segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Do leste ao norte

O viajante atravessaria o Baixo Parnaíba rumando para o Piauí, parava em Milagres do Maranhão nas margens do rio. Antes disso atravessaria campos e campos de soja dos chamados gaúchos nos municípios de Anapurus e Brejo. Sem falar na grande problemática dos eucaliptos de Urbano Santos e Santa Quitéria. Sozinho de moto, lembrava do filme “Diário de motocicleta”,  o drama biográfico sob direção de Walter Salles – que traça a viagem dos aventureiros Che Guevara e Alberto Granados que fizeram pela América Latina. Os dois jovens conheceriam ali os problemas de saúde e descaso social das várias comunidades rurais de nossa América, razão essa pela qual Che se tornaria o maior revolucionário do século XX, admirado até os dias de hoje em todo o mundo.
O programa do agronegócio no Baixo Parnaíba nunca supriu as necessidades das comunidades rurais. O capitalismo no campo utiliza da violência  e muitos outros desacatos sociais e morais dirigido às populações tradicionais. A derrubada de amplas áreas do cerrado, a extinção de nascentes e o desaparecimento de nossos recursos hídricos caracteriza um quadro de injustiças criando portando uma situação de vulnerabilidade das famílias camponesas que tanto sofrem com essa problemática. As grandes extensões de terras dessa região devastadas pela Empresa Suzano que planta eucalipto e as fazendas de gaúchos que cultivam soja são na verdade as responsáveis por um processo de mudanças socioambientais. A expropriação de terras rurais marcara o início dos vários conflitos agrários numa divisa do pensamento ideológico, tanto dos representantes dos investimentos do capital no campo, quanto de alguns segmentos do sistema de posse e latifundiários. Devemos entender que “o Estado por meio de seus diferentes aparatos burocráticos, assume um papel de mediador fundamental no controle de acesso à terra”. Enfatizando, portanto, situações nas quais são executadas políticas legitimadoras do conjunto de açambarcamento de grandes áreas de terras - antes públicas ocupadas há séculos por segmentos camponeses praticantes verdadeiros da agricultura familiar e extrativismo. O agronegócio passou a integrar patrimônios particulares, grilando essas terras de cobertura florestal nativa que são nossas chapadas.
O viajante voltava ouvindo os cânticos de comunidades numa marcha de São Bernardo à Santa Quitéria, os companheiros lutavam em defesa dos direitos humanos na temática do controle social. O agronegócio da soja muito tem transformado os modos de vida das populações tradicionais e urbanas dos municípios do Baixo Parnaíba. A exportação da soja para os mercados europeu e chinês diz que gera desenvolvimento para o estado e gera mesmo. Mas as   comunidades rurais nada sabem disso e não desfrutam de nada, elas provam do legado de destruição de suas áreas. São João dos Pilões em Brejo é um exemplo: o pequizeiro, matéria prima para a fabricação dos pilões, cuias e outros utensílios já não são encontrados mais, a soja tomou de conta de tudo. Os artesãos tem que importar toras de pequi de outros municípios, a forma sustentável que eles aparam o pequizeiro não agride o meio ambiente... cortam um e plantam outro no lugar, fabricam os pilões para vender na beira da estrada.
De volta, o viajante parava em algumas comunidades, quilombos e assentamentos para conversar sobre os movimentos sociais no Baixo Parnaíba maranhense. As ações ainda vem sendo feitas, não como há dez anos atrás onde o fogo da luta animava nossos encontros de comunidades em defesa da vida, onde dinamizava os congressos de trabalhadores e formações de lideranças. Ainda resta fumava e o fogo não apagou. O Viajante voltava para casa depois de alguns dias cansativos, trilhando pelo território livre, formando e informando o povo sobre direitos e deveres, sobre a problemática que enfrentam, com uma solução pregada no cartaz de esperanças de novos tempos.

José Antonio Basto
E-mail: bastosandero65@gmail.com


segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Sem terra não há vida, sem vida não há terra: o tempo é o nosso maior professor!

