"Geografia do Viajante" - créditos: domínio público |
Fazia um bom tempo que o Viajante não andava
por aquelas estradas aplainadas – e ainda mais de moto. Naquelas estradas de
piçarra o bom inverno castigava o destino –, pois chuva é bom de mais. É dela
mesmo que precisamos! Fenômeno da natureza extraordinário. Lembrava-se mais uma
vez do filme - “Diário de motocicleta”, o drama
biográfico sob direção de Walter Salles – mostra a viagem dos jovens acadêmicos
aventureiros Che Guevara e Alberto Granados - que fizeram pela América Latina
em 1952 – traçando os acontecimentos em seu livro de memórias; dois loucos
talvez percorreram 10.000 quilômetros a bordo de uma antiga motocicleta inglesa;
conheceriam ali os problemas de saúde e descaso de várias políticas nas comunidades
rurais da América Latina, razão essa pela qual Che se tornaria o maior revolucionário
do século XX, admirado até os dias de hoje em todo o mundo.
Mas o Viajante não era o Che, apesar de suas atitudes, a pouca feição e
apoio junto aos movimentos sociais e também a modesta capacidade de narrar os
fatos da luta diária dos camponeses numa região agrária. O destino lhe levaria a
uma antiga fazenda do século XIX – donde por lá os Balaios tinham passado há
139 anos atrás. Aquela fazenda tinha sido construída por uma família influente
de descendência portuguesa – a faixa – (gleba), de terra, fora uma doação do
presidente da província naquela época – hoje um Assentamento do Incra. Foi
destinada a um padre – que pusera nome de santo naquele povoado. Poucos sabem
ou se sabe ao menos do processo dessas terras na região de chapadas. A “Sociologia
do domínio e das sesmarias” fizera com que os brancos herdassem grandes
quantidades de terras, toda uma estrutura fundiária – (terras soltas e /ou
devolutas). Uma comarca bem distante conseguia comandar comunidades de outras
regiões. A casa da fazenda relembrava os casarões tombados pelo patrimônio
histórico - obra de arte – que demonstra a capacidade arquitetônica de outros
tempos. Sairia cedo rumo ao destino planejado – com o intuito de se conversar a
respeito de algumas questões referentes à situação da terra. A conversa que
prenunciava o almoço partia e se desdobrava para outros lados. O Viajante gosta
de história e de livros, então encontrou uma pessoa que fala a mesma língua -
daí fluía assuntos e mais assuntos – um tão pouco demorados, desde tempos de
insurreições perdidas na história. Chegava a hora do almoço – tudo tinha sido
preparado com muito carinho e respeito para receber o Viajante – um cardápio
variado de comidas típicas, doces e bolos, lembrara as mesas fartas das
telenovelas de época; valendo lembrar: “carneiro ao leite de coco, leitoa
assada, sarapatel, galinha caipira e o angú de escravos”, – iguaria essa um tão
pouco conhecida. Provava-se de tudo que tinha na mesa -, valendo acentuar como
especial o “carneiro com leite de coco e o sarapatel de carneiro”. Avistava-se
ali muitos pássaros nas gaiolas – uns cantavam de alegres – outros de tristeza.
Os paredões da velha casa pareciam fortalezas e muralhas – um retrato vivo da
imortalidade da história, esta, portanto perdida sobre o tempo. Tudo acertado
sobre a questão da terra – que beneficiaria quase 50 famílias assentadas da
reforma agrária.
Os caminhos abriram-se com o sol que inclinava para o nascente – com
certeza anunciando muita chuva na parte da tarde. Por isso acelerava-se a
conversa. Problemas surgiam entre erros e acertos de ambos os lados,
normalmente é comum entre partes que disputam áreas de terra. O Viajante demorava,
pelo papo literário - histórico que fugia do assunto principal. A viagem virou
uma prosa falada e escrita ajudando na construção do entendimento teórico do
passado. Em tempos difíceis muitos lutaram, alguns tombaram... Poucos viram a
luz da liberdade. Nascia ali um diário sobre a pena que narrara sutilmente e
surrealmente, cabendo à interpretação de cada um.
José Antonio Basto
Maravilhoso
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