segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Os estreitos caminhos nas chapadas do Bebedouro -, Urbano Santos, Baixo Parnaíba Maranhense.

Chapada do Bebedouro

A reunião estava marcada para eleição e posse da nova diretoria da associação daquela comunidade tradicional. Quando saímos debaixo daquele sol escaldante em cima das duas horas da tarde já sabíamos que seria uma aventura, no entanto, atravessando valas e buracos pelas comunidades Santa Maria, Raiz, Surrão, Pedra Grande e Cajazeiras. A Desanildes – Secretária de Jovens do STTR animava a todos com suas sarcásticas gargalhas; Noemia – Presidente do STTR nem ouvia a bagunça no carro, pois a mesma estava na cabine; Izaias - Secretário Agrário contava suas presepadas desde 2009 quando ouve as primeiras visitas para orientações do processo que foi dado entrada no INCRA e a Dona Sônia que gosta muito de cantar nas cartilhas de cânticos das comunidades, esta ficava somente em seu canto com sua roupa elegante que parecia mais uma advogada.

 
Plantio de eucalipto
Pois bem, depois de mais de uma hora de viagem conduzida por um motorista de carteira de habilitação do Piauí fomos até a comunidade Cajazeiras, partindo pelas trilhas do Povoado Todos os Santos – por fim avistávamos as primeiras chapadas do Bebedouro. Infelizmente percebia-se ali com clareza as grandes plantações de eucaliptos da Suzano – monocultivos esses que assim como em todo Baixo Parnaíba por onde ele se alastra só deixa mesmo um legado de destruição da biodiversidade; o eucalipto são monstros verdes criados em laboratórios, geram riquezas apenas para as empresas que operam o seu trabalho de plantio, corte e distribuição.
Pátio da capela da comunidade
As clareiras das chapadas do Bebedouro que vivem na resistência são diferenciadas de muitas outras chapadas; avermelhadas com suas árvores baixas e cheias de animais silvestres dos capins às copas; os bacurizeiros já florados enfeitavam os capões de matos e carrascos. Quando avistamos as casas da comunidade, as dezenas de crianças vieram nos receber com seus majestosos sorrisos. Uma quantia da população aguardava na capela a nossa chegada e também o levantamento do mastro (inicio do festejo de São Raimundo – padroeiro do lugar). O Adonias Filho e Dona Raimundinha, lideranças que enfrentaram as primeiras batalhas pela terra veio nos receber com bastante humildade. De longe se ouvia os estrondos dos foguetes da negada que costuravam as veredas carregando o mastro do festejo -, chegaram em frente a igreja e os cânticos ao som do pandeiro ritmavam em estilo ritualístico aquele momento sagrado; a companheirada do Sindicato ajudavam nos versos de “Nêgo Nagô” e outros bastantes conhecidos e que relembraram os antigos encontros de comunidades pela nossa região. Chegava a hora do ato para eleição e posse da nova diretoria, o Adonias Filho que era o atual presidente da entidade queria passar seu cargo e aproveitou para uma analise das lutas travadas que enfrentara ao lado de sua mãe guerreira para que hoje os moradores tivessem um assentamento do INCRA de 1.356 hectares de terra, uma área suficiente para o desenvolvimento da agricultura e outras atividades com relação ao seu total de famílias. Falavam das dificuldades políticas e administrativas, os aperreios, críticas e outros assuntos de interesse dos associados. Dona Raimundinha do Bebedouro também aproveitou o momento para seu desabafo: “só sabe as dificuldades enfrentadas numa luta pela terra em defesa da Reforma Agrária quem realmente se empenha largando tudo por essa causa coletiva”, disse ela emocionada em suas palavras. O Izaias conscientizou os ouvintes falando do papel do STTR naquela questão e sua experiência como diretor e presidente da Associação da Comunidade Baixa Grande. Escrevi-me pra falar como militante e jornalista desses fatos com intuito de frisar alguns pontos como a respeito de um diagnóstico da região; levantamento histórico do povoado, o impacto ambiental, práticas extrativistas e manejos tradicionais agroecológicos, associativismo e direitos humanos... infelizmente o tempo foi pouco e a programação não saiu como eu estava pensando; mas no geral foi bom. Com sucesso foi eleita uma nova direção com o dever de conduzir a associação e enfrentar os desafios de um assentamento recém-titulado. Voltamos para casa pelos “estreitos caminhos” com a alegria e sensação de dever cumprido de mais uma tarefa a respeito da organização dos camponeses em suas lutas pela terra no Território Livre do Baixo Parnaíba Maranhense.