Imagem J. A. Basto: (Cabeceira do Rio Preguiças) - B. Parnaíba
A vida é o bem maior de todos os seres, de todos que compõe uma biodiversidade. Todos necessitam desse bem comum. A natureza se reforma a cada dia, a cada situação em que os homens lhe agridem. Ela não fala nada, nem tudo. A terra é a própria sobrevivência é o canto dos pássaros, sãos migrações... São ninhos. Os rios correm sobre a terra, os mares se estreitam e se alargam, algo em comum! O camponês precisa da terra para plantar e dela sobreviver e as populações urbanas, só que de forma diferente. Um território só pode ser constituído com o devido respeito. Os frutos da terra que nos alimentam são formados do poder divino de transformação. A fé, a esperança de novos tempos enchem nossos sonhos de agonia para chegar logo essa nova era. Ainda há muitos entraves, o desrespeito dos mais fortes com os mais fracos. Os menores podem unir-se e formar um grande exército de combate, porque o sentimento de coletividade é o sentimento de união.  Alguém certa vez disse que as únicas desgraças cometidas sobre a “terra” são as mesmas desgraças com as quais nada aprendemos. Devemos ser humildes e não se aproximar da intolerância – julgando “ser” superior aqueles que nunca tiveram chances na vida, porque eles também são nossos professores assim como o tempo. Com isso um mestre dizia: “Deus nos concede, a cada dia, uma página de vida nova no livro do tempo”. Aquilo que colocarmos nela corre por nossa conta. Pois devemos viver em teoria, mas não esquecer que ela sempre acaba mais tarde assassinada pela experiência. As marchas geram frutos e os frutos são colhidos pelos que marcham e também pelos que não marcham. A sabedoria de Deus é superior a tudo; com seu grau de humildades faz chover nas roças dos bons e dos maus, porque ele não faz distinção de pessoas, cada um carrega sua cruz. No mundo espiritual cada um é o verdadeiro responsável por sua salvação. Um jovem poeta escreveu: “A razão de ser da vida é sua própria felicidade”. Precisamos navegar a cada momento, a cada mar, rios diferentes. Não podemos esquecer que, embora a alegria do presente exista, o futuro reserva outras a mais. Se antes a força do conjunto amparava as quedas, hoje estão preparados para aguentar as tramas da vida nem que tivemos que seguir sozinhos pulando as avalanches. Deixar para trás momentos plenos de união e companheirismo é doloroso, sabemos que é. Mas não podemos nos estagnar no tempo. É necessário seguir em frente, buscar nossos objetivos com muito esmero e dedicação, para encontrar o novo. Precisamos lutar lado a lado pelo bem maior de nossas vidas. A água. Sem água não há vida, então, certamente não conseguiremos sobreviver, a não ser que seja de forma desumana. Mas, não é uma incoerência tanta água na terra e muitas comunidades sem ela? Alguns podem se apressar em responder, não. Afinal, de toda água disponível no planeta, apenas algo em torno de 2,5% seria doce, ou seja, própria ao consumo humano. Pior ainda, desses 2,5% temos grande parte congeladas em geleiras, outra parte são águas subterrâneas, sobrando menos de 1% de água doce disponível em rios e lagos. A terra é nosso chão de batalhas. A vida está fincada na terra e a terra sob a existência dos tempos.

José Antonio Basto

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

A FUMAÇA DA CARABINA “Um passeio pela Balaiada do século XIX – 170 anos de início da revolta popular”

     
          Eles rondavam o sertão a procura da terra, grandiosas faram suas batalhas e ideologias em defesa de um mundo melhor. Corajosos, saíram da Vila de Manga rumo ao Baixo Parnaíba, eram os vaqueiros rebeldes. Adentraram chapada a fora atravessando vilarejos, escondendo-se dos legalistas e formando o povo. Talvez tirasse da selva sua alimentação, suas famílias ficavam sob a proteção de guerreiros.
      
