sexta-feira, 4 de abril de 2025

O fogo


O Viajante vinha de lá para cá, numa carreira extrema! Carreira essa, em que a caminhonete corria! O fogo atravessaria a vereda com suas ferozes línguas! O carro parava, pensava-se em seguir ou não, aguardava-se um pouco... era arriscado; ou se arriscaria encarar o fogo no caminho, o dito caminho era estreito e aplainado. É normal o aplainamento dos caminhos de eucalipto e soja nessa região. Vinha-se de uma das muitas tarefas na luta pela terra. Mas o dito fogo não era tão mal assim... ele pegava com suas assombrosas labaredas atrapalhando a passagem, sendo que suas chamas pegavam nas plantações de eucaliptos e devoravam tudo pela frente, matava aquela “floresta verde que mata tudo”. A árvore eucalipto é boa de fogo, quase não se controla uma queimada em plantações dessa árvore. De um lado, o fogo na monocultura, do outro, a chapada ameaçada pelo eucalipto e também pelo fogo. Pensava-se pela última vez...  então decidira acelerar a caminhonete, numa disparada corajosa! Roncou o motor do carro, passou a primeira, segunda e terceira marcha... então o automóvel sumiu nas labaredas num risco entanto, mas com sorte saiu do outro lado. Então o fogo ficou para trás, de longe só se via fumaça. As aventuras do Viajante as vezes são arriscadas; mas valem a pena... elas tiram aprendizados  junto às comunidades tradicionais, viajando por estes velhos caminhos. Comunidades essas, ameaçadas pelo fogo no período do verão e pelo agronegócio do eucalipto e da soja em todas as estações. 

J. A. Basto

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

A mulher que caça

Tereza caçando com seu cachorro
                                                                                

Eu só conheço uma mulher que exerce o ofício de caçadeira, ela é camponesa, mas gosta mais de caçar do que trabalhar na roça. Mas caçar para alimentação é uma tarefa culturalmente masculina regida desde tempos bem remotos na história das civilizações. O ofício de caçar para se alimentar é pré-histórico. As técnicas e tradições são repassadas de pais para filhos, no mesmo clã, na mesma família ou comunidade.

A Tereza, moradora da Comunidade Sítio do Meio, na Região do Baixo Parnaíba é essa personagem – uma figura extrovertida, dinâmica e interessante. Há muito tempo conheço a Tereza, desde as épocas dos encontros de comunidades e organizações das CEBs na região. A Comunidade em que ela caça é as Pedras, fica entre as chapadas do Sítio do Meio e Joaninha, seus moradores resistem as ameaças dos gaúchos que adentraram suas áreas – o espaço onde caçam para sobrevivência foi tomado por eucalipto, cercado para mais tarde dá espaço a soja. O riacho joaninha que nasce nas pedras também é ameaçado e sofre com a seca no período do verão, vítima do impacto direto da monocultura agressiva que invadiu o território.

A Tereza sabe desses problemas que maltratam sua comunidade, em suas caçadas de cachorro para pegar cotia, pensa nos problemas que seus filhos e netos um dia terão que enfrentar. A caça que alimenta sua família está ficando pouca, boa parte das chapadas que ficaram para sua família já foi vendida e/ou grilada. As terras das comunidades vizinhas também foram tomadas. O cerrado que se arrasta até as fronteiras do município de Barreirinhas já não é o mesmo. Barreirinhas tem leis próprias que proíbem o desmatamento do cerrado para o plantio de monocultivos -, acha-se que as caças que vivem nas áreas das chapadas e matas das Pedras e Sítio do Meio seja talvez as mesmas que se procriam nas comunidades de Barreirinhas.

A Tereza agradece seus filhos que lhe ajudam nessa tarefa, tanto na caça quanto na roça. Ela tem consciência que suas caçadas não agridem o meio ambiente, além disso ela protege as matas aos redores de sua casa e muito além de seu terreiro. A Tereza tem descendência de índios, talvez os Tremembés que habitaram nossa região há alguns séculos atrás. Boa parte dos moradores das Pedras e Sítio do Meio se parecem com indígenas – muitos deles nem sabem de sua história, os mais velhos contam passagem da vida dos índios. Permanecem com seus hábitos nativos de procriação, cultura agrícola, caça e pesca. As comunidades tradicionais e seus modos de vida merecem respeito dos órgãos competentes, os conflitos por terra e por água tem crescido bastante nesta região e em todo estado. Os trabalhadores rurais assim como a Tereza são os agentes de defesa da natureza e das praticas tradicionais que lhes ajudam nos meios de resistência e sobrevivência.

A Tereza caça porque gosta de caçar, seus pais lhe ensinaram o valor da vida e o respeito com o meio ambiente, ela repassa isso para seus filhos e netos. Os animais silvestres que ajudam na alimentação da família da Tereza estão migrando a procura de lugar seguro. A caça de subsistência é uma atividade comum das formas de atividades no dia-a-dia das comunidades tradicionais.

 José Antonio Basto