segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

O Viajante lendo a chapada de forma diferente


O Viajante depois de muitos dias de viagem pelo leste, parava numa humilde choça das paredes de taipa e coberta de palha de babaçú. Se hospedaria ali naquela tijupá para repousar a noite e mais tarde seguir adiante, pois seu dia tinha sido bastante cansativo, percorrera toda aquela densa região de conflitos, acumulando o aprendizado. Era um herói? Talvez, com modéstia – esperava algumas mudanças e reformas que favorecessem os menos favorecidos e desprovidos de direitos. Este é o ofício que escolhera na esperança de novos tempos para colher bons frutos no futuro. Ao se abancar, perguntaria aos anfitriões do lar sobre a questão da terra – a conversa começaria antes do jantar que foi oferecido, pois jamais se dispensaria uma tradicional Iguaria de “galinha caipira com arroz de pequi” a pesar de tudo estava na chapada. A janta saiu com perfeição à luz de lamparina. Satisfeito! Em seguida surgia uma provocação que envolveria a situação fundiária do lugar. Poucos discutem sobre esse assunto que decerto é polêmico desde tempos bem remotos na história das civilizações; respeitava-se o momento – deixando-os à vontade. Mas as respostas supriam as indagações e a “prosa” prosseguira até o fim. O Viajante tirava de seu alforje alguns livros, textos, revistas e jornais velhos – veículos estes que alimentariam o gosto pela leitura e daria uma injeção de ânimo na luta pela posse da terra. Presenteava-os com carinho; recusaram de início, pois não sabiam ler nem escrever – descobrira então, óbvio! Mas respeitosamente aceitaram os presentes e os guardaram num baú seguro, pois dali tiveram a curiosidade de aprender a ler em uma demorada relação com as palavras e com a gramática. Só assim demonstrariam força intelectual e social para destrinchar os processos burocráticos no que diz respeito a defesa do território. Não conheciam o mundo das letras – e nunca leram nada – muito menos pisaram na escola; mas sabiam de cada pé de árvore da chapada – mostravam seus saberes e técnicas no extrativismo repassados de pais para filhos – curavam-se com remédios tirado das plantas medicinais – seus pais lhe ensinaram; não se perderiam nas veredas nem de dia, nem de noite, a energia era a luz da lua e das estrelas. Caçavam, pescavam, lavravam o chão e criavam pequenos animais para a alimentação e reprodução da família, o que detinham de mais valioso. Soletravam “lendo para entender a chapada de forma diferente”, coisas que a escola não ensina, adquiriram o diploma com o tempo. A existência e a convivência ensinaram essa nobre literatura onde uma minoria dar valor. Conversavam ao seu modo com a natureza numa comunhão e comunicação com o espaço em que vivem. Sabiam a hora pelo sol e o tempo de plantar e jogar a semente no período certo através do clima. Viviam Isolados do mundo civilizado e conectados com o meio ambiente. A cartilha era a própria terra, as folhas, os ventos, a enxada, o jacá e as chuvas de inverno. Formaram-se em todas as ciências, receberam prêmios valiosos e repassaram isso para as futuras gerações. Tiveram como mestres o tempo e a paciência que lhes ensinaram a mais bela das lições de vida.