Balaiada - revolta popular - (13/12/1838)
Os heróis eram aqueles vaqueiros, quilombolas, caboclos, camponeses pobres, índios e artesãos que sob a coragem de lutar por um ideal desafiaram o poder provincial do país. Mas existem mentiras em algumas páginas da história, porque quem a escreveu às vezes foi quem torturou os mais fracos. Os papeis mostram que a insurreição começara em 13 de dezembro de 1838. Sabe-se que a população do sertão maranhense já vinha sofrendo e se revoltando muito antes do fato de Vila da Manga; houve na verdade várias balaiadas; muitas revoltas contra as atrocidades dos fazendeiros, latifundiários, escravocratas que herdaram a estrutura fundiária no interior do estado. O que foi a Balaiada? Uma “insurreição”, “rebelião”, “revolução”, “sublevação”, “guerra civil”, “movimento revolucionário”, “revolta” ...? Tudo isso ela foi. Foi na verdade a insatisfação do povo humilde, dos analfabetos, das camadas mais pobres e miseráveis do interior, atores que fizeram o movimento. A Balaiada foi uma guerrilha camponesa, um levante que durou quatro anos de lutas entre nossos irmão e as forças militares do império, indo de 1838 a 1842. Alguns tentaram tirar proveitos dos corajosos rebeldes -, os “bem-te-vis”, que acovardaram-se e no auge da radicalização da revolta caíram fora. Nossos heróis cravaram seus nomes no imaginário popular, como o povo poderia esquecer de tamanho feito em busca da liberdade e pela igualdade de direitos. Um salve aos nossos líderes incansáveis que sonharam um dia, entre esses vultos o Raimundo Gomes, o Balaio, o Negro Cosme e todos os outros que tombaram.
       O sangue que regou o chão das chapadas do sertão do leste maranhense ainda hoje clama por justiça nos esconderijos e mocambos. Tentaram apagar os feitos que os verdadeiros heróis deixaram, o legado de sonhos e esperança. O movimento teve como espaço o nosso sertão, as veredas por onde ouve muitos combates marcaram as embocaduras do litoral, as imediações do rio Parnaíba, do Itapecuru e do Munim, adentraram região do Baixo Parnaíba afora penetrando nos atuais municípios de Barreirinhas, Tutóia, Araioses, Brejo, São Bernardo, Buriti, Milagres do Maranhão, Chapadinha, Urbano Santos, Vargem Grande, Nina Rodrigues, Icatu e Umberto de Campos. Muitas pelejas, vestígios ainda restam em valas e boqueirões. Os rios estão lá para contar o que passou.
       Guerreiros balaios de ontem e de hoje, os tempos se foram, as lutas continuam as mesmas. Os problemas de desumanidade, de desacatos aos direitos humanos, de impactos ambientais que atinge os camponeses e camponesas são os mesmos ou até piores do que os daquela época. O chão é o mesmo, as comunidades também. As armas se transformaram, outras continuam sendo os bacamartes e granadeiros de sempre. Aqueles heróis foram os pioneiros que num grito de dor utilizaram da força do braço e do pensamento para construir suas bandeiras em busca de respeito e dignidade. Esse capítulo importante está gravado no panteão dos mártires e na “fumaça da carabina” que se perpetuou nos ventos da história.

José Antonio Basto



segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

As barreiras do sagrado chão

     Um dia o viajante passara por aquela região denominada Baixo Parnaíba, um lugar sagrado na mais distante geografia do leste. Ao chegar, ficou ali sua bandeira de lutas, o estandarte que se perpetuou de geração para geração. A terra era vermelha... tudo que se plantava procriava numa fartura entanto. Muitas matas por onde já tinha acontecido guerras e combates sangrentos em busca da conquista da terra séculos atrás, tempo em que leis não valiam nada, exceto para os poderosos! Os rios perenes desembocam um a outro assim formando bacias importantes -, justamente nesses rios que apareceram esconderijos cavados sob grutas e grotas. Um dia passeando pelo cerrado ouvi o ronco da espingarda!  Gritou seu tiro para outras bandas, eram caçadores das comunidades tradicionais que vigiavam as variantes defendendo seu território de coletas de frutos e agricultura.
      O imaginário era o próprio chão – pois a terra se interligava com as ações dos povos que residiam ali... pessoas que sobretudo eram suas protetoras. Esperam respeito e valorização de direitos garantidos, mas não aplicados. Hoje tudo mudara... a ganância, a arrogância e o avanço do capitalismo que vem para destruir aquele espaço cultural é o que nos preocupa. Grandes batalhas haverão de dá início na briga pelo bem maior dos seres humanos: a água. O líquido valioso que ninguém consegue fabricar e necessita dele diariamente para beber, lavar, cozinhar... para viver, o corpo humano é derivado de água. Este bem maior, carência de todos nós desaparece a cada momento, com a culpa da mão do próprio homem que não pensou no passado para viver no futuro. O que faremos para rebater tamanho desastre contra o meio ambiente? Fica uma incógnita para formulação de nossa consciência.
      O viajante pegava seu alforje, sua máquina de escrever, papeis, livros... seus pertences e sua mala, seguia pelas veredas do sertão arenoso saindo da chapada, adentrando nos portais dos lenções de lagoas cristalinas e cajueiros deitados sobre o chão. O Oceano Atlântico findava no horizonte sob a ótica poética com sua imensidão poderosa capaz de fazer pensar em novos tempos de esperanças.  Ali anoitecia e amanhecia, virou-se portanto uma morada e um mausoléu do artista, tendo como sua fortaleza “As barreiras do sagrado chão”.

José Antonio Basto
E-mail: bastosandero65@gmail.com