segunda-feira, 22 de junho de 2015

A chapada que lia e escrevia com a pena sobre o vento


O vento passava pelos bacurizeiros e pequizeiros, com sua força balançava os galhos das pitombeiras e candeias. A areia espalhava-se com esse forte vento levando as formigas saubeiras que ali trabalhavam incansavelmente em suas tocas; naquele ato formavam-se palavras e frases conduzidas pelos braços das árvores, essas mãos traçavam histórias passadas, contos do presente e do futuro. Quando era dia a chapada falava sobre o grunhido das unhas-de-gato, cachorrinhos e juritis cantavam ao longe e quando era noite ela adormecia com as cantigas do caburés, tudo parado, só se ouvia o roncado das palmeiras e dos buritizeiros nos brejais.

Ela sabia de tantas coisas que jamais esquecera de cada detalhe em suas narrações. Dissertava linhas sobre sua formação natural na geografia donde estava localizada a região e o território, recordou de quando a fauna e a flora era tão diferente na época dos tremembés, sem disputas, sem jogo... sem destruição da biodiversidade... naquele período tinha muita água, lagoas e grotiões falavam das fortes chuvas e de outros fenômenos,  os dias e as noites mudaram velozmente, sendo que muitas coisas também seguiram um outro ciclo.  As páginas perderam suas cores e vulgarizaram-se, a tinta já não mais celebrava a aquarela da vida, em telas de cânticos e recantos. O pensamento parou e se esgotou porque não havia mais conteúdo para seguir avante. Mesmo assim ela não deixou de produzir sobre o chão, aperfeiçoou sua técnica e a arte natural de sua própria arte de criação divina.

Aquela chapada sonhou que certa vez as pessoas morreriam de fome e de sede, pois tudo que os humanos necessitam como fonte de alimentação e respiração seria em verdade fornecido por seu espaço natural: os pomares, as águas... a terra. A inconsciência dos homens é a grande e triste prova da destruição hedionda, hipócritas e sem noção dos fatos que assola o planeta. A chapada despertou deste sonho, ficou cabisbaixa e chorou lágrimas de sangue, um pranto desceu escorregando por sua sensível face que por ventura também alimentou as fontes, os capins e macambiras. Passou-se mil anos e tudo que escrevera foi revelado; os tempos mudaram de curso, a profecia se juntou com os fatos no início, meio e fim. Então os escritos na terra vêm sobrevivendo a passagem do tempo e a chapada continua lá lendo e escrevendo.
 
José Antonio Basto
         (98) 98890-4162
 
 

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