por meio de seus diferentes aparatos burocráticos, assume um papel de mediador fundamental no controle de acesso à terra”. Enfatizando, portanto, situações nas quais são executadas políticas legitimadoras do conjunto de açambarcamento de grandes áreas de terras - antes públicas ocupadas há séculos por segmentos camponeses praticantes verdadeiros da agricultura familiar e extrativismo. O agronegócio passou a integrar patrimônios particulares, grilando essas terras de cobertura florestal nativa que são nossas chapadas.
O viajante voltava ouvindo os cânticos de comunidades numa marcha de São Bernardo à Santa Quitéria, os companheiros lutavam em defesa dos direitos humanos na temática do controle social. O agronegócio da soja muito tem transformado os modos de vida das populações tradicionais e urbanas dos municípios do Baixo Parnaíba. A exportação da soja para os mercados europeu e chinês diz que gera desenvolvimento para o estado e gera mesmo. Mas as   comunidades rurais nada sabem disso e não desfrutam de nada, elas provam do legado de destruição de suas áreas. São João dos Pilões em Brejo é um exemplo: o pequizeiro, matéria prima para a fabricação dos pilões, cuias e outros utensílios já não são encontrados mais, a soja tomou de conta de tudo. Os artesãos tem que importar toras de pequi de outros municípios, a forma sustentável que eles aparam o pequizeiro não agride o meio ambiente... cortam um e plantam outro no lugar, fabricam os pilões para vender na beira da estrada.
De volta, o viajante parava em algumas comunidades, quilombos e assentamentos para conversar sobre os movimentos sociais no Baixo Parnaíba maranhense. As ações ainda vem sendo feitas, não como há dez anos atrás onde o fogo da luta animava nossos encontros de comunidades em defesa da vida, onde dinamizava os congressos de trabalhadores e formações de lideranças. Ainda resta fumava e o fogo não apagou. O Viajante voltava para casa depois de alguns dias cansativos, trilhando pelo território livre, formando e informando o povo sobre direitos e deveres, sobre a problemática que enfrentam, com uma solução pregada no cartaz de esperanças de novos tempos.

José Antonio Basto
E-mail: bastosandero65@gmail.com


segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Sem terra não há vida, sem vida não há terra: o tempo é o nosso maior professor!

Imagem J. A. Basto: (Cabeceira do Rio Preguiças) - B. Parnaíba
A vida é o bem maior de todos os seres, de todos que compõe uma biodiversidade. Todos necessitam desse bem comum. A natureza se reforma a cada dia, a cada situação em que os homens lhe agridem. Ela não fala nada, nem tudo. A terra é a própria sobrevivência é o canto dos pássaros, sãos migrações... São ninhos. Os rios correm sobre a terra, os mares se estreitam e se alargam, algo em comum! O camponês precisa da terra para plantar e dela sobreviver e as populações urbanas, só que de forma diferente. Um território só pode ser constituído com o devido respeito. Os frutos da terra que nos alimentam são formados do poder divino de transformação. A fé, a esperança de novos tempos enchem nossos sonhos de agonia para chegar logo essa nova era. Ainda há muitos entraves, o desrespeito dos mais fortes com os mais fracos. Os menores podem unir-se e formar um grande exército de combate, porque o sentimento de coletividade é o sentimento de união.  Alguém certa vez disse que as únicas desgraças cometidas sobre a “terra” são as mesmas desgraças com as quais nada aprendemos. Devemos ser humildes e não se aproximar da intolerância – julgando “ser” superior aqueles que nunca tiveram chances na vida, porque eles também são nossos professores assim como o tempo. Com isso um mestre dizia: “Deus nos concede, a cada dia, uma página de vida nova no livro do tempo”. Aquilo que colocarmos nela corre por nossa conta. Pois devemos viver em teoria, mas não esquecer que ela sempre acaba mais tarde assassinada pela experiência. As marchas geram frutos e os frutos são colhidos pelos que marcham e também pelos que não marcham. A sabedoria de Deus é superior a tudo; com seu grau de humildades faz chover nas roças dos bons e dos maus, porque ele não faz distinção de pessoas, cada um carrega sua cruz. No mundo espiritual cada um é o verdadeiro responsável por sua salvação. Um jovem poeta escreveu: “A razão de ser da vida é sua própria felicidade”. Precisamos navegar a cada momento, a cada mar, rios diferentes. Não podemos esquecer que, embora a alegria do presente exista, o futuro reserva outras a mais. Se antes a força do conjunto amparava as quedas, hoje estão preparados para aguentar as tramas da vida nem que tivemos que seguir sozinhos pulando as avalanches. Deixar para trás momentos plenos de união e companheirismo é doloroso, sabemos que é. Mas não podemos nos estagnar no tempo. É necessário seguir em frente, buscar nossos objetivos com muito esmero e dedicação, para encontrar o novo. Precisamos lutar lado a lado pelo bem maior de nossas vidas. A água. Sem água não há vida, então, certamente não conseguiremos sobreviver, a não ser que seja de forma desumana. Mas, não é uma incoerência tanta água na terra e muitas comunidades sem ela? Alguns podem se apressar em responder, não. Afinal, de toda água disponível no planeta, apenas algo em torno de 2,5% seria doce, ou seja, própria ao consumo humano. Pior ainda, desses 2,5% temos grande parte congeladas em geleiras, outra parte são águas subterrâneas, sobrando menos de 1% de água doce disponível em rios e lagos. A terra é nosso chão de batalhas. A vida está fincada na terra e a terra sob a existência dos tempos.

José Antonio Basto

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

A FUMAÇA DA CARABINA “Um passeio pela Balaiada do século XIX – 170 anos de início da revolta popular”

     
          Eles rondavam o sertão a procura da terra, grandiosas faram suas batalhas e ideologias em defesa de um mundo melhor. Corajosos, saíram da Vila de Manga rumo ao Baixo Parnaíba, eram os vaqueiros rebeldes. Adentraram chapada a fora atravessando vilarejos, escondendo-se dos legalistas e formando o povo. Talvez tirasse da selva sua alimentação, suas famílias ficavam sob a proteção de guerreiros.
      
