segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Pelas trilhas do assentamento

 

Pensava-se num trabalho, um tão quanto pouco literário –, quase crítico, mas não tanto assim. O “Programa Jovem Saber” da Contag e Fetaema – em parceria com os STTRs, convidara-nos para uma pequena pesquisa na casa de um morador do “P.A – Projeto de Assentamento do Povoado Estiva da Mangabeira”, em Urbano Santos, Baixo Parnaíba maranhense. Friviar por aquelas bandas é relembrar o passado histórico do processo de dominação das terras de famílias influentes que detinham do poder cartorial e da estrutura agrária herdada pelos portugueses desde o império do Brasil - para suas elevações econômicas. Pois terra sempre foi sinônimo de capital e poder. Isso é fato.

           


Três companheiros seguiram numa manhã cedo de inverno para desenvolver as pesquisas e aproveitar para visitar velhos amigos de lutas durante o percurso. Eram seis horas da manhã, quando o carro buzinava convidando para seguir cortando os povoados: “Bacaba, Frankylândia, Palmeirinha, Cacimbinha, Baixa do Cocal I e II, Ingá, Santana, São Felipe, Primavera, Mangabeira Velha até Estiva da Mangabeira (Fazenda São Paulo). O “6º Módulo de estudo do Programa Jovem saber”, convidou-nos para uma experiência sistemática, prática e teórica sobre o entendimento do processo de Reforma Agrária no município onde vivemos, suas indiferenças, sonhos e utopias. Um romantismo pregado que se alicerça no pensamento e que algum dia possa chegar como direitos, poeticamente no canto: “Nosso direito vem”.. [...]. Convidava para uma reflexão sobre a participação da juventude na “política de sucessão rural”. Na participação como agentes sucessores da Reforma Agrária, críticos e voluntários de um trabalho de seus avós que começaram há muito tempo atrás e que eles devem entender sobre a continuação desta obra. As brigas de terra para aquelas bandas e em toda região próximas ao rio preguiças são bem antigas – porque remontam o ciclo das fazendas de cana; assim também como em boa parte dos territórios que ligavam as estradas de acesso à cidade de Brejo e Vila de Miritiba.

Na narrativa que se tratava das primeiras lutas na área que foi desapropriada pelo Incra, retrata a resistência dos trabalhadores rurais em não aceitar a pagar mais uma parte de sua produção para os donos da terra. O capítulo é bem antigo desde a habitação dos caboclos sertanejos na época da Balaiada em meados do século XIX. Mas só começaram de fato se organizar na luta pela terra na década de 60 e 70 – anos esses em que o “movimento camponês” ganhava notoriedade no cenário nacional, principalmente no Nordeste, sendo esta, a mais velha categoria e Movimento - MSTTR, que tardou tanto para se organizar. Isso vale lembrar a grande participação dos padres e o papel da Igreja Católica na MEB – (Movimento de Educação de Base) e da fundação das CEBs - (Comunidades Eclesiais de Base) – no leste maranhense. A luta organizada dos camponeses resultou depois de quinze e vinte anos na desapropriação do complexo de “Assentamento Mangueira / Data Mangabeira” na década de noventa. Foi o inicio de uma batalha que deu os primeiros passos com relação à posse da terra e a construção de pequenas e rudimentares casas para as famílias cadastradas. O morador o qual nos recebeu falava do problema da comunicação social naquela época, que para se deslocar até a cidade de Urbano Santos ou tinha que ir a pé ou de animal... na maioria das vezes andavam de trinta a quarenta quilômetros para resolver seus negócios na cidade.


Ele faz uma autocrítica sobre a realidade da reforma agraria, que não é apenas nos assentamentos de Urbano Santos, mas em todo país – principalmente agora com o retrocesso de transformações politicas do atual governo central: “No Brasil não existe reforma agrária, existe apenas uma pequena política de assentamentos fundiários e agora infelizmente ameaçado, explica”. Dá-se ao entender que no entendimento daquele assentado a reforma agraria não é simplesmente assentar famílias camponesas no meio da chapada seca sem água e sem assistência técnica para a agricultura, sem os meios necessários para sobreviver. Deve no mínimo se ter infraestrutura básica, saúde, assistência técnica, educação e outras politicas de desenvolvimento social que completam o verdadeiro sentido da Reforma Agraria, que estão muito longe de nossa realidade.

            A família mora e produz na terra: pimenta malagueta, coco da praia, farinha de puba e criam pequenos animais para a alimentação. Sobre as laterais da casa tem um grande morro com árvores preservadas, além de um riacho de águas claras que passa na frente da moradia. O trabalho foi concluído até meio dia. Será editado e enviado para a coordenação da Fetaema e em seguida para a Contag para avaliação. Foi muito válido o aprendizado para conhecer mais de perto a realidade da historia do assentamento. Página essa que as vezes, ou talvez, a maioria dos moradores não conhecem. Voltamos pela mesma trilha com mais uma das tantas tarefas cumpridas.

