segunda-feira, 31 de outubro de 2016

DIREITO À POSSE DA TERRA

    A vida do homem e da mulher do campo depende de como se usa a terra e das condições que se tem para tirar dela o sustento. Em nosso país, mesmo com os direitos garantidos no Estatuto da Terra (1964), na Constituição Federal (1988) e mais recentemente (1993) na lei nº 8.634, todos garantindo um direito à reforma agrária; infelizmente ainda existem muitas áreas de “terras presas” e agricultores sem  a terra para trabalhar. As comunidades rurais necessitam e clamam durante séculos pelo Direito à posse da terra, direito de nela permanecer e trabalhar, direito de acesso a água, direito ao trabalho e este em condições dignas. O artigo 186 da Constituição Federal diz que a função social da terra é cumprida quando atende ao mesmo tempo as exigências, o artigo 184 garante que quando uma propriedade não está cumprindo a sua função social, pode ser desapropriada pela União (Governo Federal) para fins de Reforma Agrária.
     Do que vale um Brasil com imensas faixas de terra sem produção? E um contingente enorme de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra a procura de um pedaço de chão para produzir alguma coisa? A trajetória fundiária de nosso país é refletida pela má distribuição dos setores agrários, das terras devolutas da União e dos Estados da Federação; a violência contra os menos favorecidos ainda é uma página ensanguentada que aguarda justiça. Um grito de alerta e de socorro ecoa desde o descobrimento, desde quando apareceram as primeiras organizações em busca da terra, contra a escravidão, pelo reconhecimento e livre expressão. Este grito está ainda nas entranhas dos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRs), na CONTAG, nas FETAGs, na CPT, na Via Campesina, nas marchas, encontros de CEBs, nos assentamentos, nos cantos e cartilhas, nas associações rurais... no meio de nós camponeses e camponesas que acreditamos num novo modelo de desenvolvimento sustentável e solidário para este país, em comunhão e respeito com meio ambiente, porque necessitamos de terra, de água... não apenas nós, mas toda uma biodiversidade para se reproduzir. Os latifundiários e grandes projetos capitalistas implantados no campo não representam nossa luta, são eles os responsáveis pela destruição! São as barragens e grandes fazendas que expulsam cada vez mais as comunidades tradicionais para lugares em que elas não são acostumadas; seus modos de vida são ameaçados pelas construção de barragens hidrelétricas, pelo avanço da criação de gado, pela exploração descontrolada de minérios e garimpos, pela derrubada ilegal de árvores na Amazônia pelo avanço da monocultura do eucalipto e soja e pela nova fronteira do MATOPIBA. Em meio aos problemas apresentados no meio ambiente o capitalismo e exploração dos recursos naturais e humanos não conseguem suprir mais suas necessidades econômicas. Vivemos em outros tempos, com a esperança de viver em paz, com água... com terra. Almejamos uma Reforma Agrária maciça com gente, com assistência técnica de qualidade e linhas de créditos suficientes para uma produção elevada de alimentos, mas jamais esquecendo as técnicas culturais repassadas de geração para geração.
     Muitos povos do mundo precisam de alimento, o Brasil é um dos responsáveis por esse processo, por ser um país emergente e líder dos BRICs. Temos terras mas ela precisa ser desapropriada, regularizada, demarcada e beneficiar de fato quem nela trabalha, sobrevive e respeita. Mais de 65% do alimento de nossas mesas vem da agricultura familiar e são produzidos pelas mãos suadas e calejadas dos nossos agricultores e agricultoras, porque a agricultura familiar não é digna de mais atenção? O agronegócio ganha a bola da vez com um número alto de recursos que são repassados diretamente dos cofres do Governo Federal, precisa-se mudar esse quadro. A bandeira da Reforma Agrária sempre vai ser hasteada com vigor e garra, honrando os companheiros e companheiras que deram seu sangue por esta causa, que tombaram mas que deixaram seus nomes nas páginas da história.  A luta pela terra é uma luta renhida válida pela vida. Viva a Reforma Agrária e o “DIREITO À POSSE DA TERRA”!