Balaiada - revolta popular - (13/12/1838)
Os heróis eram aqueles vaqueiros, quilombolas, caboclos, camponeses pobres, índios e artesãos que sob a coragem de lutar por um ideal desafiaram o poder provincial do país. Mas existem mentiras em algumas páginas da história, porque quem a escreveu às vezes foi quem torturou os mais fracos. Os papeis mostram que a insurreição começara em 13 de dezembro de 1838. Sabe-se que a população do sertão maranhense já vinha sofrendo e se revoltando muito antes do fato de Vila da Manga; houve na verdade várias balaiadas; muitas revoltas contra as atrocidades dos fazendeiros, latifundiários, escravocratas que herdaram a estrutura fundiária no interior do estado. O que foi a Balaiada? Uma “insurreição”, “rebelião”, “revolução”, “sublevação”, “guerra civil”, “movimento revolucionário”, “revolta” ...? Tudo isso ela foi. Foi na verdade a insatisfação do povo humilde, dos analfabetos, das camadas mais pobres e miseráveis do interior, atores que fizeram o movimento. A Balaiada foi uma guerrilha camponesa, um levante que durou quatro anos de lutas entre nossos irmão e as forças militares do império, indo de 1838 a 1842. Alguns tentaram tirar proveitos dos corajosos rebeldes -, os “bem-te-vis”, que acovardaram-se e no auge da radicalização da revolta caíram fora. Nossos heróis cravaram seus nomes no imaginário popular, como o povo poderia esquecer de tamanho feito em busca da liberdade e pela igualdade de direitos. Um salve aos nossos líderes incansáveis que sonharam um dia, entre esses vultos o Raimundo Gomes, o Balaio, o Negro Cosme e todos os outros que tombaram.
       O sangue que regou o chão das chapadas do sertão do leste maranhense ainda hoje clama por justiça nos esconderijos e mocambos. Tentaram apagar os feitos que os verdadeiros heróis deixaram, o legado de sonhos e esperança. O movimento teve como espaço o nosso sertão, as veredas por onde ouve muitos combates marcaram as embocaduras do litoral, as imediações do rio Parnaíba, do Itapecuru e do Munim, adentraram região do Baixo Parnaíba afora penetrando nos atuais municípios de Barreirinhas, Tutóia, Araioses, Brejo, São Bernardo, Buriti, Milagres do Maranhão, Chapadinha, Urbano Santos, Vargem Grande, Nina Rodrigues, Icatu e Umberto de Campos. Muitas pelejas, vestígios ainda restam em valas e boqueirões. Os rios estão lá para contar o que passou.
       Guerreiros balaios de ontem e de hoje, os tempos se foram, as lutas continuam as mesmas. Os problemas de desumanidade, de desacatos aos direitos humanos, de impactos ambientais que atinge os camponeses e camponesas são os mesmos ou até piores do que os daquela época. O chão é o mesmo, as comunidades também. As armas se transformaram, outras continuam sendo os bacamartes e granadeiros de sempre. Aqueles heróis foram os pioneiros que num grito de dor utilizaram da força do braço e do pensamento para construir suas bandeiras em busca de respeito e dignidade. Esse capítulo importante está gravado no panteão dos mártires e na “fumaça da carabina” que se perpetuou nos ventos da história.

José Antonio Basto



segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

As barreiras do sagrado chão

     Um dia o viajante passara por aquela região denominada Baixo Parnaíba, um lugar sagrado na mais distante geografia do leste. Ao chegar, ficou ali sua bandeira de lutas, o estandarte que se perpetuou de geração para geração. A terra era vermelha... tudo que se plantava procriava numa fartura entanto. Muitas matas por onde já tinha acontecido guerras e combates sangrentos em busca da conquista da terra séculos atrás, tempo em que leis não valiam nada, exceto para os poderosos! Os rios perenes desembocam um a outro assim formando bacias importantes -, justamente nesses rios que apareceram esconderijos cavados sob grutas e grotas. Um dia passeando pelo cerrado ouvi o ronco da espingarda!  Gritou seu tiro para outras bandas, eram caçadores das comunidades tradicionais que vigiavam as variantes defendendo seu território de coletas de frutos e agricultura.
      O imaginário era o próprio chão – pois a terra se interligava com as ações dos povos que residiam ali... pessoas que sobretudo eram suas protetoras. Esperam respeito e valorização de direitos garantidos, mas não aplicados. Hoje tudo mudara... a ganância, a arrogância e o avanço do capitalismo que vem para destruir aquele espaço cultural é o que nos preocupa. Grandes batalhas haverão de dá início na briga pelo bem maior dos seres humanos: a água. O líquido valioso que ninguém consegue fabricar e necessita dele diariamente para beber, lavar, cozinhar... para viver, o corpo humano é derivado de água. Este bem maior, carência de todos nós desaparece a cada momento, com a culpa da mão do próprio homem que não pensou no passado para viver no futuro. O que faremos para rebater tamanho desastre contra o meio ambiente? Fica uma incógnita para formulação de nossa consciência.
      O viajante pegava seu alforje, sua máquina de escrever, papeis, livros... seus pertences e sua mala, seguia pelas veredas do sertão arenoso saindo da chapada, adentrando nos portais dos lenções de lagoas cristalinas e cajueiros deitados sobre o chão. O Oceano Atlântico findava no horizonte sob a ótica poética com sua imensidão poderosa capaz de fazer pensar em novos tempos de esperanças.  Ali anoitecia e amanhecia, virou-se portanto uma morada e um mausoléu do artista, tendo como sua fortaleza “As barreiras do sagrado chão”.

José Antonio Basto
E-mail: bastosandero65@gmail.com


segunda-feira, 28 de novembro de 2016

As palavras do índio Apinajé em defesa do seu território sagrado - (Seminário Nacional “MATOPIBA: conflitos, resistências e novas dinâmicas de expansão do agronegócio no Brasil” – Brasília, novembro de 2016)

