segunda-feira, 27 de novembro de 2017

A chapada ouve seu canto

Chapada em algum lugar no Baixo Parnaíba maranhense
Chorava a triste chapada
No rebramar dos encantos
Cantava como se o pranto
Fosse algo sem igual
Era mesmo a poesia
Num eco de agonia!
Em versos de noite fria
Nas chamas do temporal.

Chovia para alegrar
A erva nobre do agreste
Festejando no campestre
Sobre o som desta beleza
A terra cantou também
Árvores gritam amém!
Em tudo que se convém
Na música da natureza.

O gaturamo cantava
Gorjeando no sertão
A juriti risca o chão
O preá corre ligeiro
Cotia grita na moita
Tiú -, a fera açoita!
"Assombração que acoita
Coruja na escuridão".

O tatu trilha o carrasco
A formiga corta a folha
É o sereno das bolhas
Que molha na tempestade
Capim alegre sorrindo
Araras voam partindo
O Poeta construindo
A tela da liberdade.

O pano desta pintura
No ringido do arvoredo
Explode como um segredo
Na fumaça do encanto
Todo esse quadro celeste
Fazendo agora esse teste
De certo é inconteste
Quando a chapada ouve seu canto.

José Antonio Basto

(heterônimo / personagem “Eu” lírico: “O Viajante do leste”).

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Consciência Negra XII: o estrondo da carabina

Zumbi dos Palmares
I
O canto negro que chora
No estribo da espora
Correndo louco! Implora!
Pelas matas do sertão!
Balaios de Cosme Bento
Que marcaram seu acento
Em tiros soltos no vento
Contra a escravidão.





II
Hoje aguardam a mensagem
De Castro Alves a imagem
Zumbi lutou com coragem
Em outros tempos de glória!
Pretos que aqui morreram
E seus corpos se estenderam
E suas almas bateram
No estandarte da história.

III
Sãos esses que na senzala
O chicote ainda estala
E sobre o sangue resvala
Há trezentos anos de dor!
Estes vultos que gritaram
E por todo tempo apanharam
E, sobretudo desejaram
Que tivessem algum valor.

IV
São meus irmãos de corrente
Negros, negras que são gente
Hoje seguem conscientes
Em outra grande batalha...
A voz que invade o sistema
São regras, cotas e dilemas...
Quebrando todas as algemas
Sobre o fio da navalha!

V
Na lei, na guerra ou na marra!
Este cartaz se esparra...
No chão de luto que agarra
As letras nesta verdade
Um outro mundo almejamos
E todas as mãos juntamos
Nessa guerra que lutamos
Em busca de liberdade.

José Antonio Basto
Urbano Santos-MA, 20 de Novembro de 2017.

* Modestamente, são estes os versos da voz do povo negro! – os de ontem que tombaram e deram seu sangue como Zumbi dos Palmares, Negro Cosme Bento das Chagas e muitos outros. E também os de hoje que sustentam e se dedicam a esta luta em busca da verdadeira abolição do preconceito e dos problemas sociais. Poema este dedicado ao “Dia Nacional da Consciência Negra” – 2017, e, sobretudo aos 322 anos da coragem de Zumbi dos Palmares – covardemente assassinado na manhã do dia 20 de novembro de 1695. Zumbi representa a força e a expressão maior do movimento negro dos dias atuais; precisamos conquistar esse dia para que seja marcado em nosso calendário como feriado nacional e não apenas em alguns estados e municípios; acentuando em especial a luta atual dos negros e negras rurais quilombolas e urbanos em suas organizações; suas batalhas e desafios em busca da concretização de direito civis.

Autor.