 José Antonio Basto.

dezembro - 2020         

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

O Viajante, as águas do Mocambo e as trincheiras da guerra

 

As águas corriam da nascente que fica para as bandas dos campos arenosos, a água nasce do chão, do subsolo – dos brejais e buritizais, as águas do Mocambo descem de longe. As águas negra do rio relembra o passado de glória em que “heróis desejaram a liberdade”, lutaram em seus esconderijos nas batalhas sem registros e mais! Eram BALAIOS que sob pressão do chamado recrutamento forçado, da expressão (o pega), já desejam explodir com suas ideias e ações e fizeram isso -, numa peleja de quase quatro anos de guerras pelas matas e vilarejos. O Viajante entendera que a insurreição passara por sua terra natal “Urbano Santos” – quando o vaqueiro Raimundo Gomes arrebentara as portas da cadeia de Vila da Manga no Iguará e lançava seu manifesto começando então organizar seu exército popular que passaram por este lugar, com o intuito de armar um grupo de rebeldes em Chapadinha e atacar a Vila de Miritiba - hoje Humberto de Campos. Os fatos se construíram e se constroem a cada tempo - a HISTORIOGRAFIA faz o restante do trabalho nas linhas das memórias ancestrais e naquilo que restou de um tempo diferente repleto de lutas sangrentas, de rebeldia e da sustentação de um sonho de liberdade.

O Sertão foi o espaço de luta, a terra tem um significado exemplar – presenciara muitas batalhas e demandas. A região é antiga e, sobretudo diferente. Mas toda guerra tem um fim, parava ali os combates depois que os líderes da insurreição sucumbiram, alguns se entregaram, outros preferiram morrer lutando. Os escravos sublevados pelo imperador das liberdades bem-te-vi, D. Cosme voltaram para suas fazendas... Outros procuraram quilombos distantes como o “Saco das Almas” e o “Lagoa Amarela”. Todos localizados no território deste imenso Baixo Parnaíba. Mas o medo imperava entre os sertanejos e suas famílias. Com o fim das batalhas, os legalistas ainda continuavam rondando o sertão para controlar a situação, alguns insurretos direcionaram-se ás terras de Urbano Santos, procurando refúgio seguro... Entrincheiraram-se e montaram seus barracos junto às margens do rio. Crescia as demandas de organização social, do comércio e subsistência, primeiro chamou-se “Mocambinho”, depois “Mocambo”, Ponte Nova e por fim Urbano Santos em 10 de junho de 1929. Naquela época o rio não tinha nome, daí recebera esse por ter amocambado nossos irmãos “Balaios”, mocambo é uma palavra de origem africana e significa “esconderijo” – “refúgio”. Ás “águas negras cheias de encantos”, correm banhando as comunidades que presenciaram combates; as águas que irrigam plantações frutíferas que chegam ás nossas mesas, águas que dão de beber a roças... As mesmas águas que também mata a sede de muitos da cidade. Este é o rio que inspirou o autor do hino municipal, nos trechos e linhas inscritas por José Antonio de Magalhães Monteiro: “Rio Mocambo de lutas gloriosas/ Em que heróis desejaram a liberdade [...] / Tuas façanhas são vividas 
no ideal da mocidade”.” Em tempos de outrora foi um grande rio por onde navegavam muitas embarcações transportando gêneros de nossa agricultura: (farinha, arroz, milho, tapioca, rapadura, tiquira e cachaça de cana), saindo da sede da cidade, caindo no Rio Preto ou “Rio dos Pretos”, caindo no Munim, seguindo para Cachoeira Grande e chegando à capital São Luís.

O Viajante banhava nas águas do Mocambo, observara os capítulos da história narrada oralmente pelos mais velhos. Aprendera com humildade. As memórias da guerra ainda estão vivas, resta muitas coisas boas, utensílios, barragens, cemitérios antigos, paredões, canhões... Resta o livro do pensamento que vai sendo construído ao longo dos tempos. O Viajante viajava na história deixando suas trilhas e pegadas na areia deste chão de lutas e nas águas que descem para algum lugar importante deste “Território livre”.

 

José Antonio Basto

E-mail: bastosandero65@gmail.com

 

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

VELHA NEGRA CONSCIÊNCIA

Ela estar madura e bem distante de todos

Lá está! Longe... bem longe da visão...

Lá está ela... forte e destemida! Resumida

Lá está minha "Consciência no coração".