José Antonio Basto e Antonio Apinajé - (CONTAG - Brasília-DF)
Antonio Apinajé é o nome dessa personalidade das florestas do Tocantins. Um homem inteligente, intelectual e, sobretudo informado das notícias que rondam o mundo, com seu rádio, sua TV, seus livros e jornais. Ele fazia sua fala no início do Seminário Nacional “MATOPIBA: conflitos, resistências e novas dinâmicas de expansão do agronegócio no Brasil” – realizado de 16 a 18/11/2016, na sede da CONTAG em Brasília-DF. Transcrevia sobre uma “abordagem histórica das ameaças e impactos ambientais sobre as comunidades tradicionais”. O MATOPIBA seria o ponto principal de sua indignação; um programa de autos investimentos estrangeiros e nacionais que visa ocupar a região do cerrado brasileiro com suporte no avanço incontrolável do capitalismo sobre o campo, sobretudo as especulação e espoliação de terras que são por direito dos povos indígenas e comunidades tradicionais. Mas essa política não é coisas dos dias atuais, o cerrado já tinha sido visado por programas do capital estrangeiro desde a década de setenta. Governos passados pretendiam a ocupação desse território, a exemplo do PRODECER – (Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados), assinado entre o Brasil e o Japão. O programa durou por mais de 35 anos. Hoje o cerrado, conhecido como berço das águas, onde se encontram cabeceiras dos principais rios brasileiros, estar sendo devastado pelo agronegócio e criação de gado. Esse espaço cultural deve ser protegido pelos povos que tiram sua alimentação da terra e das águas, precisam do cerrado para se reproduzir cultural e socialmente, segundo dados de algumas pesquisas de universidades e do movimento social afirmam que: 52% deste bioma já foi destruído, 62 litros de agrotóxicos são consumidos por ano pelas pessoas no Mato Grosso, 901 espécies da fauna e flora estão ameaçadas de extinção, o agronegócio expulsa os povos e comunidades tradicionais protetores da biodiversidade do cerrado, 6 bacias hidrográficas brasileiras são abastecidas pelas águas do cerrado, 80 etnias indígenas estão na região do cerrado. Esses são alguns índices que marcam a grande problemática das mudanças socioambientais no cerrado; sem a preservação desse bioma não teremos chuva para abastecer nossos rios, água para beber e lavar, nem alimentos da agricultura familiar em nossas mesas. O Seminário foi encabeçado pela Campanha nacional: Sem cerrado, sem água, sem vida. Durante o evento cheguei a conversar com o Antonio Apinajé, ele contara sobre sua experiência vivida na aldeia Areia Branca – município de Tocantinópolis –TO, suas crenças e modos de vida. Contara como nasceu seu povo apinajé há milhares de anos atrás: duas cabaças fora jogada no rio Tocantins e dali nascia o homem e a mulher, procriaram e deram frutos para a grande nação Apinajé que cresceu nas margens do Rio na região do Bico do Papagaio.  O sábio índio Apinajé informava que das 26 aldeias que compõem a reserva, uma das mais antigas e importante é a sua, a Areia Branca. Falava com gosto e convicção, muito participou das intervenções durante os três dias de seminário. Em todos os momentos, naturalmente ele compartilhava frações de sua sabedoria nata, os participantes silenciavam durante sua voz, ficávamos impressionados com tamanho grau de pura sabedoria. “Não somente sobre a vida indígena, mas também um lado politizado e informado – tanto no cenário nacional quanto internacional – que atropelaria o discurso cansado de qualquer intelectual de sala de aula”. “Não impressiona que um índio seja tão inteligente, pois pensar isso seria colocá-lo como um inferior o que realmente não é”, pois ainda temos muito que aprender com os indígenas, com os povos e comunidades que residem nesses territórios. “É de uma grandeza natural a inteligência do homem por si só, seja índio ou não”. Eis aí um grande clichê completamente desmantelado: a mídia e outros setores que tentam bagunçar a luta dos povos, sustenta o discurso intolerante de que o índio só sabe dos segredos da natureza”. Uma grande desinformação! A partir do contato com Antonio Apinajé e outras lideranças durante o seminário, índios e quilombolas -, percebi que a preocupação em estudar, buscar novos conhecimentos, manter-se atualizado e ligado nas mobilizações sociais que acontecem reserva e quilombo afora é de boa parte deles e delas. Como bem disse um deles, durante uma das nossas conversas, “eu cursei a universidade da vida, do cabo da enxada”, em outro momento, lista os inúmeros livros que leu ultimamente. As comunidades tradicionais que entre aspas são protegidas por lei, ainda tem muito que lutar pelos seus direitos. Algumas pequenas conquistas foram esquecidas pelos governos e ainda mais agora nesse momento de transformação política. A terra como instrumento de capital e poder, em especial tratando sobre o cerrado, hoje em dia passa por um processo de recolonizarão, desrespeito e desacatos aos direitos humanos. Existe um desafio para as Aldeias Apinajé, que é manter suas formas de vida tradicional em meio ao grande crescimento dos vários problemas em suas áreas que vai da grilagem de terras por parte de fazendeiros ao avanço do agronegócio por empresas desconhecidas.
José Antonio Basto
Militante em Defesa dos Direitos Humanos e da Vida
E-mail: bastosandero65@gmail.com
(98) 98607-6807







sexta-feira, 18 de novembro de 2016

CONSCIÊNCIA NEGRA XI - (Zumbido pela liberdade)




I
Cantavam um canto ecoando
Nos braços da luz voando...
O mais nobre sentimento,
Era um grito de agonia
Soando o som da magia
Contra as correntes do tempo.

II
A voz ainda gritava!
- Meu Deus onde eu estava!
Quando desapareci!
Os rastros pelo sertão
Combatentes da nação
Mudai as regras. Entendi!

III
Muitos papéis enrolaram
Trezentos anos se foram
De chibata e desrespeitos
Busquemos de longe o valor
De três séculos de dor
Maior tragédia defeitos.

IV
Cansados! Nunca, jamais!
- Cadê meus filhos e pais?
- Perguntava a voz outra vez
Sobre uma face estridente
Como as águas correntes
Emblemava a sensatez.

V
Ainda há sonhos por vir
Em leis que hão de florir
Na mão, na marra ou na dor!
Para que ainda esperar!
Se a vontade de lutar
É quem nos une em fervor.

VI
Fumaça corre nas ruas
A Constituição acentua
O direito unificado,
Companheiros de batalha
Aguçam e amole as navalhas...
- Capoeira vai gingando.

VII
Povos bisnetos dos “Bantus”
Acelerai os seus cantos...
Em agogôs e tambores,
Resgates dos ancestrais
Tocais os seus berimbais!
Denunciando os horrores.

VIII
Da carabina ao fuzil
Em moléculas que sentiu
Nada pode mais dizer,
Companheiros de batalhas
Preparai suas navalhas!
Porque nós vamos vencer!

IX
Jorra o sangue da história
Em atropelo a memória...
Nas terras do coração!
Nisso tudo o que mudou?
Nada na linha passou...
Ainda existe escravidão.

