Ela perguntara seu companheiro
sobre sua terra; um processo que tramita nos órgãos fundiários há décadas – não
foram os primeiros a enfrentar essas barreiras – pois lutar por terra e militar
no movimento social requer paciência e força de vontade – pois as aprovações
são muitas. Ele respondera que a terra continua lá, mas o direito ainda não
veio – precisam do título. Eles reviravam um côfo pendurado na parede com
vários documentos antigos, alguns já rasgados e amarelados – desde ofícios,
estatutos e até cânticos de comunidades – tudo referente à questão da luta pela
terra e anos de militância.
Maria não sabia ler nem escrever,
mas sabia da grande importância de sua luta, participação e coragem acima de
tudo, enfrentando sistemas perigosos para defender seu território. Daquelas
chapadas eles tiram o mínimo para sua sobrevivência, na época em que era menina,
seus pais não lhe botaram para estudar, escolas eram difíceis na região e sua
mãe dizia zangada que “menino só tinha que ir mesmo era pra roça”- ajudar a
pagar o que come –, ignorância? Talvez sim, talvez não – sem saber! Ela ficara
triste por alguns momentos, mas nunca desistiu de sua maior escola, decidiu
aprender sempre com a “TERRA”! O Francisco, esposo de Maria sabe ler muito
pouco -, consegue com dificuldades na visão destrinchar o que lhe vem a
respeito da terra que ocupa como posseiro desde seus avós. Perguntava-se sobre
a tramitação do processo para regularização de suas 100 e tantas hectares. A
família depende diretamente daquela larga área de chapada, pois os bacuris já
estão florados para uma futura safra. Os camponeses praticam agricultura e
extrativismo – são reconhecidos por sua luta, defendem o que lhes é de direito,
mas infelizmente não são ouvidos como segurados especiais – são desprovidos de
direito! Batalham arduamente em meio ao aparelho econômico do capitalismo
implantado no campo, como a silvicultura. “Terra” –, tem sido nos últimos anos
sinônimos de capital e poder, a cada dia a demanda cresce – e principalmente
nas fronteiras de ocupação do cerrado; programas são sistematizados afim de
impactar os povos rurais – como o Matopiba – que pretende ocupar uma das
ultimas fronteiras agrícolas do bioma cerrado. Não é preciso estudar bastante,
nem ter frequentado universidades para saber da importância da terra e do meio
ambiente para a sobrevivência, reprodução social e cultural das comunidades
tradicionais. Famílias camponesas que aprenderam na escola do campo a valorização
do espaço em que vivem – assimilaram no dia a dia e no trabalho tirando da
terra e das florestas seu alimento.
Maria falava que antes sua terra
apresentava muita fartura, tinha de tudo – nas chapadas e nos brejos, mas essa
abundancia se acabou – acha-se mal para o alimento. A lavoura e a vida
interiorana lhe ensinaram um ofício mais que especial – vivendo numa comunhão
exemplar repassada de pai para filhos. Seu chão de luta foi palco de combates
de outrora – a chapada densa, mãe dos rios, fonte e nascente que jorram água
para matar a sede dos viventes, não apenas do campo, mas também das cidades.
Existem tantas leis e direitos, leis aprovadas e direitos conquistados – mas a
injustiça ainda impera no meio agrário – violência a cada momento praticada
contra as sociedades campesinas. Acredita-se em outros tempos e em outros
livros.
Ela sabia de tudo isso, não por
ter lido livros, nem por ter ouvido falar. Mas por ter até agora vivido e
convivido por todo esse tempo com essas coisas. A Maria tem como diploma o
trabalho e o talento das coisas simples do campo e utilizou sua capacidade, carinho
e humildade, suor e mãos calejadas para transmitir sua sabedoria e conhecimentos
fundamentais na faculdade da vida.
José Antonio Basto
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