Lá está ela viva e sem aceitos de guerreiros!

Minha mente africanizada com memórias!

Exceto! Os que nunca, nunca fizeram nada,

"Nada vezes nada, portanto é nada na história".


E lá vem a "Negra Consciência", a "Velha Negra"

As guerras e destinos sufocados na existência

Lá vem o tambor, o agogô... a cabeça e o berimbau

Lá estão meus versos de saudades e vivências.


Lá está o farol solitário e quase sem moral!

Por não acreditar na carabina... no braço e na guerrilha

Foste o sangue derradeiro, o mártir do sofrer!

Foste a glória, a história... a terra que brilha.


E ainda a rama, um sonho, a sorte

E ainda as gramas, a vastidão, o papel e o poema

Foste tu! A letra! Os negros... a senzala

A grande casa! Das vozes, o eterno tema.


E de grandes e pequenos... chão vermelho!

De tão poucos versos sem tal e regras!

Era a voz de trezentos e mil anos...

Que ecoam na minha "Consciência Negra".

José Antonio Basto e Mundinha Araújo


José Antonio Basto

• "Em dedicação ao "Dia Nacional da Consciência Negra. 20 de novembro - 2020". Uma especial saudação aos 325 anos de "Zumbi dos Palmares". Viva Zumbi!!

José Antonio Basto.

 


quarta-feira, 21 de outubro de 2020

O Viajante caminheiro do sertão


O Viajante caminheiro do sertão seguia pelas chapadas adentro. Sua moto companheira já quase debilitada, roncava pela manhã cedo rumo a um vilarejo distante nas imediações da cabeceira do “rio dos pretos”. Ouvia-se apuradamente tiros de espingardas e latidos de cachorros, gritos de caçadores por aquelas bandas, por aqueles grotões e boqueirões profundos. As chapadas falavam e clamavam junto a Deus contra o fogo que destruía a relva. Algum canto de pássaro cativava a audição do Viajante -, seria uma nambu, um juriti, um sabiá ou gaturamo? Corria pelo sertão, uma lagoa aqui, as barreiras estreitas ali. Sinais de flores de bacuri e pequi – sinais de flores e belas florestas; uma boa safra assim que a chuva cair! O capim orvalhado dava lugar ao sol, a manhã desaparecia; o sol subia para o meio dia. Distante dali ficava ao sul uma cidade, ele se dirigia ao norte. Os moradores das comunidades tradicionais sempre vão à cidade, quando precisam dela, quase sempre fazer a feira. Precisam, ou quase sempre... nem tanto assim. Eles tiram da terra, das águas e das florestas tudo que precisam. São merecedores... enfrentam o dia-a-dia atravessando avalanches e barreiras que o destino lhes apresentam. São heróis e guerreiros de combate.  Era tarde, o sol já tinha virado, quase nada o caminheiro tinha botado no estômago que continuava vazio. Algumas frutas se apresentavam nos caminhos, frutos do cerrado. Botava-os no bornal a tiracolo. Debaixo de um pé de faveira o Viajante parou para um lanche natural de frutos da terra, um riacho corria próximo dali fazendo um barulho nas pedras, precisava beber água. A cigarra anunciara suas pancadas de três e meia da tarde, já  era hora de atravessar as matas.

Ligava sua moto e corria sobre as veredas dos barros vermelhos, meio que sem destino, andarilho... descera numa vila camponesa. Era bonito o lugar, na chegada muitas roças, animais pastando no campo e no vale... pescadores, caçadores, agricultores e extrativistas. As mulheres com seus filhos de lado, batuques de pilão e o milho quebrado. Ele conhecia um velho amigo naquele povoado, certo tempo lutaram juntos pela terra, isso há muito tempo atrás. Era chegada a hora de mais uma vez conversarem sobre as situações agrárias daquela região agreste. Já era noite, a lamparina acesa encadeava os olhos. Os donos da casa, hospitaleiros e modestos convidavam o Viajante para jantar: “um tatú cozido ao leite de coco”, eles caçam animais silvestres como fonte de alimentação, para subsistência, sem agredir o meio ambiente, caçam equilibradamente por tradição e não para venda -, que até então quando se caça para vender e obter lucros no abatimento dos animais pode se considerar caça predatória.

Tatu ao leite de coco é coisa boa... fruto do chão. Sentaram numa esteira feita de palha de babaçu na simples cozinha e começaram a refeição. Um papo fluía entre a união, papo sobre roças, caçadas e pescarias, enquanto isso a panela ficava vazia. O corujão pregava uma longa noite de frio com seu gorjear melodioso e tristonho. No sertão se dorme cedo, logo após a janta. A caneca no banco de pote cantara num eco sem igual, raspando a água no fundo do barro. Depois disso o Viajante deitara numa rede, estava bem cansado e adormeceu em sonhos naquele lugar distante da civilização. Seus sonhos eram de um outro mundo possível! Aquele dia fora produtivo... esperava o sol raiar no dia seguinte para seguir adiante. Romantismo? Não. Simplicidade de leitura do livro da realidade.