X
Neste enredo das vozes
Desafiaremos os algozes
Com fé, batalha e verdade,
Jovens, adultos e crianças...
Companheiros da esperança
Zumbidos da Liberdade”.

José Antonio Basto
Brasília-DF, 18 de novembro de 2016.
- Militante em defesa dos direitos humanos na Região do Baixo Parnaíba maranhense
(98) 98607-6807

- Essa é uma voz do povo negro brasileiro. Em homenagem ao “Dia Nacional da Consciência Negra” – 2016. Ao Seminário Nacional sobre os problemas socioambientais do MATOPIBA, realizado de 16 a 18/11/2016 em Brasília e, sobretudo aos 321 anos do assassinato de Zumbi dos Palmares. Acentuando ainda em especial a luta atual dos negros e negras rurais e urbanos, suas lutas e desafios em busca da concretização dos seus direitos civis. Autor.


quinta-feira, 10 de novembro de 2016

O que enche nossos sonhos de esperanças no chão de luta em que vivemos

     O destino do viajante que coordenara os representantes das comunidades do município de Urbano Santos era a cidade de Brejo. A velha cidade que no tempo de vila se tornara “quartel-general” dos corajosos rebeldes da insurreição dos balaios, ainda em 1839. Mas agora os tempos são outros. A reunião em 07/11/2016 seria uma audiência pública com os representantes do ITERMA – “Instituto de Terras do Maranhão” – em nome do Governo do Estado, com as comunidades que necessitam das regularizações fundiárias na Região do Baixo Parnaíba maranhense. Essas comunidades que já não aguentam mais esperar pelas vontades de quaisquer governos, desde os que passaram, o atual e os que hão de vir. Leonardo Boff, escritor, ativista ambiental e pai da Teologia da Libertação, dizia que “A luta pela Reforma Agrária é uma luta pela vida”. “Quando se trata da luta pela terra, pela água, pela segurança, por uma sociedade justa, igualitária e fraterna, estamos tratando da luta pela vida”, acrescentava Pe. Chagas, Pároco do município de Buriti de Inácia Vaz e coordenador do Fórum em defesa da vida do Baixo Parnaíba.
     A audiência começou com as várias e velhas denúncias dos representantes das comunidades dos municípios de Urbano Santos, Beláguas, São Benedito do Rio Preto, Chapadinha, Brejo, Milagres, Santa Quitéria, São Bernardo e Anapurus. Muitos problemas em todos os aspectos no que diz respeito às terras devolutas do Estado, terras soltas que esperam ser arrecadadas desde décadas passadas, são os trabalhadores e trabalhadoras rurais que moram nelas, por isso merecem respostas concretas do governo. O Território do Baixo Parnaíba, suas chapadas foram engolidas pelo agronegócio da soja e do eucalipto, basta olhar os grandes campos na estrada que liga Chapadinha à Anapurus e Brejo, o que antes era chapada, hoje só se ver deserto, aquelas áreas das comunidades tradicionais foram griladas por gaúchos e por outras empresas. A comunidade São João dos Pilões em Brejo que vive do artesanato do da fabricação de pilões, cumbucas e outros utensílios da madeira de pequi expostos na beira da estrada para a venda, não encontra mais a árvore em suas chapadas, suas áreas foram desmatadas pelos gaúchos, por isso compram troncos de pequi de outras regiões para a demanda dos pilões. O processo burocrático da conquista da terra pelos camponeses não é uma questão fácil, pois a luta não depende somente da vontade e da coragem dos lavradores, o Estado é o responsável pelo processo técnico e pela garantia da segurança e proteção dos homens e mulheres do campo.
     Os antecedentes de nossa história não marcam uma página bonita de se ver na luta pela terra no Estado do Maranhão – principalmente quando se fala dos camponeses pobres das comunidades rurais e quilombolas. Esse sentimento não é coisas de nossos dias atuais. Quando olhava o sertão da janela do carro que nos levou a Brejo, lembrava de quando o grupo do vaqueiro Raimundo Gomes e de Francisco dos Anjos (líderes da Balaiada (1838-1842), já se deslocavam de um lugar para outro combatendo naquela época com os grandes proprietários de terra, coronéis, latifundiários e o governo que oprimia os menos favorecidos e desprovidos de direitos. Os balaios lutavam por respeito, dignidade, pela vida, contra a escravidão... pela liberdade. Desafiaram o Império Regencial, mas como sempre, nosso estado repressor utilizou da força militar para massacrá-los. Restou em nosso meio a história de coragem dos caboclos rebeldes que deram os primeiros passos dessa batalha que se trava até os dias de hoje. A reunião foi proveitosa, no espaço de muitos encontros e eventos organizado pelas entidades de apoio ao movimento social, local esse que me refiro é o “Salão do Centro Diocesano de Brejo” – Seminário Santo Antonio. Em suas paredes estão mensagens de eventos e frases de solidariedade à nossa luta, a que mais me chamou a atenção foi o cartaz da Campanha da Fraternidade 2017, com o tema: “Biomas brasileiros em defesa da vida”. O evento terminava com as frases ecumênicas e românticas do Bispo D. Valdeci, que apelava para a organização dos trabalhadores, dos menos favorecidos, sustentando teses que lia na bíblia e contextualizando nas vivencias do dia-a-dia. Suas palavras e a experiência da coletividade nesta luta renhida travada desde séculos remotos é “O que enche nossos sonhos de esperanças no chão de luta em que vivemos”.  
 









