segunda-feira, 25 de junho de 2018

Um dedo de prosa com a água

Riacho do Assentamento Mangabeira - Urbano Santos-MA 

Conversava-se com a água, uma conversa sem palavras. O inverno fora muito bom! Chovia bastante de janeiro ao início de junho; talvez acima do limite esperado – mas a água do céu suspendera um pouco, o sol tem castigado ultimamente! Chega-se o período da colheita do arroz... Tempo de assar abóbora na fogueira de São João Hábitos e costumes que aos poucos vão se perdendo no tempo empoeirado pelas tradições culturais. Rios e riachos encheram e transbordaram em todas as regiões – alargaram-se além das margens, gerando grande fartura de peixes – esperando um futuro de tão poucos bons frutos na lavoura. A força acrisoladora da natureza é extraordinária – mãos medem forças... Acumulam e explodem na criação e no acreditar do “ser e escrever” o mais nobre dos cantos. A água não reclama! Reclamar pra quê? Recupera-se no contar dos dias marcados pela ampulheta. Há muitos séculos ela se formara – trilhando caminhos e léguas pelas florestas, descendo pelo sertão até chegar noutro afluente. Em fim a água completara seu ciclo; tornara prosa porque folheava e compunha sua própria história caminhando pela terra. Se foi... Esvai-se para nunca mais voltar.

José Antonio Basto



terça-feira, 19 de junho de 2018

O solo e o sol em Guaribas


O solo do Baixo Parnaíba é rico em tudo. Uma terra preta onde o que se planta dá com fartura. Há alguém que afirmara viajar pelo sertão do Baixo Paranaíba, sendo a dinâmica de aceitar desafios; poucos se arriscam perder-se por aquelas matas, chapadas e florestas de eucaliptos... Caminhos aplainados. Uma luta renhida, aventura - quando se decide escrever e lutar por alguma coisa – a escrita teórica se completa no monólogo prático de vivencias na íntegra – por isso a prosa sai quase que poética. Não se sabe o gênero, tampouco as formas de construção de palavras – pouco se sabe! Talvez as narrações apresentem ambiguidade e paradoxos – parecidas e inspiradas em “Grandes sertões: veredas” – do Guimarães Rosa, este o mais importante dos livros regionalistas que naquela época de forma romanesca já se narrava as coisas do cerrado brasileiro. O cerrado de Rosa pode ser interpretado como qualquer lugar do mundo – apresentando a vontade de descrever o que se pensa – sendo isto clássico ou não. Uma causa nobre em defesa dos menos favorecidos, esquecidos e desprovidos de direitos, falo dos camponeses.
Saia-se cedo da sede de Urbano Santos, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais tinha uma grande missão naquele dia: fundar duas delegacias sindicais nas duas Guaribas –, se passava pela primeira, parava-se na volta, porque a Guaribas III é mais distante já quase limitando com as fronteiras de Barreirinhas –  a Guaribas I que também é conhecida pela nomenclatura de São Bento,  fica mais próxima de sede da cidade – mas com muito mais problemas fundiários para resolver. O sol rachava e os vultos dos eucaliptos flechavam a vista. Há dias não se pisava na comunidade Guaribas – houve outros tempos; as situações politicas passam – as amizades e a terra ficam para sempre – muda-se apenas os atores. A caminhonete roncava por aquela estrada – podíamos ter adentrado via assentamentos Mangabeira e Mangueira – ficava muito longe; pois o edital da eleição da delegacia marcava a primeira chamada para 9:00h -, atrasava-se no sindicato por motivos maiores. As terras da Guaribas III compõe um território de cabeceiras de rios e riachos. O principal é o Rio Guaribas que passou por um processo de assoreamento e falta d´água. Vale ressaltar que as plantações de eucaliptos ficam bem próximas das casas – causando aí uma ameaça às famílias camponesas. O agronegócio tem uma parcela de culpa nesse impacto, ou seja a maior parcela – muitas comunidades no Baixo Parnaíba sofrem desse mal. A terra fértil de Guaribas III já criou muita gente – povoado de base histórica na formação das comunidades tradicionais - área de transição entre as chapadas e os campos de areia dos lençóis maranhense. Guaribas é o portal de entrada para os lençóis, ainda é esquecida e a situação de seu povo é rudimentar. Conhecida como grande produtora de farinha e tiquira de mandioca, o povoado merece destaque nas áreas de produção agrícola; as técnicas de subsistências são mantidas como sustentação da permanência ancestral.
O Zé Moura recebia democraticamente 44 votos de mais de 70 eleitores que lhe escolheram como delegado sindical e representante das causas sociais naquele povoado. O almoço de carne de porco foi preparado com grande carinho pela esposa do Raimundo – liderança comunitária e amigo de lutas pela reforma agraria desde muito tempo. O papel do delegado é interligar o Sindicato à comunidade – levantar os problemas do povoado e achar saída para solucioná-los: nas contribuições sindicais, questão de roças, criações e meio ambiente. Os buritizais da Guaribas III asseguram uma biodiversidade limpa e distante de monocultivos e agrotóxicos. As crianças acreditam no sonho de tempos idos, o rio de águas claras ainda tem muito peixe e diversas espécies de plantas aquáticas. As famílias camponesas usam a terra como fruto de subsistência levando em conta o respeito e proteção da mesma.
Após as atividades sindicais, partíamos de volta por outros caminhos descendo no Baixão dos Loteros - assentamento do INCRA, comunidade marcada no mapa de terras quilombolas no Baixo Parnaíba. Um pedaço do Baixão vem sendo negociado para ser comprado via Programa Nacional do Crédito Fundiário (PNCF) – beneficiando os jovens filhos de assentados. Cartávamos as veredas até sair na estrada de Barreirinhas. Anoitecia e o cansaço já tomava conta do corpo e da mente. Pois o dia foi recheado de grandes acontecimentos de nossa luta – apesar de termos sofrido um pouco com o sol escaldante que batia no chão de Guaribas III – aquecendo e frutificando o solo e o sonho desta militância em defesa dos direitos humanos e da vida. Sensação de dever cumprido.