José Antonio Basto

 

Outubro - 2020. 

sábado, 19 de setembro de 2020

GALINHA CAIPIRA NO ALMOÇO


Como os ancestrais faziam
Em velhos tempos de outrora
A galinha caipira...
Que ficara na historia.

De culturas e sabores
Com temperos de cercado
Matando a fome do povo
Através de um bocado.

Criada na capoeira...
Biliscando as sementes
De milho, arroz e feijão 
Que mata a fome da gente.

A galinha capira...
Na panela do fogão
No braseiro cozinhando
Sobre o calor do carvão.

Agora vai para os pratos
Costela, asa e pescoço...
Nascida deste poema
Na cantiga de um almoço.

José Antonio Basto

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

PASSAGEM DO VIAJANTE PELA SEDE DA CIDADE DE URBANO SANTOS PARA UM DEDO DE PROSA COM OS AMIGOS

O Viajante acordara de um longo e cansativo sono existencial. Ele vinha das bandas das terras dos campos arenosos de Humberto de Campos, por aquelas estradas cheias de lagoas. Saia de Santo Amaro e Primeira Cruz - pela zona rural, lembrando os antigos caixeiros nordestinos dos tempos passados. Praticara o caminho pela "Lagoa do Casso", por ser um final de semana, tinha uma grande aglomeração de banhistas naquele importante ponto turístico. Caminhava com seu "alforje de caçador" -, um surrão de pano com livros e outros papéis - documentos bem antigos; tinha também alimentos para as horas difíceis; parava de povoado em povoado para pedir um copo de água e as vezes um punhado de farinha, nada foi lhe negado pelos camponeses que ouviram falar de suas aventuras. Por causa da "Pandemia", seguiu caminho afora pela Comunidade Vertente de Baixo. Chegara na sede da cidade e procurava o Mercado Central de Urbano Santos, mais conhecido como Centro de Abastecimento de Alimentos. Ele conversava com amigos companheiros - estes, porventura moradores da Vertente, antes passara em "Mocambinho dos Balaios" e Vertente de Cima -, sendo estas, duas áreas de terra com o mesmo nome e reconhecimento. O Estado ainda deve demarcar estas terras, assim favorecendo os moradores com seus títulos de posseiros e arrecadações sumárias. Uma família tradicional de posseiros mantiveram o direito de propriedade com o documento do Título Comunitário, reconhecido pelo ITERMA e órgãos fundiários de outrora. Vertente de Baixo e Vertente de Cima São dois povoados em um só, de uma mesma família de posseiros tradicionais. A faixa de terra pega uma grande área de chapadas, carrascos e matas por onde desce o Rio Mucambo com seus riachos e afluentes. Vertente possivelmente fora um quilombo no passado, pelos vestígios e modos de vida dos moradores. A conversa fluía num boteco que fica em um dos bosques dentro do mercado, cujo dono do ambiente era um velho morador de Vertente de Cima. Ele disse que constantemente assina "Declaração de Proprietário" - para o reconhecimento do exercício de atividade rural daquela gente que as vezes precisam para requerimentos de benefícios previdenciários. Um momento a parte, modesto... quando se trata de benefícios da Previdência Social, principalmente neste momento conturbado da história do país e da perdas de direitos. O Viajante passeava pelas bancas do mercado por gostar de feira e do cheiro de peixe seco; conversava com cada um dos feirantes, mototaxistas, peixeiros e outros trabalhadores. Percebera de tudo, o que estava sendo comercializado ali, produtos da terra e regionais: mel de abelha, tiquira, cachaça, coco babaçu e da praia, camarão, farinha seca e de puba, grolado, azeite, macaxeira, juçara, galinha caipira, leitões, carne de bode e até uma banca de "livretos de cordel". A movimentação na feira de Urbano Santos é grande, em especial aos "dias de quinta", o povo acostumou fazer suas compras especificamente neste dia. A cada momento o Viajante falava com um conhecido, pegava na mão de um amigo, tocava no ombro de outro - cumprimentava-os com respeito e grande dedicação e, quase sempre as mesmas perguntas eram lhes dirigidas: "Por onde andara todo esse tempo, pelas matas e povoados?" Um peregrino aventureiro, desbravador do sertão e de lugarejos, fazedor de amizade com todo mundo. O Viajante demorou na cidade, quase o dia todo e ao se aproximar a noite partira na sua missão rumo às fronteiras do "Rio dos Pretos". De fato cumprira ali, por mera conscidencia do destino mais uma vez seu simples ofício e papel de repórter que tende registrar com palavras escritas as coisas simples da vida, sempre com humildade e respeito. 


