quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

BATUQUE DO PILÃO

Quando se anda pelas chapadas se ouve muitos sons: pássaros, cigarras, insetos, cantos de galos, gritos de caçadores, latidos de cães e tiros de espingarda. O Viajante solitário adentrava as chapadas e cerrados ao nível do Rio dos Pretos, com o intuito de visitar alguns velhos amigos que por ali deixara. As chuvas densas tem cartigado os caminhos daqueles vilarejos, esbarrocando e deixando marcas. Sem muito compromisso, a viagem a cada momento se tornava interessante, primeiro pelo fato da ideia de ter um dedo de prosa com os amigos camponeses sobre a questão da terra – polemica terra; depois para matar a saudade de andar por as matas sentindo o cheiro do chão e da natureza em busca de novas aventuras. A motocicleta atolava a cada obstáculo de lama, para complicar a situação levantava para o nascente as nuvens carregadas que prometiam um grande temporal desses de fevereiro. As chuvas dessa época não respeitam e nem aguardam por ninguém, ela desaba do céu sem muita piedade e quem estiver debaixo que se cuide. Então a santa água caiu com gosto e com força. O Viajante se encostara a um pé de bacuri para se proteger daquele temporal repleto de relâmpagos e trovoadas. Já era tardinha, por volta das cinco horas ou mais. A chuva foi passando e o tempo alimpando. Pensava-se de voltar, mas não desistira da viagem, ligou a moto e acelerou! A nambu de pé vermelho cantava à beira do caminho; os gritos de camponeses chamando uns aos outros ecoavam, desciam de suas roças e seguiam para suas casas. As estradas dos vilarejos do Baixo Parnaíba se modificam pela ação do agronegócio. Por isso para quem as não conhecem a fundo, fica muito fácil se perder pelos caminhos aplainados da Suzano. Uma ladeira de pedra dava acesso ao riacho Santa Rosa que mais em seguida descia no pequeno povoado. O Viajante se aproximava devagar, pois em áreas de conflitos se deve ter cuidado quando chega. O pilão roncava com suas batidas fortes tirando a palha do arroz, batida de pilão é coisa antiga – e bota antiga nisso. Dona Maria e Zé Souza os donos da casa davam as boas vindas ao amigo de lutas e convidava-o para jantar um capote ao leite de coco, que coisa boa e, ainda mais com o arroz natural da roça sucado no momento. Como recusar um convite desses. O Viajante ficava por ali mesmo, antes de seguir para as outras bandas da Comunidade Porção subindo as cabeceiras do Rio dos Pretos rumo ao Quilombo de Lagoa Amarela, Quartel General do Negro Cosme do tempo da Balaiada.


José Antonio Basto

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Algum tempo na terra


Poucos sabem da terra em que moram, alguns nem pouco, nem muito, demoram para entender. Pra que vender uma terra que tanto deu trabalho para conseguir? Se é que ela teve dono algum dia. Todos devem ou deveriam saber ao menos do seu real valor como mãe alimentadora de todos os filhos. Eles lutariam juntos, ajudou-se quando necessário e da maneira que se pôde ajudar, porque sabia-se da situação em que se encontrava o conflito. A ganância pelo dinheiro mudara o destino do vilarejo, tivemos que voltar lá para mais uma vez orientá-los a não vender suas terras, ou parte delas – pois com o passar dos dias perderiam tudo, não apenas eles, mas as outras chapadas e comunidades vizinhas. O capitalismo às vezes acaba mudando o pensamento e a ideia do homem. Esquecem dos dias de labutas e batalhas; abusa de um sistema, cerca suas vítimas sem que elas percebam. Pra que enriquecer? O homem simples do campo tem tudo que precisa quando tirando da terra que tudo dá... água, peixe, alimentos, frutos da mata e da lavoura. Precisam viver bem e a terra é sua grande mãe. Algum tempo passaria naquela terra e por que não passar! Se a terra donde moram há décadas, séculos fora sempre seu espaço de luta e vida. Ela daria muito trabalho para conquistá-la judicialmente – um conflito fora travado contra os que diziam serem donos. Os camponeses desistiram a ferro e fogo, com unhas e dentes alcançaram a vitória, graças a resistência e a coletividade. Portanto não há motivos para vendê-la.
                    
José Antonio Basto