José Antonio Basto
Militante em defesa dos direitos humanos pela Reforma Agrária

E-mail: bastosandero65@gmail.com

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

DIREITO À POSSE DA TERRA

    A vida do homem e da mulher do campo depende de como se usa a terra e das condições que se tem para tirar dela o sustento. Em nosso país, mesmo com os direitos garantidos no Estatuto da Terra (1964), na Constituição Federal (1988) e mais recentemente (1993) na lei nº 8.634, todos garantindo um direito à reforma agrária; infelizmente ainda existem muitas áreas de “terras presas” e agricultores sem  a terra para trabalhar. As comunidades rurais necessitam e clamam durante séculos pelo Direito à posse da terra, direito de nela permanecer e trabalhar, direito de acesso a água, direito ao trabalho e este em condições dignas. O artigo 186 da Constituição Federal diz que a função social da terra é cumprida quando atende ao mesmo tempo as exigências, o artigo 184 garante que quando uma propriedade não está cumprindo a sua função social, pode ser desapropriada pela União (Governo Federal) para fins de Reforma Agrária.
     Do que vale um Brasil com imensas faixas de terra sem produção? E um contingente enorme de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra a procura de um pedaço de chão para produzir alguma coisa? A trajetória fundiária de nosso país é refletida pela má distribuição dos setores agrários, das terras devolutas da União e dos Estados da Federação; a violência contra os menos favorecidos ainda é uma página ensanguentada que aguarda justiça. Um grito de alerta e de socorro ecoa desde o descobrimento, desde quando apareceram as primeiras organizações em busca da terra, contra a escravidão, pelo reconhecimento e livre expressão. Este grito está ainda nas entranhas dos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRs), na CONTAG, nas FETAGs, na CPT, na Via Campesina, nas marchas, encontros de CEBs, nos assentamentos, nos cantos e cartilhas, nas associações rurais... no meio de nós camponeses e camponesas que acreditamos num novo modelo de desenvolvimento sustentável e solidário para este país, em comunhão e respeito com meio ambiente, porque necessitamos de terra, de água... não apenas nós, mas toda uma biodiversidade para se reproduzir. Os latifundiários e grandes projetos capitalistas implantados no campo não representam nossa luta, são eles os responsáveis pela destruição! São as barragens e grandes fazendas que expulsam cada vez mais as comunidades tradicionais para lugares em que elas não são acostumadas; seus modos de vida são ameaçados pelas construção de barragens hidrelétricas, pelo avanço da criação de gado, pela exploração descontrolada de minérios e garimpos, pela derrubada ilegal de árvores na Amazônia pelo avanço da monocultura do eucalipto e soja e pela nova fronteira do MATOPIBA. Em meio aos problemas apresentados no meio ambiente o capitalismo e exploração dos recursos naturais e humanos não conseguem suprir mais suas necessidades econômicas. Vivemos em outros tempos, com a esperança de viver em paz, com água... com terra. Almejamos uma Reforma Agrária maciça com gente, com assistência técnica de qualidade e linhas de créditos suficientes para uma produção elevada de alimentos, mas jamais esquecendo as técnicas culturais repassadas de geração para geração.
     Muitos povos do mundo precisam de alimento, o Brasil é um dos responsáveis por esse processo, por ser um país emergente e líder dos BRICs. Temos terras mas ela precisa ser desapropriada, regularizada, demarcada e beneficiar de fato quem nela trabalha, sobrevive e respeita. Mais de 65% do alimento de nossas mesas vem da agricultura familiar e são produzidos pelas mãos suadas e calejadas dos nossos agricultores e agricultoras, porque a agricultura familiar não é digna de mais atenção? O agronegócio ganha a bola da vez com um número alto de recursos que são repassados diretamente dos cofres do Governo Federal, precisa-se mudar esse quadro. A bandeira da Reforma Agrária sempre vai ser hasteada com vigor e garra, honrando os companheiros e companheiras que deram seu sangue por esta causa, que tombaram mas que deixaram seus nomes nas páginas da história.  A luta pela terra é uma luta renhida válida pela vida. Viva a Reforma Agrária e o “DIREITO À POSSE DA TERRA”!

José Antonio Basto
Militante pela Reforma Agrária
e-mail: bastosandero65@gmail.com




segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O campesinato no cenário de luta em defesa da terra e da liberdade

