segunda-feira, 29 de julho de 2019

A pescaria numa terra proibida

"Pov. Bacabal - Urbano Santos-MA".

Certo dia marquei uma pescaria para o "Rio dos Pretos" – no sertão entre São Benedito do Rio Preto e Urbano Santos – quase nos limites de Chapadinha, terra de criadores de porco e bode. Saira da sede da cidade às 14:00h, viajava pela chapada do meio – na estrada que dá acesso aos povoados Prata e Riacho Seco. O Bacabal de Santa Rosa era o ponto final, perderia-se entre os caminhos do cerrado, já modificados. “A pescaria numa terra proibida” prometia. Era o começo da aventura.
Bacabal e Santa Rosa são duas comunidades vizinhas; áreas que estão em conflitos fundiários – de um lado a família Garreto e do outro os moradores do vilarejo. Bacabal nascera de Santa Rosa, quando no decorrer do tempo os moradores migraram de um lado para o outro a procura de terra para trabalhar. A [Associação de Moradores] fora criada com o objetivo de entrar com um processo de desapropriação no Incra e também arrecadar pelo Estado o restante da chapada para as mais de trinta famílias camponesas que lá moram e trabalham de roça. Conheço o pessoal de Bacabal desde quando se iniciara o conflito há quase uma década atrás. Um povo hospitaleiro que vive no dia-a-dia do trabalho pesado da lavoura e da pesca artesanal, além de outras tarefas e práticas como o extrativismo do bacuri e outros frutos da floresta. Outrora participei de  muitas reuniões de organização, preparação e orientação da luta pela terra. Mas naquele dia a tarefa era outra – divertir-se um pouco com a arte da “pesca numa terra proibida onde quem chega por lá é indagado pelos moradores” e, interrogado sobre o que anda fazendo por aquelas bandas. É claro que essas interrogações não foram me dirigidas. Eles estão fazendo certo, pois a terra é seu bem maior, muitos visam aquela região de chapadas, babaçuais e matas virgens / poucos sabem de seu importante valor econômico e social, cansaram de serem colonos e escravos dos que ainda se “dizem senhores dominantes". A poeira da estrada estragara  minha garganta, rendendo mais de duas semanas de gripe forte e muita tosse. Mais de uma hora de viagem pelos “campos do gaúcho”- este deu uma melhorada na estrada que vai para sua fazenda. Menos mal, mas não fizera a estrada para facilitar a vida dos moradores de Bacabal e Santa Rosa, mesmo assim eles a utilizam frequentemente, pois a outra estrada via Marçal é bem mais longe para a cidade. Ao chegar, deixei a motocicleta em baixo do pé de jatobazeiro – árvore centenária que fornece uma boa sombra nas horas de reunião e também frutos para a meninada matar a fome quando precisam. O enorme pé de jatobá é uma prova viva da existência e formação histórico-social daquela comunidade que se criara a partir das adjacências do campo de futebol – muito parecida mais com uma  aldeia indígena. Antes de ir para o rio, conversei um pouco com o presidente da Associação sobre algum tipo de novidades recentes, quase nada me dissera a respeito da questão que vem se arrastando, apenas falou da eleição da nova diretoria da Associação que alguns dias tinha acontecido. As horas iam passando e eu tinha que pescar. A fome apertara também, pois não almocei nada naquele dia, esperava pegar peixes para comer assado com farinha lá mesmo na beira do rio.
"Curumim / Menino do Pov. Bacabal - Urbano Santos-MA". 
Segui para a ponte que liga o outro povoado vizinho, o rio baixara suas águas e, muito – notou-se a diferença de outras datas. Os anzóis e as redes foram pra dentro d´água, pouco beliscava, mas as redes fizeram a festa com as baranas e freixeiras, apesar das piranhas estragarem fazendo buracos com seus afiados dentes. Anoitecia e outras iscas foram botadas para ferrar as catanas, tudo calmo – as horas passavam lentamente, se ouvia gritos de caçadores e latidos de cachorros ao longe, tiros de espingarda... as estrelas do céu eram a minha companhia. O pensamento viajava, concentrado lembrava de minha casa e decidia voltar ainda naquela madrugada. Fiz uma fogueira na beira do rio, botei alguns peixes para assar, depois jantei-os, bebi água cinzenta do Rio Preto e estava alimentado. Por volta de  1:00h hora da manhã decidi voltar pra casa, tinha pegado o suficiente para o almoço. No trajeto até o vilarejo de Bacabal Deus e a luz da lanterna eram meus guias. Chamei o morador da casa para pegar a chave da moto, não quis incomodá-lo, despedi-me e acelerei na volta para casa, subindo a ladeira até a planície da chapada. Viajar a noite não é uma boa experiência e ainda mais sozinho por aquelas brenhas. Os campos de eucaliptos faziam fronteiras com os carrascos e chapadas, a poeira ardia nos olhos. Mais de dois quilos de peixes vinha no côfo. O medo me apavorava.
Após horas de viagem, avistava-se os primeiros sinais das luzes da cidade. O medo foi passando assim que se aproximava da civilização. Chegava em casa as 3:00h da manhã, cansado, com peixe e uma bagagem para mais um ensaio literário... uma prosa sobre este tema que quase não tivera tanto sucesso assim para muitas pessoas, mas para outras é de grande e estimável valor.     

