segunda-feira, 14 de maio de 2018

A viagem que virou prosa


"Geografia do Viajante" - créditos: domínio público

Fazia um bom tempo que o Viajante não andava por aquelas estradas aplainadas – e ainda mais de moto. Naquelas estradas de piçarra o bom inverno castigava o destino –, pois chuva é bom de mais. É dela mesmo que precisamos! Fenômeno da natureza extraordinário. Lembrava-se mais uma vez do filme - “Diário de motocicleta”, o drama biográfico sob direção de Walter Salles – mostra a viagem dos jovens acadêmicos aventureiros Che Guevara e Alberto Granados - que fizeram pela América Latina em 1952 – traçando os acontecimentos em seu livro de memórias; dois loucos talvez percorreram 10.000 quilômetros a bordo de uma antiga motocicleta inglesa; conheceriam ali os problemas de saúde e descaso de várias políticas nas comunidades rurais da América Latina, razão essa pela qual Che se tornaria o maior revolucionário do século XX, admirado até os dias de hoje em todo o mundo.
Mas o Viajante não era o Che, apesar de suas atitudes, a pouca feição e apoio junto aos movimentos sociais e também a modesta capacidade de narrar os fatos da luta diária dos camponeses numa região agrária. O destino lhe levaria a uma antiga fazenda do século XIX – donde por lá os Balaios tinham passado há 139 anos atrás. Aquela fazenda tinha sido construída por uma família influente de descendência portuguesa – a faixa – (gleba), de terra, fora uma doação do presidente da província naquela época – hoje um Assentamento do Incra. Foi destinada a um padre – que pusera nome de santo naquele povoado. Poucos sabem ou se sabe ao menos do processo dessas terras na região de chapadas. A “Sociologia do domínio e das sesmarias” fizera com que os brancos herdassem grandes quantidades de terras, toda uma estrutura fundiária – (terras soltas e /ou devolutas). Uma comarca bem distante conseguia comandar comunidades de outras regiões. A casa da fazenda relembrava os casarões tombados pelo patrimônio histórico - obra de arte – que demonstra a capacidade arquitetônica de outros tempos. Sairia cedo rumo ao destino planejado – com o intuito de se conversar a respeito de algumas questões referentes à situação da terra. A conversa que prenunciava o almoço partia e se desdobrava para outros lados. O Viajante gosta de história e de livros, então encontrou uma pessoa que fala a mesma língua - daí fluía assuntos e mais assuntos – um tão pouco demorados, desde tempos de insurreições perdidas na história. Chegava a hora do almoço – tudo tinha sido preparado com muito carinho e respeito para receber o Viajante – um cardápio variado de comidas típicas, doces e bolos, lembrara as mesas fartas das telenovelas de época; valendo lembrar: “carneiro ao leite de coco, leitoa assada, sarapatel, galinha caipira e o angú de escravos”, – iguaria essa um tão pouco conhecida. Provava-se de tudo que tinha na mesa -, valendo acentuar como especial o “carneiro com leite de coco e o sarapatel de carneiro”. Avistava-se ali muitos pássaros nas gaiolas – uns cantavam de alegres – outros de tristeza. Os paredões da velha casa pareciam fortalezas e muralhas – um retrato vivo da imortalidade da história, esta, portanto perdida sobre o tempo. Tudo acertado sobre a questão da terra – que beneficiaria quase 50 famílias assentadas da reforma agrária.
Os caminhos abriram-se com o sol que inclinava para o nascente – com certeza anunciando muita chuva na parte da tarde. Por isso acelerava-se a conversa. Problemas surgiam entre erros e acertos de ambos os lados, normalmente é comum entre partes que disputam áreas de terra. O Viajante demorava, pelo papo literário - histórico que fugia do assunto principal. A viagem virou uma prosa falada e escrita ajudando na construção do entendimento teórico do passado. Em tempos difíceis muitos lutaram, alguns tombaram... Poucos viram a luz da liberdade. Nascia ali um diário sobre a pena que narrara sutilmente e surrealmente, cabendo à interpretação de cada um.

José Antonio Basto