     
(Foto: Sebastião Salgado)
A trajetória de lutas do movimento camponês brasileiro é na verdade a história da luta pela liberdade propriamente dita, contra o sistema escravista, pela posse da terra, contra o latifúndio, pelos direitos trabalhistas, por autonomia política e contra o voto de cabresto, pela igualdade e contra o preconceito racial, pelo direito a vida e contra a exploração dos oprimidos, pela invisibilidade e reconhecimento da identidade, pela memória de lutas, contra a história distorcida e pela verdade dos fatos ainda apagados na história, contra a impunidade e pela justiça... contra toda e qualquer tirania.
     O sangue derramado por muitos companheiros fez com que tivéssemos nos dias de hoje todas essas conquistas no que diz respeito às politicas púbicas para a classe mais pobre do país; infelizmente a burguesia e os setores capitalistas nunca aceitaram que o filho de um camponês se tornasse advogado, médico e outros títulos durantes séculos negados para os índios, negros, assentados e periféricos. A negação do direito social e participação política em alguns casos da história foi o estopim para muitas insurreições... camponeses foram obrigados em suas consciências a pegar em armas para defenderem suas honras, seus direitos sociais como cidadãos e cidadãs. O fato de pegar em armas para lutar pela liberdade sempre foi o momento mais extremo da história das civilizações em busca do direito e da liberdade, mas não devemos esquecer que também sempre foi esse fato o mais importante das guerras e decisões. Lembremos então para reflexão dos muitos casos de conflitos, movimentos e lideranças que fazem parte da memória camponesa durante a trajetória de formação do país, passando pelo Estado Novo de Getúlio Vargas e seguindo os períodos de transição de 1946 a 1964 com o golpe militar e as resistências contra a Ditadura Militar até 1985.
     Antes do golpe, os trabalhadores rurais do Brasil estavam num processo crescente de luta pela Reforma Agrária e por direitos sociais. Com a ditadura, a repressão conjunta de militares e latifundiários se abateu pesadamente sobre eles. Muitos foram presos e outros tantos assassinados. Mas, quando se fala sobre repressão e resistência nessa época, muitas vezes as lutas e as violações de direitos humanos ocorridas nas zonas rurais são esquecidas e isso ainda vem acontecendo em nossos dias. Outro fato importante da história de luta dos trabalhadores rurais foi, em 1960, quando surgiu o “Movimento dos Agricultores Sem Terra”, no Rio Grande do Sul, com o apoio do governador do estado o saudoso Leonel Brizola, que era favorável à Reforma Agrária. Essa organização, que chegou a contar com mais de 100 mil associados, conquistou muitas vitórias, como desapropriações de terras improdutivas e assentamentos fundiários.
     Em novembro de 1961, realizou-se o 1º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, em Belo Horizonte, reunindo 1.600 participantes. Entre eles, estavam representantes da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), hoje transformada na CONTAG; compareceram membros das Ligas Camponesas, do MASTER, do movimento estudantil e da ação católica que na época tinha muitos trabalhos de formação realizados no campo brasileiro. Dali os trabalhadores rurais ganharam espaço político; o governador Magalhães Pinto cedeu o local para a reunião, o presidente Goulart compareceu acompanhado de Tancredo Neves e defendeu em seu discurso a Reforma Agrária.
     Em março de 1963, o governo Goulart assinou a lei que criava o Estatuto do Trabalhador Rural. Dando favorecimento os direitos dos trabalhadores rurais assim como os dos urbanos, garantindo registro em carteira profissional, salário mínimo, horário de trabalho e descanso, férias anuais, 13º salário e direito à sindicalização. Para fazer frente às Ligas Camponesas, o governo apoiou um movimento de sindicalização rural. Muitas delas trataram de se organizar e, em 1963, já se somavam 557 sindicatos de trabalhadores rurais. No mesmo ano, o governo federal iniciou uma verdadeira batalha parlamentar para aprovar a reforma agrária. Paralelamente, as Ligas radicalizaram suas ações. Ocuparam engenhos e enfrentaram ataques policiais em vários estados do Nordeste. Essa radicalização não teve apoio suficiente e levou a um isolamento de Francisco Julião – líder supremo das Ligas, o que fez com que elas no momento perdessem força. Os latifundiários promoveram perseguições e assassinatos de lideranças. Um caso exemplar dessas ações de extermínio de lideranças foi o de João Pedro Teixeira. O presidente da Liga de Sapé, da Paraíba, foi assassinado em 1962. Sua mulher, Elisabeth, o substituiu na luta.                                                      
     No Maranhão, nosso estado, a Reforma Agrária tem suas pendencias desde a década de 60 e 70, quando os governantes da época venderam grandes áreas de terras para empresas do centro e sul do país. Para isso melhor dizendo, devemos relembrar a luta do companheiro MANOEL DA CONCEIÇÃO, homem que foi baleado, preso, amputado, torturado e exilado. Um sobrevivente da ditadura militar (1964-1985). Manoel da Conceição, líder camponês do interior do Maranhão, cuja história é contada no relatório da CNV (Comissão Nacional da Verdade). Os abusos cometidos contra o lavrador nos porões da ditadura chamaram tanto a atenção na década de 1970 que o papa Paulo VI chegou a intervir a seu favor e pedir sua libertação. Ele era de família evangélica, seguidora da Assembleia de Deus, Conceição presidia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pindaré-Mirim, quando os militares tomaram o poder em 64. Formado na luta pela reforma agrária, a organização era o primeiro sindicato rural da história do Maranhão. De imediato, o Exército ocupou a sede da entidade e ali ficou por 60 dias. Duzentos lavradores foram presos. Somente no mês de junho daquele ano, Conceição foi preso cinco vezes na cadeia municipal. Mesmo fechado pela ditadura, o sindicato tinha quatro mil filiados em 68, quando a polícia invadiu uma de suas sedes e baleou o dirigente na perna direita. Após seis dias preso e sem ser medicado, teve de amputar a perna. Nesta época, Manoel da Conceição e outros lavradores integravam a organização de esquerda Ação Popular. Naquele tempo o Estado era governado por José Sarney. Desde muito tempo o Maranhão passa por uma crise no que diz respeito às questões fundiárias, um dos campeões de assassinato no campo, assim como o Pará que lidera esse crime, que também não é diferente de todas as regiões do país.

José Antonio Basto
e-mail: bastosandero65@gmail.com
                                                                                                                                           



segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O cerrado lutava... algum dia não mais lutara! Continua Lutando

     Algum dia o tempo passava pelas veredas do sertão do Baixo Parnaíba, no Maranhão, nos mais longínquos terrenos, nas chapadas centenárias de um povo que sabe de onde veio e para onde vai; gravou-se então um capítulo importante da história de conflitos, desavenças fundiárias pela posse da terra. A região ficava entre duas comunidades amigas que entre si tinham o senso comum dos tempos de guerras. As lutas do cerrado são as lutas pela sobrevivência onde o mais forte sempre vence; mas a coletividade sempre venceu quaisquer batalhas – desafiando sistemas e ocupando territórios de direito, porque as bandeiras e estandartes sombreiam os caminhos dos oprimidos!
     O cerrado lutava por um novo tempo, mesmo sem falar - sentia o gosto do fel em sua garganta por tantos desacatos à sua natureza, reivindicava em seu campo a chuva que há muito tempo não a via. Ela falava e cantava, rangia os dentes sobre o vento que levava seu canto matinal. Os frutos que botara em outros tempos já não tem o mesmo sabor dos tempos certo.
     O cerrado lutava como guerreiro de combate, sonhava também com novos tempos de esperança; cansado pensou de não lutar mais. Alguém os ajuda, as leis... papéis, decretos... a fumaça da pólvora! Em fim, gritou![...] Em um mundo infinito pelas veredas da justiça, baixões, chapadas e brejos. O cerrado lutava... algum dia não mais lutara! Continua lutando.


José Antonio Basto 

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

A chapada falava...

     Como ela fala? Falava consigo mesma, com o tempo? Com o firmamento? A retrospectiva da história revoltava os viventes que luta para viver! Ela estava ali esperando pela paz, esperando por novos tempos de esperança. Calada na sequidão das idas e vindas, na saga dos arvoredos um sonho replicava sobre um relâmpago e um trovão que nunca mais fizera chover como antes. O bacurizeiro chorava sobre a lâmina da máquina que poluía sua terra, que cortava seus galhos. A jaçanã gritava com vontade de sair de seu habitat, mas infelizmente para onde poderia ir! Donde veio! O canto da vida que emblemava soando sobre os caminhos estreitos, velhos foram aquelas melodias que gritavam por um outro mundo possível, para o belo rosto da biodiversidade. Grandes sonhos podem ser capazes, se sonharmos de verdade como os heróis das florestas sonharam! Foram muitos séculos passados, foram muitas lutas travadas, foram pedaços disputados e, que são até os dias de hoje disputados.
     A chapada falava mesmo sem falar. Percebia-se sua indignação pelas mudanças climáticas que os seres humanos causam. O vento falava, bastava “ouvir a sua voz” –, pois o mestre já dizia há dois mil anos atrás: “Não sabemos nem de onde vem, nem para onde vai”. O roncado dos bichos eram como protestos, eram mesmo protestos naturais . Nãos os ensinaram a falar!
     Ela cantava! Chorava! As águas não descia mais de suas lindas cabeceiras; os peixes não subiam as correntezas. Um casal de arancuã tomou arranco para longe dali, pois a mirindiba e outras espécies base de sua alimentação já não existe mais – o correntão e o fogo devorou tudo.
      A chapada falava, os bichos falavam! Outrora os mais velhos diziam que houve um tempo em que os bichos falavam, havia reinos que se perpetuaram por gerações. A ganância humana mudou toda história, essa ganância e o consumismo já não olham para o futuro, já não olha para a vida, olha apenas para si mesmo e nada mais! Está faltando tudo, está faltando terra, água, alimento... uma crise descontrolada que parece não ter fim avassala e causa impacto ambiental e social em meio as comunidades. Salvemos o que ainda resta da natureza... suas lágrimas desce como riachos pela linha do tempo. A ampulheta trabalha dia e noite sem parar – a humanidade caminha para um abismo feroz, um poço construído e provocado por suas próprias mãos. Ainda é tempo de fazermos algo, de consolar a chapada e salvar o pouco que resta de nossas vidas! Ainda é tempo de se pensar na paz e no bem do meio ambiente, no bem da mãe natureza.

