domingo, 18 de fevereiro de 2024

O BACURI DE BEBEDOURO

 


O Viajante depois de mais de quinhentos dias fora de área voltara a escrever em sua velha máquina de datilografia. Pensava-se muito nas lutas proletárias e agrárias a qual fez parte. O problema da terra atormentava seu pensar, sua memória e sua inteligência. O sistema do capitalismo tenta resolver isso, mas nada se resolve – o que resta é apenas um sonho de uma “SOCIEDADE SOCIALISTA – sem exploradores e explorados”, mas não resolve nada, nada. Ou se aguarda resolver ainda. Romântico.  

O Viajante esteve numa certa reunião às margens do Rio Preto, ficava para aquelas bandas de um Bebedouro, do outro lado do rio ficava o Porção, outro grande povoado do mais importante município deste baixo parnaíba maranhense (Chapadinha). A terra era boa: muito coco babaçú, muitas matas, criações e caças. O Viajante esteve lá e apreciou as belezas naturais que aquela terra oferecia. Bebedouro fica entre o rio dos pretos e a chapada do “Marçal dos Onças”. Mas porque esse nome: “ Marçal dos Onças”? Fica a dúvida da nomenclatura da chapada. Talvez porque lá muito antigamente existiam onças? Não se sabe ao certo e nem o porquê.  O Marçal existe e é todo cercado por campos de gaúchos que plantam soja. A chapada que servia de espaço social da “onça” – agora foi substituída por grandes plantações de soja. Além disso, os sojicultores matam todo e qualquer animal que andam perto de seus arames.

O Viajante passava na caminhonete avistando os bacurizeiros. Pensava-se em parar para fotografá-los. Decidia-se parar! Mais na frente em meio a chapada estava lá um pé de mangaba. Mangaba é fruto raro na região. Do mês de janeiro a março é sua safra. Muitos animais degustam a mangaba. A arvore dá um leite que segundo a tradição desta região de Maranhão e Piauí se fazia bolas de futebol. E eram muito ligeiras. Ao lado das mangabas estavam os pés de bacuris cheios de frutos ainda verdes, mas quase maduros. O Bebedouro é um P.A  do INCRA e é uma das comunidades que compõe o acordo de preservação da chapada assinada pelo Ministério Público na Audiência Pública que aconteceu  no Povoado Juçaral. Acordo esse que foi assinado por todas as comunidades (associações) daquela região

O Bacuri de Bebedouro é raro. Um fruto diferenciado pelo volume de massa. A comunidade também é diferenciada por suas posições de pensamentos. O trabalho daqueles camponeses vai da produção de farinha de mandioca, caça silvestre, pesca e criações de animais como porco, galinha, gado e bode.

José Antonio Basto

Jan – 2024.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Do Mocambo ao Rio dos Pretos

 

Mocambo e Rio dos Pretos – dois nomes incomuns. O primeiro representa uma antiga denominação dos aldeamentos de escravos fugidos das fazendas, Mocambo na “Língua Kimbundu” – ainda falada na África na região do noroeste de Angola-África, quer dizer “esconderijo ou refúgio para as matas”, o mesmo que “quilombo”. Ainda acentuando, Kimbundu é umas das línguas nacionais de Angola – “do povo banto. O Português tem muitos empréstimos lexicais desta língua obtidos durante a colonização portuguesa no território angolano e através dos escravos angolanos que vieram para o Brasil

