segunda-feira, 27 de março de 2017

O roncador

A nascente do “Roncador” morria ali, desabava e desaparecia longe dali; os buritizais foram dilacerados pelo fogo que atearam certa vez – ninguém sabe quem foi, mas o crime foi cruel. Seria algum dia ele o pai da alimentação da comunidade, porque além do peixe, a água banhava as plantações. A “Gleba Roncador” fica pro lado leste, numa faixa de fronteira e de conflitos fundiários. Antes, aquela terra pertencera às famílias camponesas residentes ali – os moradores vivem da agricultura familiar, da caça e da pesca, mas alguém veio de fora para comprar, (grilar), o “forasteiro” tenta expulsar os lavradores da terra. Eles praticam agricultura familiar de forma sustentável, plantam mandioca, feijão, arroz, zezilin, fava e outras culturas básicas, suas terras foram invadidas e eles até agora procuram saída, (justiça), porque acham que a soja vem logo mais. E vem mesmo!
 Os agentes do movimento social já começaram um trabalho de organização da Associação, o ITERMA já sabe do problema enfrentado pelas famílias dos agricultores – espera-se a “regularização fundiária”, mas há noticias de que essa terra já foi vendida há muito tempo atrás – negócios que se voltam e que se vão! Se arrependem! Os moradores do Roncador antigamente viviam felizes – em comunhão e respeito com a natureza, não enfrentavam problemas de disputas de terras. Uma liderança contara sobre as questões que assolam sua gente, pois a terra devoluta do estado pertence a eles –“a terra é comum”, sempre pertenceu aos posseiros que lá residem e praticam suas culturas básicas, eles se organizam na Associação e unem forças na luta coletiva. Alguém veio de fora, como muitos aventureiros que saem de lugares distantes e chegam no Território para “grilar terras rurais”, ato esse que virou comum. O “forasteiro” pretende adquirir o título (papel), para assim se fortalecer; agora o título de domínio está em jogo. Grilagem de terras é um crime antigo que vem se perpetuando até os dias de hoje, ele é praticado contra os mais pobres desde séculos remotos, continua no meio rural e os órgãos competentes nada, ou quase nada tem feito para resolução do problema.

José Antonio Basto

E-mail: bastosandero65@gmail.com 

terça-feira, 21 de março de 2017

A despolinização do cerrado e o sangue que jorra

Assistindo o documentário “SERTÃO SERRADO”- (DVD) que trouxe de Brasília-DF do evento em que participei pela CPT sobre as questões do MATOPIBA ano passado. O filme conta com depoimentos de personalidades importantes especializadas em duas partes: cientistas gabaritados e pessoas comuns de comunidades tradicionais do cerrado brasileiro que estão sofrendo com o desmatamento e a ganância do agronegócio. Entre as cenas mais fortes, estão a de índios guarani-kaiowá feridos a bala, incluindo uma criança, após serem atacados por tratores e dezenas de caminhonetes carregadas de pistoleiros no Mato Grosso.
É assim que a produção é montada: os dados, ao invés de ficarem jogados, são associados à imagens fortes e a depoimentos de especialistas na área. A cena forte do massacre dos guaranis vem logo depois da informação de que as mortes no campo estão crescendo a níveis alarmantes: é um assassinato a cada 15 minutos. Didático, Sertão Serrado pode não ser um primor em forma e experimentalismo, mas cumpre muito bem o seu papel de explicar o seu ponto por a+b de uma forma que é impossível não entender.
O interessante do trabalho é que o depoimento de um cientista falava da importância do cerrado para as comunidades e como sua biodiversidade tem sido agredida nos dias de hoje pelo programa devastador do agronegócio. Com o uso intensivo de agrotóxicos, o cerrado perdeu sua forma original; os insetos responsáveis pela “polinização” entraram num processo de extinção total, daí as áreas de cerrado nativo perderam lugar para os grandes campos de soja e fazendas de criações de gado, os insetos desapareceram e o cerrado foi junto. Os povos e comunidades tradicionais que habitam essa região tem sido vítimas do descaço, da pistolagem e muitos outros desacatos aos direitos humanos. A terra tem sido tratada como mera mercadoria provedora da linha de commodities, violando os modos de vidas dos povos tradicionais como se fosse lixo. A mineração e as construções de barragens tem sido outros, graves problemas que expulsam essas comunidades de seus territórios, a grilagem de terra  ainda é constante. O cerrado é o bioma mais antigo da historia do planeta, é um dos mais ricos em espécies animais e vegetais, concentra as nascentes dos principais rios brasileiros como o São Francisco, Araguaia e Tocantins e abrange uma enorme região vítima de impactos ambientais e sociais por causa do avanço do capitalismo no campo.