José Antonio Basto
e-mail: bastosandero65@gmail.com



quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Puba: matéria prima da farinha que nos alimenta

"Puba no giral" (comunidade Baixão dos Loteros)
A puba é a mandioca amolecida em cima do giral pronta para ser levada ao banco do caititú para a trituração. A massa é extraída da mandioca fermentada e tradicionalmente utilizada na produção de (farinha de puba), além de bolos, biscoitos e diversas outras receitas típicas do norte e aqui do nordeste brasileiro. O processo de obtenção da puba consiste em deixar a mandioca de molho num recipiente com água, antigamente se utilizava os chamados “pubeiros” - um espaço cercado de madeira ou palhas de côco babaçú no rio, lagoa ou riacho. Atualmente os tradicionais pubeiros foram substituidos por tanques fabricados de cimento. No final desse período a mandioca deverá estar mole. Deve-se então escorrer a água e lavar abundantemente a mandioca ralando-a em seguida. Com a mandioca ralada, deve-se escorrer completamente o líquido nos tapitis, a massa seca é peneirada e jogada no forno aquecido para então se transformar em farinha. Dois forneiros fazem o serviço: um passa a massa, o outro seca a farinha, este é o momento do “apuramento”.
"Farinha no cocho" (Comunidade Baixão)
A farinha antigamente era empaneirada nos côfos, agora se embala o produto em sacas, com medidas de 75 litros em cada saca.  
O Município de Urbano Santos no Leste Maranhense já foi líder na fabricação de farinha. Nos anos 70, 80 e 90, saia de nossa região muitas carradas de paneiros e sacas de farinha de puba para a venda em outras cidades do Estado e principalmente para a comercialização na Capital São Luís. A farinha produzida no Município de Urbano Santos era conhecida nesse tempo como especial, bem amarela e sequinha. Em alguns casos os seus fabricantes adicionavam à massa manteiga e côco da praia, para dar um sabor muito mais irresistível. Muitas comunidades da zona rural viviam da produção de farinha, que tem sua fase inicial no mês de Julho indo até final de Novembro. A cultura de fabricação artesanal de farinha é a que predomina nas comunidades rurais, essa técnica não prejudica o meio ambiente, pois a tradição vem se perpetuando desde muitos séculos. A farinha sempre foi a base da alimentação.

José Antonio Basto
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segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A chapada do Marçal dos Onças e as palavras do Benedito

Na sequidão em que nós estamos hoje em dia, a chapada devastada, seca mais”, dizia o velho Benedito Onça, um dos moradores mais antigos da comunidade Marçal dos Onças, numa denúncia ao STTR de Urbano Santos sobre os crimes ambientais praticados por lá. A chapada do Marçal é umas das mais belas e apreciáveis da região; seus moradores vivem da agricultura familiar e da coleta do bacuri. Um dos problemas que preocupa o Benedito é a extração de madeira ilegal da área que pertence sua família. Segundo ele, caminhões saem carregados de madeira nativa como candeia, barbatimão, pequizeiros e bacurizeiros, ele acha isso um absurdo! E como não poderia ser! Além desse grave problema, um Gaúcho diz que comprou parte da terra devoluta do estado que por direito pertence à associação de moradores; muitos animais já foram assassinados pelo dito Gaúcho. Os animais dos camponeses que pastam aos arredores do arame são recebidos a tiros, seja jumento, gado, cavalo, porco e até bichos domésticos. A terra que já deveria ter sido regularizada pelo Iterma para a família Onça, ainda aguarda as vontades do governo. A situação fundiária no município de Urbano Santos não é diferente de outros municípios do Baixo Parnaíba. Há mais de três décadas que o agronegócio do eucalipto e outras monoculturas causam danos nas áreas das comunidades rurais. O Marçal é também cercado de eucalipto, assim como os povoados “Todos os Santos e Juçaral”. A chapada mãe de “Todos os Santos” que lhe alimenta de frutos e caça, onde está a principal cabeceira do riacho Chibéu - aquela região continua dilacerada pelo programa da monocultura do eucalipto. O falecido Rio Chibeu que fornecia água e peixe para a comunidade, hoje fica apenas na lembrança, ele é mais uma vítima do grande impacto ambiental e social, por onde corria suas águas, se ver agora apenas a areia branca. O Benedito Onça tinha certeza quando falava dos problemas ambientais na chapada onde nasceu e foi criado, ainda contava que na época de criança tudo era diferente; a fartura de bacuri atraia não apenas os moradores do Marçal, mas também adjacências. A chapada, no sentido figurado e coletivo não existe fronteira, nem donos... ela é de todos... dos pássaros, dos animais silvestres das pessoas que lhe tratam com respeito e carinho – ela precisa ser preservada para o bem comum dos povos! Salve a chapada do Marçal e a coragem do Benedito Onça.

José Antonio Basto
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segunda-feira, 19 de setembro de 2016

A concentração de terra, capital e poder...

