terça-feira, 19 de junho de 2018

O solo e o sol em Guaribas


O solo do Baixo Parnaíba é rico em tudo. Uma terra preta onde o que se planta dá com fartura. Há alguém que afirmara viajar pelo sertão do Baixo Paranaíba, sendo a dinâmica de aceitar desafios; poucos se arriscam perder-se por aquelas matas, chapadas e florestas de eucaliptos... Caminhos aplainados. Uma luta renhida, aventura - quando se decide escrever e lutar por alguma coisa – a escrita teórica se completa no monólogo prático de vivencias na íntegra – por isso a prosa sai quase que poética. Não se sabe o gênero, tampouco as formas de construção de palavras – pouco se sabe! Talvez as narrações apresentem ambiguidade e paradoxos – parecidas e inspiradas em “Grandes sertões: veredas” – do Guimarães Rosa, este o mais importante dos livros regionalistas que naquela época de forma romanesca já se narrava as coisas do cerrado brasileiro. O cerrado de Rosa pode ser interpretado como qualquer lugar do mundo – apresentando a vontade de descrever o que se pensa – sendo isto clássico ou não. Uma causa nobre em defesa dos menos favorecidos, esquecidos e desprovidos de direitos, falo dos camponeses.
Saia-se cedo da sede de Urbano Santos, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais tinha uma grande missão naquele dia: fundar duas delegacias sindicais nas duas Guaribas –, se passava pela primeira, parava-se na volta, porque a Guaribas III é mais distante já quase limitando com as fronteiras de Barreirinhas –  a Guaribas I que também é conhecida pela nomenclatura de São Bento,  fica mais próxima de sede da cidade – mas com muito mais problemas fundiários para resolver. O sol rachava e os vultos dos eucaliptos flechavam a vista. Há dias não se pisava na comunidade Guaribas – houve outros tempos; as situações politicas passam – as amizades e a terra ficam para sempre – muda-se apenas os atores. A caminhonete roncava por aquela estrada – podíamos ter adentrado via assentamentos Mangabeira e Mangueira – ficava muito longe; pois o edital da eleição da delegacia marcava a primeira chamada para 9:00h -, atrasava-se no sindicato por motivos maiores. As terras da Guaribas III compõe um território de cabeceiras de rios e riachos. O principal é o Rio Guaribas que passou por um processo de assoreamento e falta d´água. Vale ressaltar que as plantações de eucaliptos ficam bem próximas das casas – causando aí uma ameaça às famílias camponesas. O agronegócio tem uma parcela de culpa nesse impacto, ou seja a maior parcela – muitas comunidades no Baixo Parnaíba sofrem desse mal. A terra fértil de Guaribas III já criou muita gente – povoado de base histórica na formação das comunidades tradicionais - área de transição entre as chapadas e os campos de areia dos lençóis maranhense. Guaribas é o portal de entrada para os lençóis, ainda é esquecida e a situação de seu povo é rudimentar. Conhecida como grande produtora de farinha e tiquira de mandioca, o povoado merece destaque nas áreas de produção agrícola; as técnicas de subsistências são mantidas como sustentação da permanência ancestral.
O Zé Moura recebia democraticamente 44 votos de mais de 70 eleitores que lhe escolheram como delegado sindical e representante das causas sociais naquele povoado. O almoço de carne de porco foi preparado com grande carinho pela esposa do Raimundo – liderança comunitária e amigo de lutas pela reforma agraria desde muito tempo. O papel do delegado é interligar o Sindicato à comunidade – levantar os problemas do povoado e achar saída para solucioná-los: nas contribuições sindicais, questão de roças, criações e meio ambiente. Os buritizais da Guaribas III asseguram uma biodiversidade limpa e distante de monocultivos e agrotóxicos. As crianças acreditam no sonho de tempos idos, o rio de águas claras ainda tem muito peixe e diversas espécies de plantas aquáticas. As famílias camponesas usam a terra como fruto de subsistência levando em conta o respeito e proteção da mesma.
Após as atividades sindicais, partíamos de volta por outros caminhos descendo no Baixão dos Loteros - assentamento do INCRA, comunidade marcada no mapa de terras quilombolas no Baixo Parnaíba. Um pedaço do Baixão vem sendo negociado para ser comprado via Programa Nacional do Crédito Fundiário (PNCF) – beneficiando os jovens filhos de assentados. Cartávamos as veredas até sair na estrada de Barreirinhas. Anoitecia e o cansaço já tomava conta do corpo e da mente. Pois o dia foi recheado de grandes acontecimentos de nossa luta – apesar de termos sofrido um pouco com o sol escaldante que batia no chão de Guaribas III – aquecendo e frutificando o solo e o sonho desta militância em defesa dos direitos humanos e da vida. Sensação de dever cumprido.

José Antonio Basto

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