O solo do Baixo Parnaíba é
rico em tudo. Uma terra preta onde o que se planta dá com fartura. Há alguém
que afirmara viajar pelo sertão do Baixo Paranaíba, sendo a dinâmica de aceitar
desafios; poucos se arriscam perder-se por aquelas matas, chapadas e florestas
de eucaliptos... Caminhos aplainados. Uma luta renhida, aventura - quando se
decide escrever e lutar por alguma coisa – a escrita teórica se completa no
monólogo prático de vivencias na íntegra – por isso a prosa sai quase que
poética. Não se sabe o gênero, tampouco as formas de construção de palavras –
pouco se sabe! Talvez as narrações apresentem ambiguidade e paradoxos –
parecidas e inspiradas em “Grandes sertões: veredas” – do Guimarães Rosa, este
o mais importante dos livros regionalistas que naquela época de forma romanesca
já se narrava as coisas do cerrado brasileiro. O cerrado de Rosa pode ser
interpretado como qualquer lugar do mundo – apresentando a vontade de descrever
o que se pensa – sendo isto clássico ou não. Uma causa nobre em defesa dos
menos favorecidos, esquecidos e desprovidos de direitos, falo dos camponeses.
Saia-se cedo da sede de
Urbano Santos, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais tinha uma grande missão naquele
dia: fundar duas delegacias sindicais nas duas Guaribas –, se passava pela
primeira, parava-se na volta, porque a Guaribas III é mais distante já quase
limitando com as fronteiras de Barreirinhas –
a Guaribas I que também é conhecida pela nomenclatura de São Bento, fica mais próxima de sede da cidade – mas com
muito mais problemas fundiários para resolver. O sol rachava e os vultos dos
eucaliptos flechavam a vista. Há dias não se pisava na comunidade Guaribas –
houve outros tempos; as situações politicas passam – as amizades e a terra
ficam para sempre – muda-se apenas os atores. A caminhonete roncava por aquela
estrada – podíamos ter adentrado via assentamentos Mangabeira e
Mangueira – ficava muito longe; pois o edital da eleição da delegacia marcava a
primeira chamada para 9:00h -, atrasava-se no sindicato por motivos maiores. As
terras da Guaribas III compõe um território de cabeceiras de rios e riachos. O
principal é o Rio Guaribas que passou por um processo de assoreamento e falta
d´água. Vale ressaltar que as plantações de eucaliptos ficam bem próximas das
casas – causando aí uma ameaça às famílias camponesas. O agronegócio tem uma
parcela de culpa nesse impacto, ou seja a maior parcela – muitas comunidades no
Baixo Parnaíba sofrem desse mal. A terra fértil de Guaribas III já criou muita
gente – povoado de base histórica na formação das comunidades tradicionais - área
de transição entre as chapadas e os campos de areia dos lençóis maranhense.
Guaribas é o portal de entrada para os lençóis, ainda é esquecida e a situação
de seu povo é rudimentar. Conhecida como grande produtora de farinha e tiquira
de mandioca, o povoado merece destaque nas áreas de produção agrícola; as
técnicas de subsistências são mantidas como sustentação da permanência
ancestral.
O Zé Moura recebia
democraticamente 44 votos de mais de 70 eleitores que lhe escolheram como
delegado sindical e representante das causas sociais naquele povoado. O almoço
de carne de porco foi preparado com grande carinho pela esposa do Raimundo –
liderança comunitária e amigo de lutas pela reforma agraria desde muito tempo.
O papel do delegado é interligar o Sindicato à comunidade – levantar os
problemas do povoado e achar saída para solucioná-los: nas contribuições
sindicais, questão de roças, criações e meio ambiente. Os buritizais da
Guaribas III asseguram uma biodiversidade limpa e distante de monocultivos e
agrotóxicos. As crianças acreditam no sonho de tempos idos, o rio de águas
claras ainda tem muito peixe e diversas espécies de plantas aquáticas. As
famílias camponesas usam a terra como fruto de subsistência levando em conta o
respeito e proteção da mesma.
Após as atividades
sindicais, partíamos de volta por outros caminhos descendo no Baixão dos
Loteros - assentamento do INCRA, comunidade marcada no mapa de terras
quilombolas no Baixo Parnaíba. Um pedaço do Baixão vem sendo negociado para ser
comprado via Programa Nacional do Crédito Fundiário (PNCF) – beneficiando os
jovens filhos de assentados. Cartávamos as veredas até sair na estrada de
Barreirinhas. Anoitecia e o cansaço já tomava conta do corpo e da mente. Pois o
dia foi recheado de grandes acontecimentos de nossa luta – apesar de termos
sofrido um pouco com o sol escaldante que batia no chão de Guaribas III –
aquecendo e frutificando o solo e o sonho desta militância em defesa dos
direitos humanos e da vida. Sensação de dever cumprido.
José Antonio Basto
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