 
José Antonio Basto
Urbano Santos-MA, 21 de Agosto de 2015
Militante dos Direitos Humanos
(98) 98607-6807
 


segunda-feira, 17 de agosto de 2015

A MARCHA E A TERRA GERAM FRUTOS


Explanada dos Ministérios - DF
Foi mais uma jornada cumprida em Brasília este mês de agosto; a marcha dos trabalhadores e trabalhadoras rurais que clamavam em uma única voz pela REFORMA AGRÁRIA urgente em nosso país. Juntos, reivindicávamos por nossos direitos garantidos por lei, mais de 100 mil pessoas de várias organizações do campo, das águas e das florestas dos 26 estados e do Distrito Federal iniciaram a grande marcha saindo do Estádio Mané Garrincha e seguindo para o Congresso Nacional pela explanada dos ministérios. É do saber de todos que no Brasil ainda não foi feito uma Reforma Agrária como o movimento social pretende: massiva, com gente, assistência técnica e produção agroecológica respeitando o meio ambiente e, sobretudo a biodiversidade. Também sabemos que desde 500 anos atrás a terra no Brasil sempre foi objeto de disputas, onde quem sempre venceu foi o latifundiário, restando apenas a violência para as camadas mais pobres: índios, posseiros, quilombolas, extrativistas... em fim camponeses e camponesas que sonham com a concretização de seus direitos sociais.

 
Parada final no Congresso Nacional
Pois até hoje não existe uma política séria realmente de Reforma Agrária, no decorrer da história do Brasil foram feitas várias práticas que tentaram realizar uma reforma, essas ações distribuíram algumas terras improdutivas, que não são de interesse de uma classe ruralista muito forte, mas que engessa em grande parte essa distribuição de terras porque essa classe também tem representantes no Congresso Nacional. Como exemplo de países desenvolvidos que fizeram uma Reforma Agrária de sucesso, acreditamos na prática que não é só dar a terra e ali desenvolver um cultivo, a Reforma Agrária é cercada de uma série de fatores e não somente uma política de assentamentos fundiários. Uma outra questão dos nossos tempos é o problema do impacto ambiental e o avanço desenfreado do agronegócio que nunca respeitou os territórios das comunidades tradicionais; sendo estas as verdadeiras protetoras das florestas, babaçuais, cabeceiras de rios, chapadas e brejos. O assassinato de camponeses e lideranças ativistas no meio rural tem sido muito preocupante; estados como o nosso Maranhão, Mato Grosso e o Pará são constantes essas atividades de desacato aos direitos humanos e da vida: casas de trabalhadores são incendiadas, famílias inteiras despejadas sem nenhum amparo social. Um estudo sobre assassinatos no mundo, divulgado pelo Escritório da Nações Unidas, aponta que o Brasil registra 11,4% do total de mortes do planeta, segundo esse estudo da ONU , 437 mil pessoas foram mortas em 2012 no mundo; desses, 50.108 foram no Brasil. As maiores taxas de homicídios no planeta estão na América Latina e África, afirma a pesquisa. Nesse momento de crise econômica as coisas estão piorando ao invés de melhorar, a má distribuição de renda e as concentrações de terras e riquezas só favorecem os mais ricos, empresários, órgãos do capital e latifúndios. A cada momento explode no Congresso Nacional um esquema dos desvios do nosso dinheiro que pagamos com altos impostos – PECs e emendas parlamentares são aprovadas por alguns deputados que bate na cara dos trabalhadores que sustenta a economia como é o exemplo do fator previdenciário e terceirizações. Os homens e mulheres do campo e das cidades do nosso país fizeram sua parte nos dias 11 e 12 deste mês, lutamos por nossos direitos sonhando sempre com melhorias. Na capital do país lembramos naqueles dias a memória daqueles e daquelas que começaram essa batalha há muito tempo atrás, companheiros e companheiras que tombaram corajosamente e deram suas vidas por uma palavra chamada “LIBERDADE”. A pauta das reivindicações foi entregue à Presidenta da República na tarde do dia 12. Voltamos então para nossos estados com mais um dever cumprido, acreditando que a MARCHA E A TERRA GERAM FRUTOS.