José Antonio Basto

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Fazenda Mangabeira e a história perdida dos Balaios em Urbano Santos, Baixo Parnaíba maranhense

José Antonio Basto - (pesquisa em Mangabeira - Urbano Santos-MA)

1839, em pleno apogeu da “Insurreição dos Balaios” – (Guerra da Balaiada) – a região do Baixo Parnaíba maranhense vivia sob intensos conflitos fundiários – e isso já vinha acontecendo desde tempos remotos, causados pela insatisfação do povo pobre do sertão. No inicio o movimento – que mais se parecia com uma guerrilha camponesa foi liderada pelo vaqueiro Raimundo Gomes e o artesão Francisco Manuel dos Anjos, além de muitos outros líderes de destacamentos que sustentavam as ideias da revolta popular, levando-as para além das fronteiras do Maranhão. O ponto de glória da insurreição é acentuado com ênfase na tomada da cidade de Caxias neste mesmo ano. A cidade de Brejo tornara-se quartel general dos revoltosos. A área geográfica pertencente ao município de Urbano Santos, naquela época era da Comarca de Brejo, como também Chapadinha, Anapurus, Mata Roma e Santa Quitéria. As fazendas importantes do território de Urbano Santos –, (ciclo das fazendas), que em sua maioria eram estabelecidas nas margens do Rio Preguiças: Boa União, Palmira, Bom Fim e São José das Mangabeiras, estas eram visadas tanto pelos insurretos, quanto pelas ações das forças legalistas do Exército Imperial que pretendia eliminar de qualquer jeito o movimento.
Canhão da fazenda Boa União, peça da Balaiada - Urbano Santos-MA
No ano seguinte e
m 1840, o governo solicitava anistia e a rendição de mais de dois mil Balaios, infelizmente, assim inviabilizando o corajoso e valente exército camponês. Poucos resistiram, a maioria foram derrotados – vítimas das táticas militares de Lima e Silva. A sublevação estava quase chegando ao fim – é nesse momento que o Negro Cosme entra na luta – 1840 - 41; o último líder rebelde que comandava mais de três mil negros e tinha como quartel general o seu “Quilombo Lagoa Amarela”, localizado na cabeceira do Rio Preto em Chapadinha.
Mapa da campanha de Caxias contra os Balaios
A Fazenda Mangabeira, em Urbano Santos – hoje um assentamento do Incra – naquele tempo era chamada de São José das Mangabeiras, de propriedade da “Família Bacelar”- que muito antes pertenceu a um Padre – sendo uma faixa de terra doada através da “Carta de Sesmarias” – com o nome “São Felipe das Mangabeiras”, por isso - São Felipe – nome dado ao Povoado Vizinho. Um casarão antigo que remonta a história perdida de mais de duzentos anos atrás.
Dona Marly entrega fontes de pesquisa a José Antonio Basto
A estrutura arquitetônica da casa é de origem portuguesa como o piso de ladrilhos, a varanda da recepção e as paredes revestidas de pedras. Relíquias são encontradas em decomposição dentro do mato no quintal da casa grande –, como um tacho de ferro do centenário engenho; sendo a prova viva da produção de açúcar, cachaça e melaço de cana fabricados em Mangabeira. Um fato curioso que tem como prova a existência da memória é um ofício do Prefeito do Brejo ao Vigário da freguesia Mangabeira, datado de 1839 – que se trata da denúncia da fabricação de pólvora caseira no lugar São José das Mangabeiras. É sem dúvida uma grande prova dos acontecimentos que por ali passaram. Segue na íntegra o referido ofício:                