José Antonio Basto
julho - 2020

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Batuque do pilão em Santa Rosa

Quando se anda pelas chapadas se ouve muitos sons: pássaros, cigarras, insetos, cantos de galos, gritos de caçadores, latidos de cachorros acuados e tiros de espingarda. O Viajante solitário adentrava as chapadas e cerrados ao nível do Rio dos Pretos, com o intuito de visitar alguns velhos amigos que por ali deixara. As chuvas densas tem castigado os caminhos daqueles vilarejos, esbarrocando e deixando marcas. Sem muito compromisso, a viagem a cada momento se tornava interessante, primeiro pelo fato da ideia de ter um dedo de prosa com os amigos camponeses sobre a questão da terra – polêmica terra; depois para matar a saudade de andar por as matas sentindo o cheiro do chão e da natureza em busca de novas aventuras. A motocicleta atolava a cada obstáculo de lama, para complicar a situação levantava para o nascente as nuvens carregadas que prometiam um grande temporal desses de fevereiro. As chuvas dessa época não respeitam e nem aguardam por ninguém, ela desaba do céu sem muita piedade e quem estiver debaixo que se cuide. Então a santa água caiu com gosto e com força. O Viajante se encostara a um pé de bacuri para se proteger daquele temporal repleto de relâmpagos e trovoadas. Já era tardinha, por volta das cinco horas ou mais. A chuva foi passando e o tempo como se diz, limpando. Pensava-se de voltar, mas não desistira da viagem, ligava a moto e acelerou; uma zuada! A nambu de pé "encarnado" cantava à beira do caminho; os gritos de camponeses chamando uns aos outros ecoavam, desciam de suas roças e seguiam para suas casas. As estradas dos vilarejos do Baixo Parnaíba se modificam pela ação do agronegócio. Por isso para quem as não conhecem fica muito fácil se perder pelos caminhos aplainados da Suzano. Uma ladeira de pedra dava acesso ao "Riacho Santa Rosa" que mais em seguida descia no pequeno povoado. O Viajante se aproximava devagar por uma ladeira de pedra, pois em áreas de conflitos se deve ter cuidado quando se chega. O pilão roncava com suas batidas fortes tirando a palha do arroz, batida de pilão é coisa antiga – e bota antiga nisso. Dona Maria e Zé Souza - donos da casa, davam as boas vindas ao amigo de lutas e convidava-o para jantar um capote ao leite de coco, que coisa boa e, ainda mais com o arroz natural da roça sucado no momento. Como recusar um convite desses. O Viajante ficava por ali mesmo, antes de seguir para as outras bandas da Comunidade Porção subindo as cabeceiras do Rio dos Pretos rumo ao "Quilombo de Lagoa Amarela", quartel general do Negro Cosme do tempo da Balaiada.