Mocambo também é o rio que corta a cidade de Urbano Santos, foi muito importante na época da insurreição dos Balaios no século XIX. O Viajante saia da sede de Urbano Santos rumo ao Povoado Bebedouro que fica sob as margens do Rio Preto – ou “Rio dos Pretos”, como era chamado antigamente. Teria uma tarefa na “Associação dos Trabalhadores Rurais do Povoado Bebedouro” – um Projeto de Assentamento para fins de Reforma Agrária que beneficiará 32 famílias camponeses que vivem do trabalho agrícola e do extrativismo. A terra de relevo, chapadas e carrascos – limitam com o “Rio dos Pretos”. Muitas criações de diversos animais, mas o que predomina é a de cabras e porcos. Do outro lado se observa a serra da Comunidade “Porções” – município de Chapadinha. Povoados e territórios trilhados há cento e setenta anos atrás pelos Balaios que por ali se escondiam das forças da legalidade. O “Mocambo” se interliga com o “Rio dos Pretos”, algo se interliga com a história nas duas nomenclaturas: “Preto e Mocambo”. Os dois fazem parte da “Bacia hidrográfica do Rio Munim” – este também que assistiu muitos combates da Balaiada. O Viajante refletia sobre todos esses assuntos, mas a direção do pensamento inquietava, se reuniria com os moradores de Bebedouro para falar do processo da terra e dos programas sociais de habitação rural. A “Reforma Agrária é a reorganização da estrutura fundiária com o objetivo de promover e proporcionar a redistribuição das propriedades rurais, ou seja, efetuar a distribuição da terra para a realização de sua principal função social. Romanticamente a terra é de todos e para todos. Houve um dia em que as sociedades primitivas faziam do trabalho um feito para suprir as necessidades básicas e imediatas do grupo familiar; não havendo preocupação com acúmulos ou sobras, portanto a terra pertencia a todos e não havia escravidão. Os tempos mudaram e as sociedades partiram para o capitalismo. O território de “Bebedouro”, “Juçaral” e “Todos os Santos” muito tem sofrido com problemas socioambientais que vai da expropriação de terras, conflitos e impacto direto nas comunidades tradicionais. Os trabalhos seriam realizados na sede da associação. Dona Raimundinha - antiga militante das CEBs e filha do Sr. Calixto - primeiro morador do Bebedouro, fala dos grandes desafios que os morares enfrentam no dia-a-dia. Comunidade carente, mas consciente da luta pela terra. Receberam o titulo de desapropriação e agora partem para outros projetos. As casas cobertas de palha e paredes de taipa – ainda deixa escrito nas veias do tempo que as desigualdades sociais ainda é constante em nossa sociedade.   

O Viajante retornava pelos caminhos aplainados e cobertos de eucaliptos que sumiam no horizonte. As flores de bacuri e pequi enfeitavam as chapadas, sinal de uma boa safra dos frutos no ano quem vem. Marcava-se no mapa a trajetória do “Mocambo ao Rio dos Pretos”. E vice-versa; a terra avermelhava o chão da chapada. 

 

José Antonio Basto

 

 

 

 

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Cerrado do Tocantins

O ônibus passava com rapidez

Da janela avistavam-se as copas

Das matas por cima dos carrascos

Sobre a luz do sol que morria

Numa ultima visão da floresta

Os campos de capim-dourado reluzentes

Eram como esteiras de ouro que clamavam

Por um espaço natural assim como antes...

Os gados pastavam nas fazendas -

Podia se avistar aldeias indígenas

Na beira da estrada...

Povos que antes tiravam do cerrado o

Necessário para suas sobrevivências

A natureza que morrera pela mão do homem

A natureza que chorou e continua chorando

Que implora por dias melhores.

Para ultima lembrança do viajante

Ficara o quadro do Rio Tocantins

Com suas águas azuis correndo rumo a Amazônia

E que também não escapara

Do impacto da barragem.

               

José Antonio Basto

Tocantins, 13 de agosto de 2015

 

 

 

