terça-feira, 26 de setembro de 2017

O ancião

Me contava coisas da vida
Dos encontros e desencontros
De tempos de outrora
No acreditar em um outro
Mundo possível
O ancião era cego
Mas via tudo...
Era “avô e pai”
Sua fala trêmula e ligeira
Quase mudo – dizia tudo,
Nos desafios dos tempos
Nos contratempos!
Resplandecia seu vulto
Num ritual inculto
O sangue da honestidade
Foi vítima da crueldade
Rasgava a voz em verdade
Foste grande lutador...
Durante sua existência
Guerreiro audaz e valente
Da terra sua esperança
De guerra, sangue e temor!
Ensinava-me o caminho certo
De como entrar no destino
Desde quando era menino
Nas páginas da epopéia
O “valor de uma vida”
Em batalhas construídas
Da “lavra a palavra”
Escrevendo tantas linhas...
Com a epígrafe “Ser”. Por quê?
Porque “Ser” é tudo!    
Era o canto da magia
Repleto de alegria
No fogo da solidão
Cantava a voz do ancião
Em brasas, prantos e coragem
Rebrama o canto dos ventos
Sobre as páginas dos tempos
No livro da liberdade.

José Antonio Basto
Setembro – 2017.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Sextilhas à Balaiada

"Balaios" - imagem da web
I
No ano mil e oitocentos
E trinta e oito corria
No sertão do Maranhão
A história se recria
A revolta dos balaios
Naquele tempo surgia.



II
Vaqueiros, negros e índios...
Caboclos de lealdade
Até mesmo aristocratas
Lutaram contra a maldade
Gerando uma grande guerra
Em busca de liberdade.

III
Começou em Vila da Manga
Com Raimundo o grande vaqueiro
Depois entraram na luta
Outros valentes guerreiros
Don Bento Cosme das Chagas
E o Balaio desordeiro.

IV
Manoel Francisco dos Anjos
Deu nome a revolução
Por ser fabricante de balaios
Recebeu essa missão
Dando nome aos revoltosos
Todos estes seus irmãos.

V
Atacaram muitas vilas
Os rebeldes corajosos
Em muitos dias de batalhas
Foram então vantajosos
Tomaram a cidade de Caxias
Deixando os praças nervosos.

VI
Entraram em Chapadinha,
Em Brejo e Itapecurú,
Em Tutóia e Miritiba,
Em Morros e Icatú
Até mesmo em São Luís...
São Bernardo e Anapurus.

VII
Quatro anos de peleja
Viveram os rebelados
Incomodaram o governo
Com tiros pra todo lado
E pelo Barão de Caxias
Por fim foram conquistados.

VIII
Com o fim do movimento
Alguns dos refugiados
Em busca de segurança
Vieram pra esses lados
Nas margens do Rio Mocambo
Então ficaram implantados.

IX
Daí nasceu uma vila
Hoje nossa Urbano Santos!
Onde sangue de valentes
Por todos esses recantos
É honrado na memória
Celebrado nesses “cantos”.

X
Assim foi a Balaiada
A maior insurreição
De pessoas que lutaram
Pela valorização
Num tempo muito difícil
No estado do Maranhão.

José Antonio Basto –, Setembro – 2017.



segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Eu sou o documento de minha terra


Gelson Ferreira - liderança de Gonçalo dos Mouras
Como imaginar o documento de uma terra? Se esta terra não tem dono. A terra nunca teve dono – a terra é de todos que trabalham nela. O bem comum produzido e desenvolvido no espaço é usufruído por todos.
Relembrando as aulas de história sobre “Comunismo Primitivo”, Engels em sua importante obra “A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” – utilizou métodos materialistas retomando o assunto desde o início da civilização humana, com uma abordagem sobre o trabalho primitivo que era feito para suprir as necessidades básicas e imediatas dos grupos familiares, não havendo, portanto preocupação com o acúmulo de riquezas (sobras). A “TERRA PERTENCIA A TODOS E NÃO HAVIA ESCRAVIDÃO”.
Em Gonçalo dos Mouras – município de Urbano Santos, povoado às margens da MA-225, terra de posse da família “Mouras” -, área da comunidade atingida pelas plantações de eucaliptos e que vem enfrentando um conflito pela posse da terra desde décadas remotas. O velho Gelson Ferreira, que não é “Mouras”, apenas sua esposa, recebeu esse sobrenome porque seu pai exercia a profissão de “Ferreiro”. Os problemas de Gonçalo acentua no calendário dos vários conflitos no campo nas décadas de 60, 70 e 80. A CPT naquela época acompanhava as comunidades coletando dados desses fenômenos que se perpetuaram até os dias de hoje. A CEB era a de Tabocas, que até agora está de pé.

Reunião com a Associação de Moradores
A Terra de Gonçalo foi ocupada por famílias camponesas desde a década de 20, hoje já na quarta e quinta geração os trabalhadores rurais ainda resistem os desacatos dirigidos a eles. A questão se arrasta há décadas e décadas, ao ponto de se chegar ao extremo – como por exemplo a morte misteriosa de duas pessoas na década de 70 que não vale ao repórter entrar em detalhes, obviamente por falta de conhecimento do caso. Mas aconteceu e os moradores mais antigos do povoado assim como o Gelson, sabe contar detalhadamente os fatos ocorridos.
A comunidade atravessou gerações e a terra de modificou, as chapadas da frente das casas foram substituídas por eucalipto, o rio baixou seu nível d` água e os chamados gaúchos compraram e/ou grilaram o restante das matas e chapadas. Pouco restou para a agricultura familiar, para os camponeses fazerem suas roças e botarem seus animais para pastar. Ficaram encurralados entre o rio e as plantações de eucaliptos. Sentiram a necessidade de criar uma Associação de Moradores para assim, fortalecer a luta, sendo que a única área que eles têm alguém já está de olho nela há muito tempo; eis a questão! Pois a terra hoje em dia - principalmente no Baixo Parnaíba maranhense é sinônimo de capital e poder.
Animais pastando na chapada - ao fundo plantação de eucaliptos
Os programas de expropriação e expulsão de homens e mulheres do campo representado pelo MATOPIBA -, a única fronteira agrícola do cerrado brasileiro do qual o Território do Baixo Parnaíba está incluso.
A comunidade tem resistido às demandas. Os netos de Gelson assumiram a luta, como sua esposa, Dona Antonia, que disse: “Se nós perdemos essa terra onde meus filhos e netos vão trabalhar”? “Esse pedaço de terra é tudo que nós temos”, acrescentava. Gelson o maior líder dos posseiros desde cinco décadas atrás é um homem de conhecimentos gerais, teve sua formação nas escolas das CEBs e da vida – viajando com amigos advogados e religiosos, deficiente de cegueira, não enxerga nada, anda pela casa com sua bengala, aconselhando e encorajando seus filhos e netos na luta pelos seus direitos. Durante sua vida passou por muitas
A direita plantação de eucalipto - a esquerda chapada devastada
adversidades e pelejas que lhe marcaram momentos de perdas e conquistas na existência dos dias. Durante a reunião de criação da Associação, em sua fala disse que certa vez uma pessoa lhe perguntara sobre o documento dessa terra. E ele sabiamente lhe respondeu: “Eu sou o próprio documento de minha terra! Meu bisavó, avô e pai nascerem e se criaram aqui e aqui estou com meus filhos e netos! Existe documento e prova maior”?



José Antonio Basto
Comunidade Gonçalo dos Mouras  - Urbano Santos, Baixo Parnaíba maranhense

Agosto de 2017.