       No Brasil ainda não se tem um modelo específico de reforma agrária, existe apenas uma rudimentar política de assentamentos fundiários, durante batalhas no campo muitas lideranças tombaram na luta e no movimento pela posse da terra. Mas uma coisa pode estar certa, os assentados da Reforma Agrária talvez não tenham muitas coisas – poder aquisitivo, riquezas...  mas já são beneficiários de um programa reivindicado há séculos. O assentado ainda não tem tudo como diz a lei e o projeto, mas tem uma casa para morar com sua família, faz parte de uma associação e tem um cercado para plantar seu maxixe, quiabo e abóbora, sabe-se que ainda falta muita coisas pra se avançar a respeito desse tema. A Reforma Agrária na Europa e em alguns outros países desenvolvidos foi feita nos séculos XVIII e XIX. No início da história do Brasil, a propriedade da terra era de domínio da Coroa e poderia ser doada, segundo critérios da própria Coroa, a quem solicitasse, de acordo com a condição econômica que tal sujeito detinha e também segundo serviços que o mesmo tinha prestado à Coroa, isso ainda funciona até os dias de hoje, pois a terra é “instrumento de poder”.
       Para melhor exemplificar e acentuar essa questão, nosso estado (Maranhão), vem sofrendo desde tempos remotos, quando diz respeito aos assuntos agrários. O acesso aos recursos fundiários estão relacionados às políticas governamentais que vem se desenvolvendo desde o final dos anos 70 e que tiveram como marco inicial a edição da chamada “Lei Sarney de Terras”, que objetivou a transferências de imensas extensões territoriais do Estado a grupos empresariais do nordeste e centro-sul do país. Com isso, os trabalhadores do campo foram e continuam sendo expulsos de seus  territórios; de suas áreas agricultáveis e reservas extrativistas como as “chapadas do Baixo Parnaíba” que vem sendo destruídas pelo agronegócio da soja e do eucalipto causando então uma verdadeira transformação radical no meio ambiente e na vida das comunidades rurais.
       Voltando na história, o projeto da “Lei de Terras” de 1850, que esteve em discussão na câmara dos deputados e já beneficiava os latifundiários daquela época, regulamentava o acesso à terra: mas que regulamentação foi essa? Tal projeto somente proibia a aquisição de terras públicas por outro meio que não fosse a compra. O valor era altíssimo e ainda havia um Imposto Territorial, que era para garantir que o proprietário nela produzisse, mas ainda assim o proprietário tinha a autonomia para decidir de que forma utilizaria a terra. Com tais métodos vemos o acesso à terra historicamente sendo tratado como simples mercadoria, fonte de poder e prestígio social, pois somente tinha acesso à mesma quem pudesse comprá-la e explorá-la lucrativamente. A história do Brasil escrita pela burguesia diz que no começo da colonização, a terra era vista como parte do patrimônio pessoal do rei. A fim de adquirir um lote de terra, alguém tinha que solicitar uma doação pessoal. A decisão do rei para a concessão do privilégio era baseada na avaliação do pretendente, o que implicava considerar seu status social, suas qualidades pessoais e seus serviços prestados à Coroa. Desta forma, a aquisição de terras, apesar de regulamentada pela lei, derivava do arbitrium real e não de um direito inerente ao pretendente.
       A concentração de terra e poder em nosso país nas mãos de latifundiários e grandes empresas é um fenômeno causador do auto índice de violência e desacatos aos direitos humanos no campo, ocasionando assim a não expansão do território para outras áreas, terras ociosas e especulação agrária. Segundo o IBGE, o Brasil possui uma das estruturas fundiárias mais desiguais do mundo. Enquanto pequenos lotes com menos de 10 hectares ocupam 2,7% da soma de propriedades rurais, grandes fazendas e florestas de monocultivos com mais de 1.000 hectares concentram 43% do total, o número de assentados é mínimo, a Reforma Agrária não tem crescido nos últimos anos; pois os atuais representantes do Congresso Nacional são os próprios latifundiários e parlamentares de favores que suprem os interesses do grande capital; o capital que não pensa para se dá bem, tentando passar por cima das leis conquistada e pelos direitos do povo e das populações tradicionais. Não resta dúvidas que a situação apresentada é o reflexo da política agrária adotada desde quinhentos anos atrás. Tal concentração e poder, a especulação agrária, o avanço do agronegócio e as tecnologias de ponta, são causadores dos tantos desempregos no campo, da falta de água, da devastação do cerrado, expulsão dos camponeses e do inchaço dos centros urbanos com a migração de lavradores para as áreas periféricas das cidades, vivendo por lá um dilema social e uma outra realidade totalmente diferente de suas práticas tradicionais na zona rural.

José Antonio Basto

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segunda-feira, 29 de agosto de 2016

HISTÓRIA DA COMUNIDADE BOA UNIÃO - MUNICÍPIO DE URBANO SANTOS/MA.


Alunos da comunidade em frente à Capela - (Magistério).
A comunidade tradicional de Boa União remonta a história oitocentista brasileira do final do século XIX na Região do Baixo Parnaíba Maranhense. Seus moradores mais antigos contam com convicção os fatos de como foi formado o primeiro povoamento com os engenhos de cana-de-açúcar para a fabricação de cachaça e rapadura. Hoje Boa União guarda um tesouro histórico de vestígios da famosa Insurreição dos Balaios – Guerra da Balaiada 1838-1842 e do processo socioeconômico local.

 Um canhão debaixo das mangueiras é a prova viva de um ato que por ventura tenha sido planejado para sufocar o movimento rebelde, uma vez que o comandante guerreiro Negro Cosme andava recrutando escravos naquelas redondezas, pois o mesmo já tinha invadido a Fazenda Catingueira entre as cidades de Tutóia e Barreirinhas – num lugar chamado Priá. 
Canhão de pelouro - (arma antiga do período da Balaiada).

As antigas peças do engenho, tachos de cobre, alicerces de muralhas e trincheiras do período são encontrados no local do pátio da fazenda, com mangueiras centenárias e pés de angelim. O povoado foi desenvolvido nas margens do Rio Preguiças pela atração das terras férteis e abundância de água e capinzais para os trabalhos feitos na época. Ainda pode-se ver o famoso sino da capela centenária, este que por sua vez tenha sido vindo da Europa juntamente com vasos e outros utensílios domésticos pertencentes aos proprietários da casa-grande. 
Pátio da fazenda - (largo da Capela Nossa Srª da Soledade)..

 A história de Boa União é importante para entendermos os conflitos e as relações sociais no interior do leste maranhense no final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, um capítulo importantíssimo da história do Brasil.

José Antonio Basto
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