José Antonio Basto
e-mail: bastosandero65@gmail.com   




segunda-feira, 13 de março de 2017

A vereda, o medo… e a coragem! (crônica de José Antonio Basto – II edição)

"Poço da obra" - (Comunidade Santa Maria).
Certo dia bateu uma velha saudade de visitar a Comunidade Quilombola de Santa Maria, terra de memórias e lendas que atravessara gerações, um pedaço de nossa rica história. Sem compromisso, fui até a casa do Sr. Nonato Crispim, velho corajoso que ainda prefere vestir-se à moda antiga, à moda caipira, com seu gibão, chapéu e alpargatas de couros, se parece mais um vaqueiro do que lavrador. Perguntei a ele como estava a área onde era localizada a antiga fazenda de cana de açúcar do fazendeiro João Paulo de Miranda, o velho não escutou direito, repeti novamente a mesma pergunta, ele respondeu dizendo que a área do engenho está sendo ameaçada, a intolerância caminha por lá, desde quando começaram a lutar pela terra – continuam ainda na batalha.
Fazia uma boa temporada que não visitava Santa Maria, atravessamos o Rio Boa Hora por cima de um buritizeiro e chegamos do outro lado com muitas dificuldades. Crispim que quase não se cala contava a famosa história de quando o antigo fazendeiro se apropriou da área no século XIX, agora a terra está sob processo tramitando no INCRA para desapropriação fundiária em beneficio da comunidade. Trilhamos as veredas fechadas repletas de espinho de tucum e coroatás, fomos primeiramente até um famoso pé de pequi que tem mais ou menos 150 anos de existência, (pequi-açú), árvore frondosa e admirável, os pequis alimentam muita gente em sua temporada de produção.
José Antonio Basto - (Muralhas de Santa Maria).
O Crispim que já tem mais de 90 anos de idade disse que quando era criança o pequizeiro já era daquele jeito, refletindo que a existência da fazenda tem um tempinho. Segundo informações dos antigos moradores, a história de Santa Maria remonta o período de meados do século XIX e inicio de XX, ciclos das fazendas no Baixo Paraíba Maranhense. João Paulo de Miranda veio do Piauí para montar seu engenho de açúcar e criar gado nas proximidades do Rio Boa Hora, desenvolveu seus trabalhos de produção de açúcar por isso teve que modificar a geografia do rio. Construiu uma parede de pedra para mudar o nível da água e assim facilitar a moenda da roda no córrego. Até hoje estão lá os vestígios das muralhas e pedras polidas que cercavam a área dos fornos e um calabouço que acredita-se ter sido construído para castigar negros fujões.
Visitamos cada peça que sobrou das paredes da antiga casa grande do fazendeiro e as casas de fornos, uma muralha de pedra guardava toda área, incluindo a casa grande e a senzala. Tudo dentro do matagal, acho que a área devia ser preservada e protegida por algum órgão do patrimônio histórico, mas nada tem sido feito. Muitos alunos com o auxilio de professores já visitaram aquele lugar, além de outros pesquisadores profissionais de universidades. Cansados, concluímos a visita e
Comunidade Santa Maria - (Baixo Parnaíba).
as fotos e por volta de meio dia retornamos para as moradias. Crispim já bastante cansado pela idade descansou um pouco debaixo das mangueiras para acrescentar suas histórias na linha do tempo. Disse que seu avô lhe contava sobre as brincadeiras dos escravos de João Paulo de Miranda, que após os trabalhos iam tocar tambor e berimbau para o lado da “chapada do meio”, um lugar bem distante das casas onde os antigos moradores praticavam o extrativismo do bacuri e pequi, hoje coberta de eucaliptos.
Ainda relembrou também sobre as passagens das negras que pegavam água em cabaças e as rezas de dor de dente que as benzedeiras consultavam em seus berços... O tempo foi passando e as histórias quase não tinham fim, foi daí então que o ancião Crispim começou a destrinchar as passagens da comunidade desde os tempos dos escravos e as atrocidades praticadas pelos feitores de João Paulo de Miranda. Disse que o fazendeiro quando foi embora, pegou toda sua riqueza e depositou dentro de um forno de cobre e colocou outro por cima e atirou tudo junto a um poço no rio, conhecido como “poço da obra” -, acredita-se de uma grande riqueza em ouro e prata que até hoje está lá no fundo d`água, o poço é vigiado por um peixe “surubim pintado” que continua assustando os moradores. Em fim… teve muitas outras versões dos contos orais do Sr. Crispim, onde imagina-se a potencia de informações de uma memória rica no que diz respeito a sabedoria nata daquele senhor de idade. Foi um grande aprendizado, além do medo nas veredas fechadas e a coragem de voltar pra casa.