José Antonio Basto
Militante pela Reforma Agrária
e-mail: bastosandero65@gmail.com




segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O campesinato no cenário de luta em defesa da terra e da liberdade

     
(Foto: Sebastião Salgado)
A trajetória de lutas do movimento camponês brasileiro é na verdade a história da luta pela liberdade propriamente dita, contra o sistema escravista, pela posse da terra, contra o latifúndio, pelos direitos trabalhistas, por autonomia política e contra o voto de cabresto, pela igualdade e contra o preconceito racial, pelo direito a vida e contra a exploração dos oprimidos, pela invisibilidade e reconhecimento da identidade, pela memória de lutas, contra a história distorcida e pela verdade dos fatos ainda apagados na história, contra a impunidade e pela justiça... contra toda e qualquer tirania.
     O sangue derramado por muitos companheiros fez com que tivéssemos nos dias de hoje todas essas conquistas no que diz respeito às politicas púbicas para a classe mais pobre do país; infelizmente a burguesia e os setores capitalistas nunca aceitaram que o filho de um camponês se tornasse advogado, médico e outros títulos durantes séculos negados para os índios, negros, assentados e periféricos. A negação do direito social e participação política em alguns casos da história foi o estopim para muitas insurreições... camponeses foram obrigados em suas consciências a pegar em armas para defenderem suas honras, seus direitos sociais como cidadãos e cidadãs. O fato de pegar em armas para lutar pela liberdade sempre foi o momento mais extremo da história das civilizações em busca do direito e da liberdade, mas não devemos esquecer que também sempre foi esse fato o mais importante das guerras e decisões. Lembremos então para reflexão dos muitos casos de conflitos, movimentos e lideranças que fazem parte da memória camponesa durante a trajetória de formação do país, passando pelo Estado Novo de Getúlio Vargas e seguindo os períodos de transição de 1946 a 1964 com o golpe militar e as resistências contra a Ditadura Militar até 1985.
     Antes do golpe, os trabalhadores rurais do Brasil estavam num processo crescente de luta pela Reforma Agrária e por direitos sociais. Com a ditadura, a repressão conjunta de militares e latifundiários se abateu pesadamente sobre eles. Muitos foram presos e outros tantos assassinados. Mas, quando se fala sobre repressão e resistência nessa época, muitas vezes as lutas e as violações de direitos humanos ocorridas nas zonas rurais são esquecidas e isso ainda vem acontecendo em nossos dias. Outro fato importante da história de luta dos trabalhadores rurais foi, em 1960, quando surgiu o “Movimento dos Agricultores Sem Terra”, no Rio Grande do Sul, com o apoio do governador do estado o saudoso Leonel Brizola, que era favorável à Reforma Agrária. Essa organização, que chegou a contar com mais de 100 mil associados, conquistou muitas vitórias, como desapropriações de terras improdutivas e assentamentos fundiários.
     Em novembro de 1961, realizou-se o 1º Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, em Belo Horizonte, reunindo 1.600 participantes. Entre eles, estavam representantes da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), hoje transformada na CONTAG; compareceram membros das Ligas Camponesas, do MASTER, do movimento estudantil e da ação católica que na época tinha muitos trabalhos de formação realizados no campo brasileiro. Dali os trabalhadores rurais ganharam espaço político; o governador Magalhães Pinto cedeu o local para a reunião, o presidente Goulart compareceu acompanhado de Tancredo Neves e defendeu em seu discurso a Reforma Agrária.
     Em março de 1963, o governo Goulart assinou a lei que criava o Estatuto do Trabalhador Rural. Dando favorecimento os direitos dos trabalhadores rurais assim como os dos urbanos, garantindo registro em carteira profissional, salário mínimo, horário de trabalho e descanso, férias anuais, 13º salário e direito à sindicalização. Para fazer frente às Ligas Camponesas, o governo apoiou um movimento de sindicalização rural. Muitas delas trataram de se organizar e, em 1963, já se somavam 557 sindicatos de trabalhadores rurais. No mesmo ano, o governo federal iniciou uma verdadeira batalha parlamentar para aprovar a reforma agrária. Paralelamente, as Ligas radicalizaram suas ações. Ocuparam engenhos e enfrentaram ataques policiais em vários estados do Nordeste. Essa radicalização não teve apoio suficiente e levou a um isolamento de Francisco Julião – líder supremo das Ligas, o que fez com que elas no momento perdessem força. Os latifundiários promoveram perseguições e assassinatos de lideranças. Um caso exemplar dessas ações de extermínio de lideranças foi o de João Pedro Teixeira. O presidente da Liga de Sapé, da Paraíba, foi assassinado em 1962. Sua mulher, Elisabeth, o substituiu na luta.                                                      
     No Maranhão, nosso estado, a Reforma Agrária tem suas pendencias desde a década de 60 e 70, quando os governantes da época venderam grandes áreas de terras para empresas do centro e sul do país. Para isso melhor dizendo, devemos relembrar a luta do companheiro MANOEL DA CONCEIÇÃO, homem que foi baleado, preso, amputado, torturado e exilado. Um sobrevivente da ditadura militar (1964-1985). Manoel da Conceição, líder camponês do interior do Maranhão, cuja história é contada no relatório da CNV (Comissão Nacional da Verdade). Os abusos cometidos contra o lavrador nos porões da ditadura chamaram tanto a atenção na década de 1970 que o papa Paulo VI chegou a intervir a seu favor e pedir sua libertação. Ele era de família evangélica, seguidora da Assembleia de Deus, Conceição presidia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pindaré-Mirim, quando os militares tomaram o poder em 64. Formado na luta pela reforma agrária, a organização era o primeiro sindicato rural da história do Maranhão. De imediato, o Exército ocupou a sede da entidade e ali ficou por 60 dias. Duzentos lavradores foram presos. Somente no mês de junho daquele ano, Conceição foi preso cinco vezes na cadeia municipal. Mesmo fechado pela ditadura, o sindicato tinha quatro mil filiados em 68, quando a polícia invadiu uma de suas sedes e baleou o dirigente na perna direita. Após seis dias preso e sem ser medicado, teve de amputar a perna. Nesta época, Manoel da Conceição e outros lavradores integravam a organização de esquerda Ação Popular. Naquele tempo o Estado era governado por José Sarney. Desde muito tempo o Maranhão passa por uma crise no que diz respeito às questões fundiárias, um dos campeões de assassinato no campo, assim como o Pará que lidera esse crime, que também não é diferente de todas as regiões do país.