 





segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Ela não sabia ler e escrever, mas sabia da lei

Ela perguntara seu companheiro sobre sua terra; um processo que tramita nos órgãos fundiários há décadas – não foram os primeiros a enfrentar essas barreiras – pois lutar por terra e militar no movimento social requer paciência e força de vontade – pois as aprovações são muitas. Ele respondera que a terra continua lá, mas o direito ainda não veio – precisam do título. Eles reviravam um côfo pendurado na parede com vários documentos antigos, alguns já rasgados e amarelados – desde ofícios, estatutos e até cânticos de comunidades – tudo referente à questão da luta pela terra e anos de militância.
Maria não sabia ler nem escrever, mas sabia da grande importância de sua luta, participação e coragem acima de tudo, enfrentando sistemas perigosos para defender seu território. Daquelas chapadas eles tiram o mínimo para sua sobrevivência, na época em que era menina, seus pais não lhe botaram para estudar, escolas eram difíceis na região e sua mãe dizia zangada que “menino só tinha que ir mesmo era pra roça”- ajudar a pagar o que come –, ignorância? Talvez sim, talvez não – sem saber! Ela ficara triste por alguns momentos, mas nunca desistiu de sua maior escola, decidiu aprender sempre com a “TERRA”! O Francisco, esposo de Maria sabe ler muito pouco -, consegue com dificuldades na visão destrinchar o que lhe vem a respeito da terra que ocupa como posseiro desde seus avós. Perguntava-se sobre a tramitação do processo para regularização de suas 100 e tantas hectares. A família depende diretamente daquela larga área de chapada, pois os bacuris já estão florados para uma futura safra. Os camponeses praticam agricultura e extrativismo – são reconhecidos por sua luta, defendem o que lhes é de direito, mas infelizmente não são ouvidos como segurados especiais – são desprovidos de direito! Batalham arduamente em meio ao aparelho econômico do capitalismo implantado no campo, como a silvicultura. “Terra” –, tem sido nos últimos anos sinônimos de capital e poder, a cada dia a demanda cresce – e principalmente nas fronteiras de ocupação do cerrado; programas são sistematizados afim de impactar os povos rurais – como o Matopiba – que pretende ocupar uma das ultimas fronteiras agrícolas do bioma cerrado. Não é preciso estudar bastante, nem ter frequentado universidades para saber da importância da terra e do meio ambiente para a sobrevivência, reprodução social e cultural das comunidades tradicionais. Famílias camponesas que aprenderam na escola do campo a valorização do espaço em que vivem – assimilaram no dia a dia e no trabalho tirando da terra e das florestas seu alimento.
Maria falava que antes sua terra apresentava muita fartura, tinha de tudo – nas chapadas e nos brejos, mas essa abundancia se acabou – acha-se mal para o alimento. A lavoura e a vida interiorana lhe ensinaram um ofício mais que especial – vivendo numa comunhão exemplar repassada de pai para filhos. Seu chão de luta foi palco de combates de outrora – a chapada densa, mãe dos rios, fonte e nascente que jorram água para matar a sede dos viventes, não apenas do campo, mas também das cidades. Existem tantas leis e direitos, leis aprovadas e direitos conquistados – mas a injustiça ainda impera no meio agrário – violência a cada momento praticada contra as sociedades campesinas. Acredita-se em outros tempos e em outros livros.
Ela sabia de tudo isso, não por ter lido livros, nem por ter ouvido falar. Mas por ter até agora vivido e convivido por todo esse tempo com essas coisas. A Maria tem como diploma o trabalho e o talento das coisas simples do campo e utilizou sua capacidade, carinho e humildade, suor e mãos calejadas para transmitir sua sabedoria e conhecimentos fundamentais na faculdade da vida.


