terça-feira, 10 de abril de 2018

O reconhecimento da obra de Sebastião Salgado e o reencontro de um camponês com seu passado de lutas

"Foices ao alto" - (foto: Sebastião Salgado)

Ele se reconheceria na famosa fotografia “Foices ao alto” do renomado fotógrafo Sebastião Salgado – este artista mineiro que foi internacionalmente reconhecido recebendo praticamente todos os principais prêmios de fotografia do mundo como prova de seu importante trabalho. Salgado que tem marca registrada nas técnicas em “preto e branco”. Quem diria aquele camponês se reconhecer em uma das fotos mais divulgadas e antigas de Salgado! Não se esperava um momento emocionante do velho Sr. Francisco Lopes dos Santos – vulgo Chico Mambira, rever-se novamente naquela fotografia, ele é o segundo da esquerda pra direita de chapéu com punho cerrado / braço erguido. Reconheceu-se e foi buscar sua esposa para lhe ver.
José Antonio Basto e Chico Mambira -, o mesmo da foto de Salgado
A foto foi utilizada como domínio público na capa do meu slide que prenunciava a “História da memória camponesa no Brasil”. Não fora por acaso que planejamos o Seminário de Formação Sindical com os Trabalhadores Rurais Agricultores (as) Familiares do humilde município de Belágua, Região do Baixo Parnaíba Maranhense, realizado em 16 de Março de 2018 – orientado e executado pelo “Grupo de Formadores Sindicais do Baixo Parnaíba”: Lúcia Vieira – Secretária Agrária da FETAEMA; José Antonio Basto – pesquisador e educador popular de Urbano Santos; Maria  Dapaz – Educadora Popular de São Benedito do Rio Preto e Desanildes Valentim – Educadora Popular de Urbano Santos. Levamos um tema um tão pouco polêmico e desafiador – uma provocação: “Terra, luta, Memória e Resistência do MSTTR”.
SLIDE
Durante o evento realizado na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores (as) Familiares de Belágua, tivemos um número suficiente de homens e mulheres do campo, a maioria da zona rural. Avançava-se nas análises de conjuntura com base na memória camponesa; pontos e trocadilhos do pensamento reflexivo que envolvia a situação atual das políticas sociais no Brasil – principalmente questões agrárias e trabalhistas. Acentos importantes foram apresentados em documentos de época no que diz respeito às ações camponesas nas décadas de 40, 50, 60, 70 e 80. Utilizando dados coletados pela CPT-MA, com fundamentação em duas grandes e históricas obras do Professor Alfredo Wagner: “Conflito e lutas dos trabalhadores rurais no Maranhão”, publicado em 1982 e, “Autonomia e Mobilização Politica dos Camponeses no Maranhão”, este com uma edição mais recente,
Livro I - do Prof. Alfredo Wagner
ilustrando um rico acervo de imagens e dados de conflitos agrários daquele tempo – um momento em que a luta começava na base e por terra; hoje se tem a terra, mas estamos perdendo os direitos conquistados lá no passado. O assunto abordado gerava um rico debate por parte de velhos militantes do movimento sindical e da (MEB – Movimento de Educação de Base) da Igreja Católica, levando em conta os acontecidos como os casos de violências e superação dos conflitos no campo nesta região Baixo Parnaíba -, inclusive o chocante assassinato de Zecandoca na década de 80 em Belágua e Bina Ramos do Povoado Surrão em Urbano Santos.
Ele se emocionara. E por pura ironia do destino reconhecer-se-ia na foto. Fez uma busca no passado e falou daquele episódio de 45 anos atrás -, durante a “Romaria da Terra” na Paraíba do Norte. Chico Mambira mora na Comunidade Pirinã – zona rural de Belágua, não detém de meios de comunicação tecnológica, reside num lugar distante de difícil acesso; vive com sua família da lavoura e dos frutos da terra, não sabe ler nem escrever é claro que também não sabia que aquela “fotografia” do qual faz parte, estaria disponível na internet, porém teve a humildade de pedir ao educador José Antonio Basto que a imprimisse para botá-la em um quadro e guardá-la como forma de boas lembranças das verdadeiras lutas de outrora.
Livro II - do Prof. Alfredo Wagner
Chico Mambira não conhece o Sebastião Salgado e nem Salgado lhe conhece, obviamente –, talvez uma ironia esta comparação, apesar de devermos entender do potencial cultural de cada um de nós, independentemente de fama, glória ou classe social. A foto está no “Museu de Maceió - AL e em outro “Museu de Paris”, mostrando a luta dos povos camponeses trabalhadores da terra – “a soberania política da organização social do campesinato na América Latina”. Tudo isso partindo do filme-documentário “O Sal da terra” dirigido por Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado, o documentário retrata o talento nato do fotógrafo, sua trajetória que mudara para sempre a fotografia no mundo, com um “jeito de olhar as coisas simples, enxergando seu grande valor”. Durante uma de suas importantes fases artísticas, Salgado concentrou-se na documentação do trabalho manual em todo o mundo, inclusive ”Os garimpeiros de Serra Pelada” e os indígenas do Brasil, publicada sob o nome de “TRABALHADORES RURAIS”, prestando serviço em várias agencias do Brasil e da Europa.

Participantes da formação 
Não caberia ali naquele momento entrar em detalhes sobre a vida e obra de Sebastião Salgado, apenas deixá-los a vontade desfrutando uma imagem forte e perseverante que representa, sobretudo a força do “Movimento Camponês” em seus parâmetros de organização social e política – seguido do conteúdo abordado. Um desafio aparecia para ser encaminhado em outras capacitações de camponeses pelo Maranhão. “Foices ao alto”, já tinha sido utilizada em diversos seminários e cursos de formações; possivelmente poucos sabiam do significado da foto. Chico Mambira se reencontrou com seus amigos de batalhas apenas na lembrança – viajava na linha do tempo sobre sua ótica há 45 anos atrás. Pois graças ao reconhecimento imortal da obra de Sebastião Salgado o velho camponês se reencontrou com seu passado de lutas.

José Antonio Basto
Assessor de Formação Agrária – STTR de Urbano Santos-MA
E-mail: bastosandero65@gmail.com


Nenhum comentário:

Postar um comentário