quarta-feira, 19 de julho de 2023

A chuva não atrapalhara a visita

A primeira reunião não dera certo. Não por causa da chuva, foi pelo contratempo. Estava quase tudo certo para a reunião do Fórum Carajás no P.A Baixão / Bacaba, zona rural de Urbano Santos. Os membros do Fórum Carajás conversariam com os moradores do assentamento naquele dia, com o intuito de ajudá-los através de um pequeno projeto de galinha caipira financiado pela ONG – “ASW da Alemanha”. Esses projetos espalhados por toda região do Baixo Parnaíba tem como principal objetivo fortalecer a renda familiar e a segurança alimentar das famílias camponesas – principalmente aquelas que vivem próximos às plantações de eucaliptos e soja - vítima do impacto direto do agronegócio. Visam também dá uma injeção de ânimo naqueles que lutam pela permanência física e cultural em seus territórios tradicionais, ou melhor dizendo, os que lutam pela terra. Uma iniciativa muito importante onde se trabalha com pouco, mas o suficiente para levantar e manter erguida a bandeira da agroecologia na região. Os desafios são grandes; experiências que dão certo e as vezes não. A intenção de ajudar os menos favorecidos gera “ciúmes” em alguns momentos, em algumas situações. Entidades como o Fórum Carajás são consideradas importantes para as comunidades tradicionais, outra reunião fora marcada com o mesmo objetivo. Informar aos assentados do Baixão/ Bacaba sobre a situação da realidade agraria no Brasil. Os problemas de acesso aos projetos para assentados e assentadas da Reforma Agrária. Conversaríamos sobre a questão do “Programa Minha Casa Minha Vida Rural”, donde eles tem demandas. É só uma questão de tempo. Além do Programa “Pronaf Mulher” e Projeto Agroextrativista  na Reserva Ecológica separada pelo INCRA – obedecendo a lei. A Comunidade Baixão dos Loteros tem uma historia  voltada para a colonização dessas terras, assim como a maioria das comunidades tradicionais habitadas por sertanejos há séculos neste pedaço de chão que é o Baixo Parnaíba maranhense. Quando o Baixão começou a ser colonizado partiu da construção de um curral para botar gado, depois veio a casa de fazenda que foi feita por uma das “famílias influentes”. Conta-se que possivelmente fora um “Quilombo de Negros” escravizados no passado. Por ficar em uma área estratégica entre a chapada e a mata – por onde passa um riacho batizado com o mesmo nome do povoado. Ali se desenvolvera a cultura de criação de gado e a produção de farinha – esta ultima, permanecendo e transformando o Baixão  em um vilarejo dos mais respeitados na fabricação de farinha de puba em Urbano Santos. Os conflitos sempre existiram nesta região. O saudoso Nonato Valentim na década de 80 foi um dos líderes da luta pela terra. Período esse um tão pouco difícil por ser ainda na ditadura militar. Os Camponeses tinham o apoio das Comunidades Eclesiais de Base  - (CEBs), que até então surgia na historia como um “Novo Sujeito Popular” e orientação sociopolítica e religiosa da Igreja Católica. A história se contradiz nas entrelinhas de quem a escreve. Poucos se escreve sobre conflitos fundiários – muito menos colocando o campesinato como figura importante no cenário político de transformação social e econômica. Mas na verdade quem assegura o alimentando na mesa dos brasileiros? Quem protege o pouco que resta das matas e cabeceiras de rios? Quem está preocupado com a água que abastece as comunidades e as cidades? A agricultura tem ajudado no entendimento de muitos em saber que a saída para melhoria de nossas vidas é a conquista, ocupação e produção da terra. Reunião dera certo – 27/02/2019. Avisava-se com tempo. Apesar da chuva foi possível uma reunião com os moradores do Baixão dos Loteros. Para melhores esclarecimentos sobre a vida da comunidade e a parceria de ajudar nesse processo de solidariedade e esperança.

 

José Antônio Basto

       

terça-feira, 20 de junho de 2023

Pelas trilhas do assentamento

     Pensava-se num trabalho, um tão quanto literário –, quase crítico, mas não tanto assim. O “Programa Jovem Saber” da Contag e Fetaema – em parceria com os STTRs, convidara-nos para uma pequena pesquisa na casa de um morador do “P.A – Projeto de Assentamento do Povoado Estiva da Mangabeira”, em Urbano Santos, Baixo Parnaíba maranhense. Friviar por aquelas bandas é relembrar o passado histórico do processo de dominação das terras de famílias influentes que detinham do poder cartorial e da estrutura agrária herdada pelos portugueses desde o império do Brasil - para suas elevações econômicas. Pois terra sempre foi sinônimo de capital e poder. Isso é fato.

    Três companheiros seguiram numa manhã cedo de inverno para desenvolver as pesquisas e aproveitar para visitar velhos amigos de lutas durante o percurso. Eram seis horas da manhã, quando o carro buzinava convidando para seguir cortando os povoados: “Bacaba, Frankylândia, Palmeirinha, Cacimbinha, Baixa do Cocal I e II, Ingá, Santana, São Felipe, Primavera, Mangabeira Velha até Estiva da Mangabeira (Fazenda São Paulo). O “6º Módulo de estudo do Programa Jovem saber”, convidou-nos para uma experiência sistemática, prática e teórica sobre o entendimento do processo de Reforma Agrária no município onde vivemos, suas indiferenças, sonhos e utopias. Um romantismo pregado que se alicerça no pensamento e que algum dia possa chegar como direitos, poeticamente no canto: “Nosso direito vem”.. [...]. Convidava para uma reflexão sobre a participação da juventude na “política de sucessão rural”. Na participação como agentes sucessores da Reforma Agrária, críticos e voluntários de um trabalho de seus avós que começaram há muito tempo atrás e que eles devem entender sobre a continuação desta obra. As brigas de terra para aquelas bandas e em toda região próximas ao rio preguiças são bem antigas – porque remontam o ciclo das fazendas de cana; assim também como em boa parte dos territórios que ligavam as estradas de acesso à cidade de Brejo e Vila de Miritiba. Na narrativa que se tratava das primeiras lutas na área que foi desapropriada pelo Incra, retrata a resistência dos trabalhadores rurais em não aceitar a pagar mais uma parte de sua produção para os donos da terra. O capítulo é bem antigo desde a habitação dos caboclos sertanejos na época da Balaiada em meados do século XIX. Mas só começaram de fato se organizar na luta pela terra na década de 60 e 70 – anos esses em que o “movimento camponês” ganhava notoriedade no cenário nacional, principalmente no Nordeste, sendo esta, a mais velha categoria e movimento - MSTTR, que tardou tanto para se organizar. Isso vale lembrar a grande participação dos padres e o papel da Igreja Católica na MEB – (Movimento de Educação de Base) e da fundação das CEBs - (Comunidades Eclesiais de Base) – no leste maranhense. A luta organizada dos camponeses resultou depois de quinze e vinte anos na desapropriação do complexo de “Assentamento Mangueira / Data Mangabeira” na década de noventa. Foi o inicio de uma batalha que deu os primeiros passos com relação à posse da terra e a construção de pequenas e rudimentares casas para as famílias cadastradas. O morador o qual nos recebeu falava do problema da comunicação social naquela época, que para se deslocar até a cidade de Urbano Santos ou tinha que ir a pé ou de animal... na maioria das vezes andavam de trinta a quarenta quilômetros para resolver seus negócios na cidade. Ele faz uma autocrítica sobre a realidade da reforma agraria, que não é apenas nos assentamentos de Urbano Santos, mas em todo país – principalmente agora com o retrocesso de transformações politicas do atual governo central: “No Brasil não existe reforma agrária, existe apenas uma pequena política de assentamentos fundiários e agora infelizmente ameaçado, explica”. Dá-se ao entender que no entendimento daquele assentado a reforma agraria não é simplesmente assentar famílias camponesas no meio da chapada seca sem água e sem assistência técnica para a agricultura, sem os meios necessários para sobreviver. Deve no mínimo se ter infraestrutura básica, saúde, assistência técnica, educação e outras politicas de desenvolvimento social que completam o verdadeiro sentido da Reforma Agraria, que estão muito longe de nossa realidade.