José Antonio Basto
Urbano Santos-MA, 17 de Agosto de 2015
Militante dos Direitos Humanos
Email: bastosandero65@gmail.com
(98) 98607-6807


segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A saga do Bracinho entre a chapada e o brejal


Foi naquela data de 2011, onde os homens, mulheres, crianças e idosos juntos enfrentaram os tratores da Suzano em defesa do território que há muito tempo já vinham lutando para conseguir aquela área.  A reforma agrária tão sonhada em nosso país em seus pontos determinados, muitos daqueles que gritam vendo a passagem do tempo às vezes deixa até de acreditar em meio a tantas injustiças e desacato aos direitos humanos no campo. Falta de coragem não foi o caso do Irmão Francisco com seu grupo de guerreiros destemidos que estavam dispostos a brigar com a empresa que no inicio da questão até tentou enganar a associação com 400 hectares de terra. Mas algo de errado existia ali, a chapada era e continua sendo muito visada para as plantações de eucalipto e o brejo para a famosa captação de água ilegal nos caminhões-pipa. O pensamento coletivo da associação de requerer todas aquelas áreas não apenas as 400 hectares, mas muito mais para que assim as famílias pudessem trabalhar em paz num espaço suficiente produzindo seus sistemas agrícolas e coletando os frutos que a chapada oferece. Tanto tempo esperando desde os primeiros sentimentos do líder e patriarca da família o saudoso Gabriel Alves de Araújo que deixara seu legado de respeito e dedicação para seus filhos e netos. Não foi por acaso que a associação recebeu seu nome, diga-se de passagem, mas com certeza foi a homenagem mais merecida para tão importante pessoa. Naquele tempo o movimento social ainda estava com forças, as formações de trabalhadores rurais na diocese e nas próprias comunidades... seminários por todo Baixo Parnaíba abriram os olhos das lideranças em não desistir de lutar pelos seus sonhos. O Bracinho, assim como o São Raimundo, Lagoa das Caraíbas e Baixão da Coceira - estes povoados são exemplos na região de resistência contra o sistema agroexportador que sempre destruiu as chapadas, olhos d`água, nascentes lagoas, capões sagrados, bacurizais e florestas em geral. O modelo capitalista de expropriação das terras no Baixo Parnaíba nunca fez nada por estas comunidades tradicionais, além do legado de desrespeito ecológico e social. Em meio a tudo isso ainda há quem diga que o agronegócio assegura mais de 40% da economia no país, ele pode ter mesmo sua parcela de contribuição econômica, mas infelizmente não chega a suprir as necessidades dos homens e mulheres do campo, onde estes camponeses e camponesas das águas e das florestas conseguem através da agricultura familiar sustentar os mais de 65% do alimento que vai para nossas mesas. O povo do Bracinho vem fazendo parte dessa história de lutas: primeiro declararam guerra contra quem queria tomar suas terras, depois conseguiram o título de mais de três mil hectares, um assentamento que assim como tantos outros enfrentam agora outras batalhas burocráticas como é o caso do pagamento do título ao estado no valor de R$ 80.000 mil reais. A concretização da reforma agrária talvez seja a peleja mais árdua que os trabalhadores enfrentam, pelo fato do processo burocrático de atualização de dados nos órgãos competentes, uma vez que o estado nunca perde na jogada, pois já não basta os enfrentamentos, o tempo e derramamentos de sangue pela posse da terra - é neste caso que afirma-se em críticas que no Brasil ainda não foi feito uma reforma agrária massiva como rege o PADRSS – Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, existe apenas uma rudimentar política de assentamentos fundiários que não consegue atender as demandas – principalmente aqui no Maranhão, sendo o nosso estado um dos campeões em conflitos agrários e socioambientais. Se ver alegria na face da gente moradora do Bracinho que tanto se orgulha de terem lutado lado a lado e concretizado parte de sua vitória: o título (documento) que garante o direito de propriedade coletiva e social para o bem comum de todos e todas. Viva a luta da comunidade Bracinho no território livre do Baixo Parnaíba Maranhense!

José Antonio Basto
Militante dos Direitos Humanos