José Antonio Basto

quarta-feira, 8 de julho de 2020

A panela preta

Na hora da foto ela ficara com vergonha de sua famosa "panela preta" ser vista por outras pessoas, além da gente que é acostumada em sua casa. E ainda mais, quando se trata de postagens na internet que mais tarde pode virar domínio público. Explicava então que tomaria todos os cuidados necessários caso permitisse a publicação do texto e da imagem da panela, pois muita gente gosta de ler e apreciar as tradições e coisas da roça. Mas ela não sabia da importância de se possuir uma [panela preta] daquelas que tem seus mais de meio século de existência, pertencera sua avó, depois seus pais, ultrapassara as barreiras do tempo até a terceira geração. Panela de ferro no fogo de lenha, o tempo lhe deixara preta pelo excesso de fumaça das "trempes de pedras" - (três grandes pedras que servem de fogão). Pensara-se numa prosa, quando o Viajante voltasse de seu ofício. Há dias não caminhara por aquelas bandas. Resolveu então mudar o trajeto da viagem, saíra do leste e fora para o oeste. Regiões diferentes pelo clima e pelas vistas, matas e florestas... lagoas e alagadiços... opostos, com situações socioambientais incomuns. O objetivo da escrita não era aquele, os desafios fazem parte da vida humana desde a criação do homem; mas as vezes é preciso falar de novas esperanças para um mundo novo - mesmo que esse pensamento seja utópico ou venha cair num romantismo. A prosa se ensaia em direção às vivências dos povos tradicionais, sua cultura e tradições que alimentam a vida, seus problemas agrários, as belezas naturais numa dose de poetização sociocultural e socioambiental. O Viajante abancara ali naquela moradia, seus anfitriões o convidara para degustar um prato de "quibebe de abobora", feito na velha panela de ferro. [Quibebe é um prato de origem africana, típico da culinária brasileira preparado principalmente nos quilombos rurais e comunidades tradicionais da Região Nordeste. É um purê de abóbora que acompanha, geralmente, carne, frango, camarão ou peixe. A palavra "quibebe" é um termo originário da língua (“quimbundo kibêbe” -, que significa angu ou massa de tubérculos, mandioca, abóbora, batata...etc...). Esta língua ainda é falada em algumas regiões da África Oriental. Chegou ao Brasil com os negros que foram escravizados. Um dedo de prosa! Enquanto os pratos esfriavam na mesa. Falava-se nas roças de verão, na produção e preços da farinha de puba que teve suas elevações pelos fenômenos anteriores. A hora era chegada, ouvia-se o chamado, a carne e o peixe seco estavam na brasa... chiando... acompanhariam o quibebe, o cheiro era bom. Cedo da manhã, uma dose de energia certa após uma "pratada"- de mingau de abóbora com leite de coco babaçu e carne assada. Lembrava-se dos tempos antigos quando tudo era diferente nas comunidades rurais do interior; quando os mais velhos se alimentavam bem com produtos naturais e orgânicos; viviam longo tempo porque sabiam disso. Alguns modos de vida foram caindo no esquecimento ao longo das décadas, infelizmente, uma perda para a cultura. Deve-se manter o que ainda restou. E a panela preta? Uma foto apenas com o purê de abóbora que estava ao fundo. Ela não sabia da repercussão e valorização dos que visualizaram a imagem da panela e do quibebe! A famosa panela que também torra café de coco, esquenta a água para pelar leitão, cozinha peixe ao leite de coco e arroz na palha de banana. Incrível suas utilidades... orgulho de sua dona. Após a merenda extraordinária o Viajante seguira rumo aos campos arenosos em busca de novas aventuras e conteúdos para seus pedaços de prosa. Ele voltaria para mostrar aquela Senhora a curta, simples e modesta matéria, fruto do seu talento e manutenção dos modos de vida dos povos que moram, trabalham e vivem nas comunidades tradicionais.

José Antonio Basto


terça-feira, 30 de junho de 2020

A trilha

("Basto - Pov. Bebedouro")

Viajaria pelas velhas trilhas e veredas dos antigos e valentes guerreiros insurretos, por estreitos caminhos, subindo serra e descendo ladeira – o vilarejo se chamava “Bebedouro” – à margem esquerda do Rio dos Pretos, município de Urbano Santos. O Baixo Parnaíba é um território diferenciado que liga de norte a sul a chapada (cerrado) ao Oceano Atlântico – de leste a oeste o Rio Parnaíba ao Portal dos Lençóis maranhense. O Viajante trilhava pelas comunidades tradicionais daquela bela região –, aventurando-se, dirigindo, cavalgando, pilotando e até a pé. O tempo estava seco – o sol escaldante, muito fogo nas chapadas; a chuva suspendera o ciclo. As chapadas estão verdes e os bacurizeiros floridos – sinal de uma boa safra mais na frente. Acampava-se ali o “Viajante do Leste” naquela província, sobre as margens do Rio Preto e/ou “Rio dos Pretos”, assim melhor chamado. Em algum lugar exatamente na fronteira de Urbano Santos com Chapadinha. Terra onde seus irmãos Balaios possivelmente passaram em suas empreitadas contra as tropas legalistas do governo imperial; próximo aos quilombos de Bom Sucesso dos Pretos (Mata Roma) e Lagoa Amarela (Chapadinha). Décadas se passaram, séculos... O registro ficara e a prosa também. A história testemunhara a geografia, relações sociais e modos de vida deste povo, enxergados de longe a cada momento em que se passa por dentro ou perto de suas palhoças. Seguia caminho o Viajante rumo a um destino reservado de acontecimentos, experiências de ensino-aprendizagem... Composição... Leitura... Vivências.

José Antonio Basto

domingo, 24 de maio de 2020

AS DORES DO MUNDO!

Basto - [ autor ]
Canta-se cantando a amarga melodia
Tristes lágrimas de sangue ainda caem
Dos guetos e comunidades a cada dia
Os filhos da terra choram e se distraem.

Tristes histórias rodeiam tantas vidas
Sonhos destruídos na agrura ao fio dor
Rancores do vento no sopro da partida
Uma voz suplica o destino e o valor!

Uma criança desnutrida, abandonada, implora!
Com fome, sem pai, sem mãe... sem lar!
_ Na sombra de um sobrado solitária se apavora!
E de sede e angústia no seu quarto vai chorar.