José Antonio Basto
e-mail: bastosandero65@gmail.com
                                                                                                                                           



segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O cerrado lutava... algum dia não mais lutara! Continua Lutando

     Algum dia o tempo passava pelas veredas do sertão do Baixo Parnaíba, no Maranhão, nos mais longínquos terrenos, nas chapadas centenárias de um povo que sabe de onde veio e para onde vai; gravou-se então um capítulo importante da história de conflitos, desavenças fundiárias pela posse da terra. A região ficava entre duas comunidades amigas que entre si tinham o senso comum dos tempos de guerras. As lutas do cerrado são as lutas pela sobrevivência onde o mais forte sempre vence; mas a coletividade sempre venceu quaisquer batalhas – desafiando sistemas e ocupando territórios de direito, porque as bandeiras e estandartes sombreiam os caminhos dos oprimidos!
     O cerrado lutava por um novo tempo, mesmo sem falar - sentia o gosto do fel em sua garganta por tantos desacatos à sua natureza, reivindicava em seu campo a chuva que há muito tempo não a via. Ela falava e cantava, rangia os dentes sobre o vento que levava seu canto matinal. Os frutos que botara em outros tempos já não tem o mesmo sabor dos tempos certo.
     O cerrado lutava como guerreiro de combate, sonhava também com novos tempos de esperança; cansado pensou de não lutar mais. Alguém os ajuda, as leis... papéis, decretos... a fumaça da pólvora! Em fim, gritou![...] Em um mundo infinito pelas veredas da justiça, baixões, chapadas e brejos. O cerrado lutava... algum dia não mais lutara! Continua lutando.


José Antonio Basto 

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

A chapada falava...

