terça-feira, 27 de abril de 2021

Encontros e desencontros da comunidade Porto Velho, município de Urbano Santos-MA

Há muitos anos atrás quando eu era menino, ainda não muito interessado por pesquisas, lembro que conversei com o velho saudoso e já falecido, o Sr. Chico Quilarindo, uma figura extremamente misteriosa e cheia de sabedorias, usava um relho de couro de boi e dizia que era para surrar lobisomem. Ele parecia com aqueles magos dos contos de fadas medievais, usava barba e cabelos compridos, Chico era morador da comunidade Porto Velho, em uma de suas narrações, lembro que contara que seu avô tinha participado de uma certa guerra naquelas imediações, conhecida como “Guerra do Bem-te-vi”. Então eu ficava curioso e como sempre gostei disso perguntava pra ele que guerra era essa. Foi daí que recordei e acabei descobrindo que a tal guerra foi realmente a Guerra da Balaiada ou talvez os cacoetes que restaram desse movimento conhecido também como insurreição dos balaios (1838-1842).

Uma coisa interessante que achei em minhas pesquisas foi a citação no livro álbum “Quilombo – Tradições e cultura da resistência” na parte que explica sobre as comunidades remanescentes de quilombos demarcadas no território nacional, onde encontrei o nome da comunidade “Porto Velho” -, município de Urbano Santos-MA, na Região Nordeste, na tabela de numeração nº 701, página 193, onde também  Belágua, antes está citada na numeração 700 e que poderia ter sido um quilombo do município de Urbano Santos quando a cidade ainda era uma vila: Mocambinho ou Ponte Nova, Belágua foi emancipada em 1997, sendo que a mesma foi povoado de Urbano Santos por muito tempo. Mas tratando-se de Porto Velho, Chico contava a história de um pai e um filho que moravam lá onde hoje em dia é um bar de propriedade do Sr. Dondim, no local percebe-se ainda um ar de lugar antigo com valas e taperas. Eles dois pai e filho moravam sozinhos, o velho pai sabia de mandingas e mágicas, era o período da guerra, o velho era todo marcado de balas, seu corpo segundo as afirmações do Chico, era marcado por golpes de facas e furos de balas -, mas ele não sentia nada. Contara que o velho desaparecia nos meios dos caminhos e fazia sair água das bocas das espingardas e revolveres que eram apontadas para ele, em fim... coisas místicas que dava até medo em ouvi-las. Muitos pés de mangas, babaçu e azeitona existem por lá, o lugar das antigas moradias parece mesmo centenário. Um fato interessante que aconteceu nesse lugar foi a história do Zé Loló -, um senhor filho da antiga proprietária do lugar, a Dona Loló; Zé um dia foi arrancar minhocas para pescar e ao cavar ele descobriu uma caixa de cobre próximo às margens do Rio Mocambo, dentro da caixa tinha cascas de balas, uma arma muito antiga e já enferrujada, petecas de chumbo e um canivete... tudo coisas de séculos passados. Esses objetos foram vendidos muito baratos para certa pessoa que por lá apareceu e com certeza viu o valor histórico e cultural que as peças tinham. A outra questão que coincide o fato de Porto Velho ter tido a presença de escravos no período da Balaiada é porque o povoado é vizinho da outra comunidade conhecida como “Escuta”, mas por que esse nome? Chico contara que o nome escuta devia-se o fato dos insurretos escutarem o barulho das embarcações sobre o Rio Mocambo que estavam a procura dos rebeldes, os revoltosos escutavam e avisavam os companheiros do perigo, adentravam-se então nas matas, amocambavam-se, daí o nome do rio “mocambo” e escondiam-se dos guardas legalistas do império, entrincheirando-se. Paralelo com o Povoado Escuta do outro lado do rio está a comunidade Baixa Grande, onde existe um cemitério secular que pode ser uma das provas consistentes da memória de outras gerações em nossa região.

A comunidade tradicional de Porto Velho hoje não é vista como quilombola, mas tem ligações ancestrais no que se diz respeito ao memorial do nosso povo. Os atuais moradores vivem da roça de subsistência, da criação de gado e outros pequenos animais como galinhas, capotes e porcos num sistema de desenvolvimento rural sustentável na agricultura familiar, tem áreas de brejais com muitos buritizeiros, nas margens do rio, podemos encontrar espécies raras de plantas e frutos como o murici da beira do rio, olho de boi, pitomba-de-leite e cajuí. Porto Velho fica situado há poucos quilômetros da sede de Urbano Santos, sendo uma das comunidades mais próximas, mas a estrada que lhe dá acesso ainda é rudimentar. A comunidade tem um valor importante completando-se nos breves encontros e desencontros de nossa tão rica e ainda desconhecida historia de Urbano Santos e Baixo Parnaíba.

 José Antonio Basto

 Poeta e pesquisador

Urbano Santos-MA, 09/09/2014

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Algum tempo na terra

 

Poucos sabem da terra em que moram, alguns nem pouco, nem muito, demoram para entender a ancestralidade. Pra que vender uma terra que tanto deu trabalho para consegui-la? Todos devem ou deveriam saber ao menos do seu real valor. Eles lutariam juntos, ajudava-se para orientação quando necessário e da maneira que se podia ajudar. A ganância pelo dinheiro mudara o destino do vilarejo. O capitalismo às vezes acaba mudando o pensamento e a ideia do homem. Esquecem dos dias de labutas e batalhas, o capitalismo abusa de um sistema, porque são iludidos. Pra que enriquecer? O homem simples do campo tem tudo que precisa quando tirando da terra que tudo dá... água, alimentos, frutos da mata e da lavoura. Precisam viver bem e a terra é sua grande mãe. Algum tempo passaria naquela terra e por que não passar! Se a terra donde moram há décadas, o tempo foi sempre seu espaço de luta. Ela daria muito trabalho para adquiri-la judicialmente –, então, um longo conflito fora travado contra os que diziam serem donos, a associação camponesa resistiu a ferro e fogo, com unhas e dentes e então por fim alcançaram a vitória desejada, graças a resistência e a coletividade dos trabalhadores rurais.

 

José Antonio Basto