José Antonio Basto






domingo, 28 de julho de 2019

Lendo para entender a chapada de forma diferente


O caminheiro depois de muitos dias de viagem pelo leste parava numa humilde choça das paredes de taipa e coberta de palha de babaçú. Se hospedaria ali naquela tijupá para repousar a noite e mais tarde seguir adiante, pois seu dia tinha sido bastante cansativo, percorrera toda aquela densa região de conflitos, acumulando o aprendizado. Era um herói? Talvez, com modéstia – esperava algumas mudanças e reformas que favorecessem os menos favorecidos e desprovidos de direitos. Este é o ofício que escolhera na esperança de novos tempos para colher bons frutos no futuro. Ao se abancar, perguntaria aos anfitriões do lar sobre a questão da terra – a conversa começaria antes do jantar que foi oferecido, pois jamais se dispensaria uma tradicional Iguaria de “galinha caipira com arroz de pequi” a pesar de tudo estava na chapada. A janta saiu com perfeição à luz de lamparina. Satisfeito! Em seguida surgia uma provocação que envolveria a situação fundiária do lugar. Poucos discutem sobre esse assunto que decerto é polêmico desde tempos bem remotos na história das civilizações; respeitava-se o momento – deixando-os à vontade. Mas as respostas supriam as indagações e a “prosa” prosseguira até o fim. O Viajante tirava de seu alforje alguns livros, textos, revistas e jornais velhos – veículos estes que alimentariam o gosto pela leitura e daria uma injeção de ânimo na luta pela posse da terra. Presenteava-os com carinho; recusaram de início, pois não sabiam ler nem escrever – descobrira então, óbvio! Mas respeitosamente aceitaram os presentes e os guardaram num baú seguro, pois dali tiveram a curiosidade de aprender a ler em uma demorada relação com as palavras e com a gramática. Só assim demonstrariam força intelectual e social para destrinchar os processos burocráticos no que diz respeito a defesa do território. Não conheciam o mundo das letras – e nunca leram nada – muito menos pisaram na escola; mas sabiam de cada pé de árvore da chapada – mostravam seus saberes e técnicas no extrativismo repassados de pai para filhos – curavam-se com remédios tirado das plantas medicinais – seus pais lhe ensinaram; não se perderiam nas veredas nem de dia, nem de noite, a energia era a luz da lua e das estrelas. Caçavam, pescavam, lavravam o chão e criavam pequenos animais para a alimentação e reprodução da família, o que detinham de mais valioso. Soletravam “lendo para entender a chapada de forma diferente”, coisas que a escola não ensina, adquiriram o diploma com o tempo. A existência e a convivência ensinaram essa nobre literatura onde uma minoria dar valor. Conversavam ao seu modo com a natureza numa comunhão e comunicação com o espaço em que vivem. Sabiam a hora pelo sol e o tempo de plantar e jogar a semente no período certo através do clima. Viviam Isolados do mundo civilizado e conectados com o meio ambiente. A cartilha era a própria terra, as folhas, os ventos, a enxada, o jacá e as chuvas de inverno. Formaram-se em todas as ciências, receberam prêmios valiosos e repassaram isso para as futuras gerações. Tiveram como mestres o tempo e a paciência que lhes ensinaram a mais bela das lições de vida.

José Antonio Basto
e-mail: bastosandero65@gmail.com    

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Um pedaço de prosa

"O Viajante chegaria à fronteira demarcada pelo rio dos pretos -, entre Urbano Santos e São Benedito, depois de ter percorrido alguns quilômetros pelo sertão das chapadas. O destino? Uma reunião de orientação para os irmãos camponeses. Algo incrível haveria de acontecer naquela história, naquela prosa: de "inspeção à audiência". O sol aparecia por traz da floresta, iluminando  o dia a dia dos lavradores (as) sobre o tempo, aguardavam com ansiedade uma autoridade judicial em suas terras. Mostrariam seus modos de vida, a cultura, a terra, as roças, os animais pastando no campo... A agricultura. Seu território é algo incomum, um sonho desejado para os viventes que vivem e sobrevivem deste pedaço de chão. Tiram tudo de lá, necessitam para viver. O tempo foi passando, as águas do rio descendo... Uma trégua! E mais uma vez a batalha daquele dia fora adiada". [...]
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José Antonio Basto