segunda-feira, 13 de março de 2017

A vereda, o medo… e a coragem! (crônica de José Antonio Basto – II edição)

"Poço da obra" - (Comunidade Santa Maria).
Certo dia bateu uma velha saudade de visitar a Comunidade Quilombola de Santa Maria, terra de memórias e lendas que atravessara gerações, um pedaço de nossa rica história. Sem compromisso, fui até a casa do Sr. Nonato Crispim, velho corajoso que ainda prefere vestir-se à moda antiga, à moda caipira, com seu gibão, chapéu e alpargatas de couros, se parece mais um vaqueiro do que lavrador. Perguntei a ele como estava a área onde era localizada a antiga fazenda de cana de açúcar do fazendeiro João Paulo de Miranda, o velho não escutou direito, repeti novamente a mesma pergunta, ele respondeu dizendo que a área do engenho está sendo ameaçada, a intolerância caminha por lá, desde quando começaram a lutar pela terra – continuam ainda na batalha.
Fazia uma boa temporada que não visitava Santa Maria, atravessamos o Rio Boa Hora por cima de um buritizeiro e chegamos do outro lado com muitas dificuldades. Crispim que quase não se cala contava a famosa história de quando o antigo fazendeiro se apropriou da área no século XIX, agora a terra está sob processo tramitando no INCRA para desapropriação fundiária em beneficio da comunidade. Trilhamos as veredas fechadas repletas de espinho de tucum e coroatás, fomos primeiramente até um famoso pé de pequi que tem mais ou menos 150 anos de existência, (pequi-açú), árvore frondosa e admirável, os pequis alimentam muita gente em sua temporada de produção.
José Antonio Basto - (Muralhas de Santa Maria).
O Crispim que já tem mais de 90 anos de idade disse que quando era criança o pequizeiro já era daquele jeito, refletindo que a existência da fazenda tem um tempinho. Segundo informações dos antigos moradores, a história de Santa Maria remonta o período de meados do século XIX e inicio de XX, ciclos das fazendas no Baixo Paraíba Maranhense. João Paulo de Miranda veio do Piauí para montar seu engenho de açúcar e criar gado nas proximidades do Rio Boa Hora, desenvolveu seus trabalhos de produção de açúcar por isso teve que modificar a geografia do rio. Construiu uma parede de pedra para mudar o nível da água e assim facilitar a moenda da roda no córrego. Até hoje estão lá os vestígios das muralhas e pedras polidas que cercavam a área dos fornos e um calabouço que acredita-se ter sido construído para castigar negros fujões.
Visitamos cada peça que sobrou das paredes da antiga casa grande do fazendeiro e as casas de fornos, uma muralha de pedra guardava toda área, incluindo a casa grande e a senzala. Tudo dentro do matagal, acho que a área devia ser preservada e protegida por algum órgão do patrimônio histórico, mas nada tem sido feito. Muitos alunos com o auxilio de professores já visitaram aquele lugar, além de outros pesquisadores profissionais de universidades. Cansados, concluímos a visita e
Comunidade Santa Maria - (Baixo Parnaíba).
as fotos e por volta de meio dia retornamos para as moradias. Crispim já bastante cansado pela idade descansou um pouco debaixo das mangueiras para acrescentar suas histórias na linha do tempo. Disse que seu avô lhe contava sobre as brincadeiras dos escravos de João Paulo de Miranda, que após os trabalhos iam tocar tambor e berimbau para o lado da “chapada do meio”, um lugar bem distante das casas onde os antigos moradores praticavam o extrativismo do bacuri e pequi, hoje coberta de eucaliptos.
Ainda relembrou também sobre as passagens das negras que pegavam água em cabaças e as rezas de dor de dente que as benzedeiras consultavam em seus berços... O tempo foi passando e as histórias quase não tinham fim, foi daí então que o ancião Crispim começou a destrinchar as passagens da comunidade desde os tempos dos escravos e as atrocidades praticadas pelos feitores de João Paulo de Miranda. Disse que o fazendeiro quando foi embora, pegou toda sua riqueza e depositou dentro de um forno de cobre e colocou outro por cima e atirou tudo junto a um poço no rio, conhecido como “poço da obra” -, acredita-se de uma grande riqueza em ouro e prata que até hoje está lá no fundo d`água, o poço é vigiado por um peixe “surubim pintado” que continua assustando os moradores. Em fim… teve muitas outras versões dos contos orais do Sr. Crispim, onde imagina-se a potencia de informações de uma memória rica no que diz respeito a sabedoria nata daquele senhor de idade. Foi um grande aprendizado, além do medo nas veredas fechadas e a coragem de voltar pra casa.

José Antonio Basto
E-mail: bastosandero65@gmail.com

Texto publicado em 2014 no site https://www.ecodebate.com.br

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