Os filhos nascem de um único ventre nobre
Se separam e se unem ao mesmo tempo
Em ouro, prata, diamante e cobre,
Entre a sorte e a fado no próspero firmamento.

Avalanche passa na música com otimismo
Em meio às grandes chuvas e violentas tempestades
Como a água se consagra no poder do batismo
Ó Senhor Deus! Tenha pena da humanidade.

José Antonio Basto
Maio - 2020.
° "Esperança de novos tempos".

sexta-feira, 15 de maio de 2020

A barreira que não deixara seguir até Bacabal

A caminho - [Basto]

Na reunirão  - [Basto]

Cortava-se a Chapada do Meio. O jornalista Mayron Régis, que mais se parece um sertanista marcara aquela viagem e uma possível pequena e não demorada reunião. Era tempo de inúmeras chuvas na região, inverno pesado e bom criador dos frutos da roça. Os caminhos nessa época costumam a se modificar. Estava tudo certo pra reunião em Bacabal e Santa Rosa; os dois povoados se resumem em um só. Os moradores de Santa Rosa enfrentam um conflito com os garretos há tempos. José Antonio, escritor, em nome do Sindicato dos Trabalhadores Rurais fez a intermediação entre o fórum Carajás e a Associação de Moradores -, estava convicto da conversa e troca de informações entre ambos. Mas não saíra como planejara. A estrada cheia de lama não deixou o carro passar, era um carro pequeno. Ainda se tentou por outros lados via chapadas e arrodeios, mas nada, a lama vermelha imperava no caminho, uma ladeira lisa que o carro podia até descer na ida mas teria dificuldades de subir na volta. Basto ficara penando na dívida com esta reunião, decidira então seguir viagem no dia seguinte. Um sábado de Aleluia. Seguiu! Dia esse um tão pouco complicado para reuniões, mas Bacabal e Santa Rosa merecem créditos. Santa Rosa recebeu um mandato de despejo por parte do Fórum da Comarca de Urbano Santos. O Zé Souza, agricultor, modista do chapéu de palha mora em Santa Rosa e por coincidência já sofrera dois despejos em Prata do Hilton onde morava ele e sua família de mais de dez filhos. O Zé estar com medo e, com razão. Os moradores de Santa Rosa e Bacabal vivem da produção do campo, são lavradores criadores de pequenos animais, caçadores e coletores; lembram muito os moradores de outro povoado -, o São Raimundo. Existe um rio por nome "Rio dos Pretos", objeto de disputa entre o cara de São Paulo que se diz dono da terra e quer doar apenas 200 hectares pra mais de 30 famílias e os camponeses que moram, trabalham e pescam lá há décadas para assim garantir o sustento de suas familias. A terra toda em Bacabal mede 623 hectares, que antes, muito antes, com certeza, era terra devoluta e sem dono. 

José Antonio Basto.



quarta-feira, 6 de maio de 2020

DIAS DIFÍCEIS: ESPERANÇAS DE NOVOS TEMPOS!


Vamos de sorrisos e não tristeza!
Dias difíceis descer a correnteza
Insistir na força e na certeza
De bons sonhos vir ao vento_
Neste brilho do olhar a cada dia_
Otimistas lutando com energias
Resistência magnífica em magia
Acreditando em novos tempos.


Foi uma época em que tudo era verdade
Sem sofrer nos mistérios da maldade
Vivia-se com felicidade...
Pois não se tinha bola de cristal!
Mas o mundo virou-se em agonia
Atingido por tantas epidemias
Levando muitos à laje fria!
Num golpe único e fatal.


Senhor Deus! Misericórdia deste mundo!
No piscar do olhar de um segundo
_ Com o poder maior e mais profundo
Sobre a ótica divina lá dos céus!
Tenha pena dos mais necessitados!
Os humildes desprovidos de cuidados
Ajude nesse tão pesado fardo...
Imploramos a ti! Oh SENHOR DEUS.

José Antonio Basto
Maio-2020.

domingo, 19 de abril de 2020

POETIZANDO: "Mucambo": A coragem dos Balaios!

Rio Mucambo
Cortaram matas fechadas, florestas e chapadas...
Com carabinas, bacarmartes e mosquetoes
Eram vaqueiros, camponeses dos sertões...
Que de "Manga do Iguara" saíram em disparada!

O Rio de negras águas os esperavam...
Com ansiedade... trincheiras e batalhas!
Sob as armas! Pólvoras e navalhas!
Para a aristocracia agraria jamais se ajoelhavam
.
E a chama da liberdade fluía no destino
Em cantos e recantos nas brenhas e barrocas!
Era a espingarda a espoleta que atira e desemboca
Na história dos heróis desde menino.

