segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Palavras do Boqueirão

(Imagem: José Antonio Basto -, em algum lugar do Baixo Parnaíba-MA).


A estrada era paralela ao nível do Rio Mocambo. O Viajante se juntava a um grupo de amigos sindicalistas e militantes voluntários do MSTTR que se dirigiam à comunidade Sapucaia para uma ação social destinada à família do José. O lugar fica exatamente no encontro do Rio Preto com o Rio Mocambo.
A velha toyota bandeirantes daquelas que não se fabricam mais, cortava a areia alinhando geograficamente nove léguas de distância, os babaçuais apareciam logo na frente – os entraves dos caminhos também. Praticaria os trajetos pelos antigos caminhos dos Povoados Porto Velho, Escuta e Pequi. Este último, a terra donde o Viajante nascera e foi criado – tornara-se repórter por necessidade de escrever e registrar sua saga pelo leste maranhense, pulando grotas, dirigindo, pilotando motocicleta, cavalgando e até a pé; aventurando-se pelas matas, rios e chapadões. Chegava-se no Boqueirão dos dois rios; a casa simples do Zé relembrara outros artigos e o alto grau de desigualdade social presente em nossa sociedade. O capitalismo abusa de tal forma que muitos nem conseguem enxergar seus próprios erros. Deve-se entender o que é direita e esquerda; alguém certa vez disse que quando a esquerda vai para o poder, as vezes deixa seus princípios. O ato dos companheiros foi de pura caridade àquela família necessitada; não tinham o mínimo para sobreviver: uma mãe de cinco filhos pequenos que sofre de uma doença crônica e se encontra hospitalizada na capital sem recursos financeiros; o pai doente não pode trabalhar para sustentar sua família, caia em depressão, mas os suprimentos e as palavras de conforto chegaram na hora certa. Recebia dali das mãos dos companheiros do Sindicato, arroz, biscoitos, bananas - mercearia completa e uma pequena quantia em dinheiro para os gastos básicos. Era o que tinham para oferecer. O Zé se emocionara, não esperava tamanho ato dos amigos que reconheciam sua bondade. Com poucas palavras agradeceu aos amigos com gesto de generosidade. A casa da família fica exatamente na cacuruta de um morro – um lugar estratégico, próprio para a criação de animais, donde a vista é formidável. De lá se enxerga as copas das árvores que guardam o encontro dos dois rios. Segundo os mais antigos; funcionava naquele lugar um antigo porto que recebia pequenas embarcações – canoas para o transporte de materiais vindo do interior da região e também para o descarregamento de suprimentos na época da Balaiada. Se percebe os vestígios e elevações do solo na beira do rio (trincheiras). Voltava-se para casa por outras veredas. O Viajante ficara por lá mesmo – com o intuito de atravessar para as outras bandas do “Rio dos Pretos”; pisando e adentrando em lamas, lagoas e alagadiços rumando para o oeste. Dever cumprido! Família agradecida; acenava com as mãos! Boas lembranças.
A ótica corria sobre a densa mata verde e as águas pretas e barrentas do Mocambo e Rio Preto. Era o início de outra aventura, desta vez o Viajante seguia sozinho, com seu bornal e surrão a tiracolo. Aceitara mais um desafio como andarilho e repórter das comunidades tradicionais. O “Boqueirão” falava em metáfora – sob o silêncio do vento, a pena escrevia.

José Antonio Basto
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