José Antonio Basto
E-mail: bastosandero65@gmail.com

Texto publicado em 2014 no site https://www.ecodebate.com.br

sexta-feira, 10 de março de 2017

Mulher: a essência da vida

Quebradeiras de côco babaçú - (Povoado Cajazeiras - Urbano Santos-MA)
Mulher, essência da vida humana,
Sem vocês seria impossível a reprodução de nossa espécie natural,
Sem vocês seria impossível a genealogia dos povos da “humana – idade”
E nossas características específicas da natureza humana,
Sem vocês mulheres, o mundo não teria amor... nem paz...
Pois o grande exemplo é que Adão precisou de Eva para ser completo
Lampião de Maria Bonita,
Camões de Dinamene
Romeu de Julieta
E Castro Alves de Eugênia para serem poetas...
E muitos outros da história perdida das civilizações,
Saudações às mulheres que escreveram seus nomes na história
Nas várias revoluções pelo mundo a fora,
Saudações às operárias que tombaram em Nova Iorque em março de 1857,
É de lá que celebra-se esse dia tão importante, que não é apenas um dia só de festa, mas de luta e recordações do que perderam e do que ganharam
E ganharão, com otimismo,
Saudações à Joana D`Arc, à Eleniza Resente do Araguaia, à Dandara esposa de Zumbi dos Palmares, à Maria Aragão, à Clarice Lispector! 
Saudações à escrava Anastácia
Saudações à Anita Garibaldi e à Olga Benário!
Saudações às primeiras mulheres que votaram em 1932!
Saudações à Elizabeth Teixeira das Ligas Camponesas!
E a Margarida Alves da Paraíba
Saudações às companheiras
 guerrilheiras de todos os tempos!
As que alcançaram o trunfo da glória e também as que tombaram!
Saudação especial à Presidenta Dilma Rousseff!
Sigam em frente na luta por direitos humanos, assim que com muitas batalhas conquistaram e haverão de conquistar sempre!
Salve todas as profissionais, todas as mulheres de todas as classes e categorias: sindicalistas, domésticas, lavadeiras de roupas, advogadas, juristas, motoristas, promotoras, operárias, costureiras, professoras, marisqueiras, quebradeiras de côco, médicas, vereadoras, prefeitas, autoridades...
Salve as mulheres negras, brancas e indígenas!
Um Salve às mulheres Americanas, Latinas-Americanas, Européias, Asiáticas, Africanas –
Salve a elas de todos os continentes!
Salve aquela da mais alta em seus postos à mais simples e humilde em seus importantes e respeitados afazeres,
Um grande abraço à todas as mulheres de minha cidade Urbano Santos, do Brasil e do mundo
Recebam com carinho a lira nos versos escritos do modesto autor!
Avante sempre por um OUTRO MUNDO POSSÍVEL!
Parabéns à todas as mulheres!
José Antonio Basto
Urbano Santos, 08 de março de 2017.
Em homenagem ao dia internacional da mulher.


