O Viajante acordara de um longo e
cansativo sono existencial. Ele vinha das das bandas das terras dos campos
arenosos de Humberto de Campos por aquelas estradas cheias de lagoas. Saia de
Santo Amaro e Primeira Cruz - pela zona rural, lembrando os antigos caixeiros
nordestinos dos tempos passados. Praticara o caminho pela "Lagoa do
Casso", por ser um final de semana, tinha uma grande aglomeração de
banhistas naquele importante ponto turístico. Caminhava com seu "alforje
de caçador" -, um surrão de pano com livros e outros papéis - documentos
bem antigos; tinha também alimentos para as horas difíceis; parava de povoado
em povoado para pedir um copo de água e as vezes um punhado de farinha, nada
foi lhe negado pelos camponeses que ouviram falar de suas aventuras. Por causa
da "Pandemia", seguiu caminho afora pela Comunidade Vertente de
Baixo. Chegara na sede da cidade e procurava o Mercado Central de Urbano
Santos, mais conhecido como Centro de Abastecimento de Alimentos. Ele
conversava com amigos companheiros - estes, porventura moradores da Vertente,
antes passara em "Mocambinho dos Balaios" e Vertente de Cima -, sendo
estas, duas áreas de terra com o mesmo nome e reconhecimento. O Estado ainda
deve demarcar estas terras, assim favorecendo os moradores com seus títulos de
posseiros e arrecadações sumárias. Uma família tradicional de posseiros
mantiveram o direito de propriedade com o documento do Título Comunitário,
reconhecido pelo ITERMA e órgãos fundiários de outrora. Vertente de Baixo e
Vertente de Cima São dois povoados em um só, de uma mesma família de posseiros
tradicionais. A faixa de terra pega uma grande área de chapadas, carrascos e
matas por onde desce o Rio Mucambo com seus riachos e afluentes. Vertente
possivelmente fora um quilombo no passado, pelos vestígios e modos de vida dos
moradores. A conversa fluía num boteco que fica em um dos bosques dentro do
mercado, cujo dono do ambiente era um velho morador de Vertente de Cima. Ele
disse que constantemente assina "Declaração de Proprietário" - para o
reconhecimento do exercício de atividade rural daquela gente que as vezes
precisam para requerimentos de benefícios previdenciários. Um momento a parte,
modesto... quando se trata de benefícios da Previdência Social, principalmente
neste momento conturbado da história do país e da perdas de direitos. O
Viajante passeava pelas bancas do mercado por gostar de feira e do cheiro de
peixe seco; conversava com cada um dos feirantes, mototaxistas, peixeiros e
outros trabalhadores. Percebera de tudo, o que estava sendo comercializado ali,
produtos da terra e regionais: mel de abelha, tiquira, cachaça, coco babaçu e
da praia, camarão, farinha seca e de puba, grolado, azeite, macaxeira, juçara,
galinha caipira, leitões, carne de bode e até uma banca de "livretos de
cordel". A movimentação na feira de Urbano Santos é grande, em especial
aos "dias de quinta", o povo acostumou fazer suas compras
especificamente neste dia. A cada momento o Viajante falava com um conhecido,
pegava na mão de um amigo, tocava no ombro de outro - cumprimentava-os com
respeito e grande dedicação e, quase sempre as mesmas perguntas eram lhes
dirigidas: "Por onde andara todo esse tempo, pelas matas e povoados?"
Um peregrino aventureiro, desbravador do sertão e de lugarejos, fazedor de amizade
com todo mundo. O Viajante demorou na cidade, quase o dia todo e ao se
aproximar a noite partira na sua missão rumo às fronteiras do "Rio dos
Pretos". De fato cumprira ali, por mera conscidencia do destino mais uma
vez seu simples ofício e papel de repórter que tende registrar com palavras
escritas as coisas simples da vida, sempre com humildade e respeito.
José Antonio Basto
julho - 2020