DOC. Nº 30...
DO PREFEITO DO BREJO
AO: VIGÁRIO DA MESMA FREGUEZIA
Ilmo. E Reverendíssimo Senhor Vigário
Jerônimo Antônio de Proença Ribeiro
Foi-me denunciado que João Pereira Caldas, pessoas da casa de V. S., está na fazenda de V. S., denominada São José das Mangabeiras “fabricando pólvora”; e porque seja esta manufatura expressamente por lei proibida, acrescendo, ainda mais nas atuais circunstancias o ser bastante perigoso, segundo a proximidade em que estão os rebeldes da dita fazenda de V. S., e onde pretendem, segundo as noticias que se tem obtido, estacionarem-se; assim o levo ao seu conhecimento, para sua inteligência, a fim de que se inutilize semelhante fábrica, desonerando-se assim da responsabilidade que, aliás, tem V. S. perante o Governo legal do Senhor D. Pedro II.
De amor e zelo que V. S. tem pela tranquilidade pública, espero a mais rápida providencia.

Deus aguarde a V. S.
Prefeitura da Comarca do Brejo, 30 de dezembro de 1839.
Severino Alves de Carvalho
Prefeito da Comarca.
Panelão de ferro do antigo engenho - Fazenda Mangabeira - Urbano Santos-MA
Uma possível fábrica de pólvora não é algo comum nesta região – é algo extraordinário; um tão pouco difícil e quase que inédito; todavia demonstra que nossa história ainda tem muita coisa pra ser descoberta, ainda desconhecida por essas matas e lugarejos. A Balaiada na história de Urbano Santos está ligada não apenas na formação da comunidade Mocambinho, no final da guerra e os últimos acontecimentos em 1842, depois Mocambo e em seguida “Ponte Nova”, mas é sustentada cientificamente sobretudo pela existência do canhão da fazenda vizinha Boa União, a “Chapada dos Balaios” entre os povoados Bom Princípio e Areias e a estrutura da antiga fábrica de pólvora caseira da Fazenda Mangabeira, antes, São José das Mangabeiras.
Ladrilho da casa grande - Fazenda Mangabeira - Urbano Santos-MA.
Pontos importantes que merecem uma atenção especial levando em conta e consideração a construção de levantamentos e fatos da permanência histórica no município. Daí pode-se citar as linhas do cronograma (mapa), da campanha de Luís Alves de Lima e Silva (Duque de Caxias), contra dos Balaios – quando este general foi promovido presidente da Província do Maranhão. As linhas ligam Icatú a Miritiba; Tutóia a Brejo e a São Luís; Itapecuru a Vargem Grande e Coroatá a Chapadinha e a Caxias, cortando então o território do atual município de Urbano Santos, servindo como prova das trilhas e combates de uma guerra que pode ser transformada em cartão turístico na região nordeste do Estado do Maranhão.    

Texto e imagens: José Antonio Basto
E-mail: bastosandero65@gmail.com