segunda-feira, 6 de março de 2017

O abusado capitalismo no campo e a espoliação de terras

Trator operando  - (baixo parnaíba maranhense)
O capitalismo abusa das situações no campo. A expropriação de terras rurais sempre foi um problema muito sério enfrentado por povos e comunidades tradicionais no Brasil. O capital no campo tendem otimizar seus lucros passando por cima da cultura camponesa e das comunidades tradicionais, incrementando os investimentos em grandes empresas neoliberalistas que procuram desenvolver estratégias de negócios principalmente nos setores do agronegócio florestal e na aquisição e arrendamento das terras rurais. Essas estratégias são antigas, as espoliações das terras e dos camponeses puxadas pela burguesia do campo em larga escala gera desigualdades sociais, o produtivíssimo insano de agrotóxicos e a pistolagem.
Quilombola lavando roupa, Rio Boa Hora - (baixo parnaíba-MA)
Esses sistemas e processos se dão pela reprodução e aprimoramento baseado na história das práticas da burguesia mercantil e mais tarde financeira de pilhar os recursos naturais do território rural nacional, em degradá-los e poluí-los, e de promover, pela pressão da grilagem e ou da aquisição das terras dos nossos povos do campo. O esvaziamento das massas camponesas passa a ser tratada como algo natural e orgânica atendendo portanto agora os interesses de classe pelos setores dominantes.
O agronegócio que representa uma verdadeira ameaça aos povos tradicionais, tem se desenvolvido com métodos macabros, assim reproduzido e obtendo resultados financeiros que lhe são altamente favoráveis apesar da escolha pela oferta e comercialização de produtos para exportação em detrimento dos produtos de consumo alimentar e da absoluta indiferença com a dominação exercida pelas empresas capitalistas nacionais e transnacionais no agrário brasileiro.
Projeto sustentável do bacuri - (baixo parnaíba-MA)
Essa concentração de renda e riqueza pelas empresas capitalistas e pelos grupos de latifundiários no campo vem se concretizando desde tempos bem remotos – como outrora, no período colonial desde a época dos coronéis escravocratas; hoje esse sistema de acumulação de poder é representado por políticos de direita e conservadores das bancadas ruralistas do Congresso Nacional e das assembleias estaduais. Seus negócios caminham “pari passu” com os negócios dos governos que se aproveitam da situação de indiferença no país. E esta escolha de favorecimento político dos governos aos grandes negócios agropecuários e florestais privados nacionais e estrangeiros compromete com uma série de desacatos aos direitos humanos como o problema secular da pistolagem, ameaça às praticas e técnicas da soberania alimentar e sobretudo contribui ao mesmo tempo para a acumulação via espoliação dos recursos naturais e vegetais e comunidades camponesas, além da exploração dos trabalhadores do país em situações análogas a trabalho escravo. As relações antagônicas entre as comunidades camponesas e as empresas, latifundiários e investidores “empresários do agronegócio” - são algo simultaneamente contraditórios, pois o capital no campo tem um projeto alanvacador de rendas, já os camponeses, ribeirinhos, quilombolas e extrativistas precisam da terra e das águas de seus territórios para se procriarem e se reproduzirem social e culturalmente  - pois consideram então, esses espaços sagrados como centros de suas racionalidades nas resistências e na manutenção do trabalho familiar.  
Faixa contra o agronegócio - Tocantins
Tudo leva a crer que o modelo extrapolado de produção tecnológica do capitalismo no campo, seja a única via que permitiria a geração de elevada renda e lucro compatíveis com o uso burguês e o esbulho dos recursos naturais, vegetais e minerais e, em especial, das terras agricultáveis no país que de direito pertence aos camponeses.
Não é concebível nesse modelo dominante qualquer relação com a natureza e com os trabalhadores que não se baseie na acumulação via espoliação dos recursos e a subalternização dos camponeses aos seus interesses de classe.

José Antonio Basto

E-mail: bastosandero65@gmail.com

quinta-feira, 2 de março de 2017

A floresta

Ela estava ali, densa e viva...
Quase morta – mas viva!
Cantavam os pássaros
E as árvores no ringido dos ventos;
As formigas trilhavam suas veredas
E cortavam as folhas em seus ofícios,
Piava a coruja em seu trono
Esperava passar
A noite solitária,
Nos pomares
Os frutos pairavam sobre o chão
E sobre os ecos nos grotiões
Camponeses gritavam ao longe
Disparavam tiros que anunciavam
A revolução dos dias que vem
Dos dias que vão... dos dias que se foram
Era uma vez: “O sertão”
Que fora espaço de revoltas populares
E de narrações
Ali estava grandes sonhos
Que se foram
No chão avermelhado de sangue
Regado de companheiros
Que se sacrificaram
Por esta causa nobre,
Ela continuava ali
A Floresta
Atravessando madrugadas,
Dias e noites
Cantava em solidão
No embalar dos horizontes;
A floresta solitária
Atravessava o tempo
Chorava, sorria, entristecia...
Na certeza de gravar
Seu nome no panteon da história
O trovador parava no pé de uma serra
E sobre a sombra de uma árvore
Finalizaria seus versos
E com sua máquina de escrever
Comporia a crônica do tempo.

José Antonio Basto
Março de 2017