Em suas veias e ondas o sol ardente...
Foram-se transformadas em QUILOMBOS
É o mesmo que aldeia - Mucambo!
De vultos que habitaram e ainda são valentes!

Um rio que corre nas barreiras sobre o vento!
O "Rio Mucambo" de memórias e esperanças...
É um Rio que canta os sonhos de crianca!
O mesmo Rio que ultrapassara as paginas da historia e do tempo.

José Antonio Basto.
2020.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

BATUQUE DO PILÃO

Quando se anda pelas chapadas se ouve muitos sons: pássaros, cigarras, insetos, cantos de galos, gritos de caçadores, latidos de cães e tiros de espingarda. O Viajante solitário adentrava as chapadas e cerrados ao nível do Rio dos Pretos, com o intuito de visitar alguns velhos amigos que por ali deixara. As chuvas densas tem cartigado os caminhos daqueles vilarejos, esbarrocando e deixando marcas. Sem muito compromisso, a viagem a cada momento se tornava interessante, primeiro pelo fato da ideia de ter um dedo de prosa com os amigos camponeses sobre a questão da terra – polemica terra; depois para matar a saudade de andar por as matas sentindo o cheiro do chão e da natureza em busca de novas aventuras. A motocicleta atolava a cada obstáculo de lama, para complicar a situação levantava para o nascente as nuvens carregadas que prometiam um grande temporal desses de fevereiro. As chuvas dessa época não respeitam e nem aguardam por ninguém, ela desaba do céu sem muita piedade e quem estiver debaixo que se cuide. Então a santa água caiu com gosto e com força. O Viajante se encostara a um pé de bacuri para se proteger daquele temporal repleto de relâmpagos e trovoadas. Já era tardinha, por volta das cinco horas ou mais. A chuva foi passando e o tempo alimpando. Pensava-se de voltar, mas não desistira da viagem, ligou a moto e acelerou! A nambu de pé vermelho cantava à beira do caminho; os gritos de camponeses chamando uns aos outros ecoavam, desciam de suas roças e seguiam para suas casas. As estradas dos vilarejos do Baixo Parnaíba se modificam pela ação do agronegócio. Por isso para quem as não conhecem a fundo, fica muito fácil se perder pelos caminhos aplainados da Suzano. Uma ladeira de pedra dava acesso ao riacho Santa Rosa que mais em seguida descia no pequeno povoado. O Viajante se aproximava devagar, pois em áreas de conflitos se deve ter cuidado quando chega. O pilão roncava com suas batidas fortes tirando a palha do arroz, batida de pilão é coisa antiga – e bota antiga nisso. Dona Maria e Zé Souza os donos da casa davam as boas vindas ao amigo de lutas e convidava-o para jantar um capote ao leite de coco, que coisa boa e, ainda mais com o arroz natural da roça sucado no momento. Como recusar um convite desses. O Viajante ficava por ali mesmo, antes de seguir para as outras bandas da Comunidade Porção subindo as cabeceiras do Rio dos Pretos rumo ao Quilombo de Lagoa Amarela, Quartel General do Negro Cosme do tempo da Balaiada.


José Antonio Basto

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Algum tempo na terra


Poucos sabem da terra em que moram, alguns nem pouco, nem muito, demoram para entender. Pra que vender uma terra que tanto deu trabalho para conseguir? Se é que ela teve dono algum dia. Todos devem ou deveriam saber ao menos do seu real valor como mãe alimentadora de todos os filhos. Eles lutariam juntos, ajudou-se quando necessário e da maneira que se pôde ajudar, porque sabia-se da situação em que se encontrava o conflito. A ganância pelo dinheiro mudara o destino do vilarejo, tivemos que voltar lá para mais uma vez orientá-los a não vender suas terras, ou parte delas – pois com o passar dos dias perderiam tudo, não apenas eles, mas as outras chapadas e comunidades vizinhas. O capitalismo às vezes acaba mudando o pensamento e a ideia do homem. Esquecem dos dias de labutas e batalhas; abusa de um sistema, cerca suas vítimas sem que elas percebam. Pra que enriquecer? O homem simples do campo tem tudo que precisa quando tirando da terra que tudo dá... água, peixe, alimentos, frutos da mata e da lavoura. Precisam viver bem e a terra é sua grande mãe. Algum tempo passaria naquela terra e por que não passar! Se a terra donde moram há décadas, séculos fora sempre seu espaço de luta e vida. Ela daria muito trabalho para conquistá-la judicialmente – um conflito fora travado contra os que diziam serem donos. Os camponeses desistiram a ferro e fogo, com unhas e dentes alcançaram a vitória, graças a resistência e a coletividade. Portanto não há motivos para vendê-la.
                    
José Antonio Basto