José Antonio Basto

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

A POESIA QUE INUNDA A VIDA INTEIRA: ARCADISMO, A ESCOLA DA VIDA SIMPLES NO CAMPO

José Antonio Basto
A literatura é a arte da palavra. A poesia ou texto lírico é uma das sete artes tradicionais, pela qual a linguagem humana é utilizada com fins estéticos ou críticos. A poesia tem o poder de retratar tudo que pode ou não acontecer, depende da imaginação do autor, como também a do leitor. Um poeta disse: “quem ler poesia ver o mundo diferente”. A poesia é a arte, que a ensina, e a obra feita com a arte; a arte é a poesia, a obra o poema e o poeta é o artífice. sentido da mensagem poética pode ser algo extraordinário, ainda que seja de forma estética para definir um texto como poético. A poesia compreende aspectos metafísicos e a possibilidade desses elementos transcenderem ao mundo fático. Esse é o terreno que compete verdadeiramente ao poeta.
O campo brota poesia? Como escrever sobre as coisas do campo –, tradições, belezas das matas... Florestas, rios... Mares... Animais? Como escrever sobre a vida simples das pessoas do interior? Como descrever o cerrado brasileiro? Escrevendo e convivendo. Isso é brotar poesia! Na verdade a poesia nasce no campo... Desde o arcadismo que tinha como principal característica a “exaltação da natureza” e de tudo que lhe diz respeito, isso é apenas um ponto de vista ou talvez uma Inter-textualização da passagem dos séculos, convenhamos. A partir do desenvolvimento dessa escola “os poetas” adotaram pseudônimos de pastores gregos e latinos. “O arcadismo constitui-se numa forma de literatura mais simples, opondo-se aos exageros e rebuscamentos do barroco. Temas comuns relacionados ao campo, o amor, a morte, o casamento, a solidão... E o desejo de um mundo mais justo, características essas do arcadismo. As situações mais frequentes apresentam um pastor abandonado pela amada, triste e queixoso. É a "aurea mediocritas" (mediocridade áurea), que simboliza a valorização das coisas cotidianas, focalizadas pela razão. “Os autores retornam aos modelos clássicos da antiguidade greco-latina e aos renascentistas, razão pela qual o movimento é também conhecido como “neoclássico”. Os seus autores acreditavam que a arte era uma cópia da natureza por si só, refletida através da tradição clássica. Por isso a presença da mitologia pagã, além do recurso a frases latinas. “Inspirados na frase do escritor latino Horácio "fugere urbem" (fugir da cidade), os árcades foram imbuídos da teoria do "bom selvagem" de Jean-Jacques Rousseau, os autores árcades voltam-se para a natureza em busca de uma vida simples, bucólica, pastoril, num refúgio ameno em oposição aos centros urbanos dominados pelo antigo regime, o absolutismo monárquico. Cumpre salientar que essa busca configurava apenas um estado de espírito, uma posição política e ideológica, uma vez que esses autores viviam nos centros urbanos e, burgueses que ali mantinham seus interesses econômicos. Por isso justifica falar-se em "fingimento poético" no arcadismo, fato que transparece no uso dos pseudônimos pastoris”.
Escrever sobre o campo é embelezar o pensamento... Valorizar o mais importante da vida, pois é de lá que vem tudo para todos e todas – é de lá que aprendemos o sentido da vida e da cultura de nossos pais. As comunidades rurais não precisam enricar-se economicamente, precisam apenas viver bem, comer bem, ter água e terra para o trabalho e sustento de suas famílias; elas são as verdadeiras defensoras do meio ambiente –, as comunidades tradicionais poetizam no dia-a-dia.
O arcadismo me ensinou estes valores, desde quando nos reuníamos em casas de amigos para o desenvolvimento dos trabalhos de Literatura em grupo na época do ensino médio. “Ninguém ensina ninguém” a ser “Poeta” –, trazemos isso de berço - mas acredito nas orientações e sobretudo no incentivo do “ensino-aprendizagem”, durante todo esse período de outrora. Isso me tornou um fabricante de versos, na junção das letras, um agente divulgador do texto escrito, trilhando um difícil caminho da “lavra à palavra”. Escrever sobre o campo nos remete a uma livre expressão do criar em liberdade, do pensamento que voa para campos distantes e mares nunca antes navegáveis. Pulando num salto distante destes acontecimentos, meus escritos simples e modestos ainda faz-me lembrar de quando estudamos o Eça de Queiroz que foi um dos grandes nomes da literatura portuguesa; autor da obra “Os Maias” - um livro que ocupa-se da história de uma família (Maia) que habitava uma fazenda ao longo de três gerações. Eça participou de um período de mudança, em que o romantismo dava lugar ao realismo -, toda história do romance se passa no campo.
O arcadismo simboliza a valorização das coisas cotidianas focalizadas pela razão, assim como o romantismo que impera entre nós. A criação literária do individual pensamento para transformar as sociedades coletivas são os frutos do arcadismo. Penso eu. Cada momento teve suas características - mas a poesia tem atravessado gerações e continua ainda tão atual em nossos dias.

José Antonio Basto