quarta-feira, 21 de outubro de 2020

O Viajante caminheiro do sertão


O Viajante caminheiro do sertão seguia pelas chapadas adentro. Sua moto companheira já quase debilitada, roncava pela manhã cedo rumo a um vilarejo distante nas imediações da cabeceira do “rio dos pretos”. Ouvia-se apuradamente tiros de espingardas e latidos de cachorros, gritos de caçadores por aquelas bandas, por aqueles grotões e boqueirões profundos. As chapadas falavam e clamavam junto a Deus contra o fogo que destruía a relva. Algum canto de pássaro cativava a audição do Viajante -, seria uma nambu, um juriti, um sabiá ou gaturamo? Corria pelo sertão, uma lagoa aqui, as barreiras estreitas ali. Sinais de flores de bacuri e pequi – sinais de flores e belas florestas; uma boa safra assim que a chuva cair! O capim orvalhado dava lugar ao sol, a manhã desaparecia; o sol subia para o meio dia. Distante dali ficava ao sul uma cidade, ele se dirigia ao norte. Os moradores das comunidades tradicionais sempre vão à cidade, quando precisam dela, quase sempre fazer a feira. Precisam, ou quase sempre... nem tanto assim. Eles tiram da terra, das águas e das florestas tudo que precisam. São merecedores... enfrentam o dia-a-dia atravessando avalanches e barreiras que o destino lhes apresentam. São heróis e guerreiros de combate.  Era tarde, o sol já tinha virado, quase nada o caminheiro tinha botado no estômago que continuava vazio. Algumas frutas se apresentavam nos caminhos, frutos do cerrado. Botava-os no bornal a tiracolo. Debaixo de um pé de faveira o Viajante parou para um lanche natural de frutos da terra, um riacho corria próximo dali fazendo um barulho nas pedras, precisava beber água. A cigarra anunciara suas pancadas de três e meia da tarde, já  era hora de atravessar as matas.

Ligava sua moto e corria sobre as veredas dos barros vermelhos, meio que sem destino, andarilho... descera numa vila camponesa. Era bonito o lugar, na chegada muitas roças, animais pastando no campo e no vale... pescadores, caçadores, agricultores e extrativistas. As mulheres com seus filhos de lado, batuques de pilão e o milho quebrado. Ele conhecia um velho amigo naquele povoado, certo tempo lutaram juntos pela terra, isso há muito tempo atrás. Era chegada a hora de mais uma vez conversarem sobre as situações agrárias daquela região agreste. Já era noite, a lamparina acesa encadeava os olhos. Os donos da casa, hospitaleiros e modestos convidavam o Viajante para jantar: “um tatú cozido ao leite de coco”, eles caçam animais silvestres como fonte de alimentação, para subsistência, sem agredir o meio ambiente, caçam equilibradamente por tradição e não para venda -, que até então quando se caça para vender e obter lucros no abatimento dos animais pode se considerar caça predatória.

Tatu ao leite de coco é coisa boa... fruto do chão. Sentaram numa esteira feita de palha de babaçu na simples cozinha e começaram a refeição. Um papo fluía entre a união, papo sobre roças, caçadas e pescarias, enquanto isso a panela ficava vazia. O corujão pregava uma longa noite de frio com seu gorjear melodioso e tristonho. No sertão se dorme cedo, logo após a janta. A caneca no banco de pote cantara num eco sem igual, raspando a água no fundo do barro. Depois disso o Viajante deitara numa rede, estava bem cansado e adormeceu em sonhos naquele lugar distante da civilização. Seus sonhos eram de um outro mundo possível! Aquele dia fora produtivo... esperava o sol raiar no dia seguinte para seguir adiante. Romantismo? Não. Simplicidade de leitura do livro da realidade.

José Antonio Basto

 

Outubro - 2020.