José Antonio Basto
e-mail: bastosandero65@gmail.com    

sábado, 21 de dezembro de 2019

O vale dos cinco (5) leões


Certa vez assisti um clássico filme de ação “Rambo III” -, o mesmo que animava as tardes da garotada na Sessão da Tarde dos anos noventa. O enredo trata do veterano de guerra Rambo, que após  a Guerra do Vietnã se refugia num mosteiro em um vilarejo da Tailândia. Vivendo em paz e sobre as disciplinas dos monges budistas; ele tenta esquecer o mundo de guerra – mas se surpreende com a visita de seu coronel de pelotão Trautman que lhe convida para mais uma missão – desta vez, na fronteira do Afeganistão: com o intuito de tentar bloquear as ações dos soviéticos naquele país com a ajuda dos rebeldes afegãos. A sinopse do filme mostra: “O ex-soldado John Rambo que recusa um pedido de seu coronel Trautman, antigo líder de pelotão, para uma nova missão, pensando apenas em continuar com o seu novo estilo de vida, baseado na crença budista. No entanto, quando Trautman  raptado pelos russos na fronteira e o governo americano é incapaz de intervir oficialmente, Rambo decide agir por sua conta e risco”. Já assistir o filme várias vezes. Uma passagem me chama a atenção é quando o guia que leva Rambo até o forte soviético conta sobre a história dos afegãos; onde muitos tentaram conquistar seu país: primeiro “Alexandre O Grande”, depois Gengis Khan, a Inglaterra e agora a Rússia – mas eles nunca se renderam. O Guia contara uma velha lenda afegã que um certo rei impôs que cinco mil soldados deveriam ir para uma batalha, depois estudou que estes cinco mil, a maioria estava com medo, então dos cinco mil soldados ele elegeu os cinco melhores de todo aquele exercito. E os cinco soldados venceram a guerra naquele vale - campo de batalha que ficara conhecido como o “Vale dos cinco leões”. Isso também lembra a história do personagem bíblico Gideão que liderava uma guerra com milhares de soldados – dali, em uma batalha a maioria dos homens estavam com medo, ele pediu a Deus que ficasse só com os corajosos, restou destes, apenas trezentos e dezoito (318) guerreiros que alcançaram a vitória.
A narrativa tende objetivar a coragem das pessoas em certos desafios da vida. Nem sempre se vence uma guerra com legiões de soldados, muitos não tem coragem de agir, normal. No dia cinco de setembro de 2019, foi realizado o tradicional desfile das escolas da cidade de Urbano Santos – Maranhão. O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais resolveu botar em prática um velho pedido de nosso Bispo Diocesano e militante dos Direitos Humanos Don Valdecir. A ideia foi participar do evento com o “Grito dos Excluídos”. Fizemos uma convocação para todos os participantes que viajaram conosco para a Marcha das Margaridas – em Brasília, de 11 a 16 de agosto, os dois dias na Capital Federal foram 13 e 14. Infelizmente dos que foram, quase ninguém confirmou a participação em nosso chamado, não paramos com o projeto! Construímos uma faixa com os dizeres “GRITO DOS EXCLUÍDOS: A Amazônia pede socorro”. Pela manhã cedo estávamos na concentração, achávamos que vinha mais pessoas para nossa ala, que por mera conscidência fomos colocados pela organização do evento na última posição da fila, ironicamente excluídos mesmo! Mas talvez não fora por isso, foi porque decidimos comunicar já na véspera da atividade. Lembrando o filme do trecho acima, apareceu naquele momento somente “5 guerreiros” – estávamos dispostos e otimistas de mostrar nosso trabalho, ideologia e sentimento para com os excluídos e desprovidos de direitos deste país, como dizia Lula! Os povos e comunidades tradicionais que tanto sofrem. Nosso povo da zona rural, humilde, quase que esquecidos da sociedade, os que estão perdendo seus direitos conquistados com sangue e luta. A problemática da situação caótica da Floresta Amazônica nos dias atuais sendo devastada pelo fogo, por grileiros e grandes projetos de mineração e barragens. Os índios, quilombolas e caboclos que moram e vivem da terra e das águas. Esta foi a mensagem que os “Cinco Leões” mostraram para os espectadores.
Muitas das vezes a coragem das pessoas é medida de acordo a ocasião. Muitos pensamentos nos ensina a lição dos que ousam e tem coragem de vencer. Numa guerra, nem todos tem coragem – isso muito depende do sistema genético de cada um de nós. As vezes o sangue ferve nas veias – então a coragem aparece do nada, fica escondida somente por algum momento, surge como um tiro de espingarda no estampir da fumaça. Alguém escrevera e nos deixou a lição no estandarte da história. “coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras qualidades”. “Saber o que é correto e não o fazer é falta de coragem”. Coragem é a resistência ao medo, domínio do medo, e não a ausência do medo”. “A coragem cresce com a ocasião”. Por fim a melhor delas diz: “A coragem não é ausência do medo; é a persistência apesar do medo”.

José Antonio Basto - Setembro – 2019.