     Como ela fala? Falava consigo mesma, com o tempo? Com o firmamento? A retrospectiva da história revoltava os viventes que luta para viver! Ela estava ali esperando pela paz, esperando por novos tempos de esperança. Calada na sequidão das idas e vindas, na saga dos arvoredos um sonho replicava sobre um relâmpago e um trovão que nunca mais fizera chover como antes. O bacurizeiro chorava sobre a lâmina da máquina que poluía sua terra, que cortava seus galhos. A jaçanã gritava com vontade de sair de seu habitat, mas infelizmente para onde poderia ir! Donde veio! O canto da vida que emblemava soando sobre os caminhos estreitos, velhos foram aquelas melodias que gritavam por um outro mundo possível, para o belo rosto da biodiversidade. Grandes sonhos podem ser capazes, se sonharmos de verdade como os heróis das florestas sonharam! Foram muitos séculos passados, foram muitas lutas travadas, foram pedaços disputados e, que são até os dias de hoje disputados.
     A chapada falava mesmo sem falar. Percebia-se sua indignação pelas mudanças climáticas que os seres humanos causam. O vento falava, bastava “ouvir a sua voz” –, pois o mestre já dizia há dois mil anos atrás: “Não sabemos nem de onde vem, nem para onde vai”. O roncado dos bichos eram como protestos, eram mesmo protestos naturais . Nãos os ensinaram a falar!
     Ela cantava! Chorava! As águas não descia mais de suas lindas cabeceiras; os peixes não subiam as correntezas. Um casal de arancuã tomou arranco para longe dali, pois a mirindiba e outras espécies base de sua alimentação já não existe mais – o correntão e o fogo devorou tudo.
      A chapada falava, os bichos falavam! Outrora os mais velhos diziam que houve um tempo em que os bichos falavam, havia reinos que se perpetuaram por gerações. A ganância humana mudou toda história, essa ganância e o consumismo já não olham para o futuro, já não olha para a vida, olha apenas para si mesmo e nada mais! Está faltando tudo, está faltando terra, água, alimento... uma crise descontrolada que parece não ter fim avassala e causa impacto ambiental e social em meio as comunidades. Salvemos o que ainda resta da natureza... suas lágrimas desce como riachos pela linha do tempo. A ampulheta trabalha dia e noite sem parar – a humanidade caminha para um abismo feroz, um poço construído e provocado por suas próprias mãos. Ainda é tempo de fazermos algo, de consolar a chapada e salvar o pouco que resta de nossas vidas! Ainda é tempo de se pensar na paz e no bem do meio ambiente, no bem da mãe natureza.

José Antonio Basto
e-mail: bastosandero65@gmail.com



quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Puba: matéria prima da farinha que nos alimenta

"Puba no giral" (comunidade Baixão dos Loteros)
A puba é a mandioca amolecida em cima do giral pronta para ser levada ao banco do caititú para a trituração. A massa é extraída da mandioca fermentada e tradicionalmente utilizada na produção de (farinha de puba), além de bolos, biscoitos e diversas outras receitas típicas do norte e aqui do nordeste brasileiro. O processo de obtenção da puba consiste em deixar a mandioca de molho num recipiente com água, antigamente se utilizava os chamados “pubeiros” - um espaço cercado de madeira ou palhas de côco babaçú no rio, lagoa ou riacho. Atualmente os tradicionais pubeiros foram substituidos por tanques fabricados de cimento. No final desse período a mandioca deverá estar mole. Deve-se então escorrer a água e lavar abundantemente a mandioca ralando-a em seguida. Com a mandioca ralada, deve-se escorrer completamente o líquido nos tapitis, a massa seca é peneirada e jogada no forno aquecido para então se transformar em farinha. Dois forneiros fazem o serviço: um passa a massa, o outro seca a farinha, este é o momento do “apuramento”.
"Farinha no cocho" (Comunidade Baixão)
A farinha antigamente era empaneirada nos côfos, agora se embala o produto em sacas, com medidas de 75 litros em cada saca.  
O Município de Urbano Santos no Leste Maranhense já foi líder na fabricação de farinha. Nos anos 70, 80 e 90, saia de nossa região muitas carradas de paneiros e sacas de farinha de puba para a venda em outras cidades do Estado e principalmente para a comercialização na Capital São Luís. A farinha produzida no Município de Urbano Santos era conhecida nesse tempo como especial, bem amarela e sequinha. Em alguns casos os seus fabricantes adicionavam à massa manteiga e côco da praia, para dar um sabor muito mais irresistível. Muitas comunidades da zona rural viviam da produção de farinha, que tem sua fase inicial no mês de Julho indo até final de Novembro. A cultura de fabricação artesanal de farinha é a que predomina nas comunidades rurais, essa técnica não prejudica o meio ambiente, pois a tradição vem se perpetuando desde muitos séculos. A farinha sempre foi a base da alimentação.

José Antonio Basto
e-mail: bastosandero65@gmail.com