    A família mora e produz na terra: pimenta malagueta, coco da praia, farinha de puba e criam pequenos animais para a alimentação. Sobre as laterais da casa tem um grande morro com árvores preservadas, além de um riacho de águas claras que passa na frente da moradia. O trabalho foi concluído até meio dia. Será editado e enviado para a coordenação da Fetaema e em seguida para a Contag para avaliação. Foi muito válido o aprendizado para conhecer mais de perto a realidade da historia do assentamento. Página essa que as vezes, ou talvez, a maioria dos moradores não conhecem. Voltamos pela mesma trilha com mais uma das tantas tarefas cumpridas.

 

José Antonio Basto

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Havia uma chapada que lutava

Ela cantava junto aos passarinhos, junto ao céu azul... seu chão avermelhado clamava pela vida, o campo era denso, os capins com suas lágrimas e orvalhos lutavam pelo bem de todo seu povo, de toda sua biodiversidade. Ela lutava pelas comunidades que habitam seu espaço territorial. Aquela chapada ficava nos confins do leste maranhense, no Baixo Parnaíba, terra de conflitos e problemas socioambientais. Outrora sua realidade era totalmente diferente, havia muitos animais por lá... pedras que jorravam água em suas cabeceiras. O sonho não terminara, apesar da problemática da monocultura que invadiu suas áreas de florestas e brejos; talvez a esperança possa inundar o pensamento de otimismo sobre a calmaria de uma cabeceira de rio; uma nova história será contada com as verdadeiras personagens desse teatro real, no cenário dos desprovidos que batalham por direitos sociais. Os bacuris daquela chapada reclamam até os dias de hoje, pois o mundo em que moram estar devastado pela ganancia da monocultura. As comunidades agroextrativistas viajam pelo cerrado, em seus afazeres na colheita dos frutos, em seus roçados, em suas caçadas – a mãe natureza suprem as necessidades do bem comum de todos que acreditam e lhes protegem, ali “Havia uma chapada que lutava” na esperança de novos tempos.

José Antonio Basto

 

domingo, 28 de novembro de 2021

A casinha do Balaio

 


Lá estava ela, a casinha do balaio!

À beira do caminho nas veredas do sertão...

De palhas de coco e bem humilde!

Sobre a mesa uma lamparina clareava a escuridão.


Lá o pote no cambito, uma forquilha!

Nos terreiros das folhas o vivo jasmineiro

O carrapicho alegre jogava sua semente...

E brotava do ofício um ancião mensageiro.


O balaio carregava sua cabaça a tira-colo!

E voltava com a espingarda de uma caçada 

_ Nem um tiro! E nada nestas matas!

Roncava a liberdade nas chapadas. 


Rio dos pretos, águas barrentas na folhagem...

Cantavam as galinhas, ao longe um latido!

Escutava-se a pancada do velho machado...

E o babaçú nas palmeiras um batido. 


Quebradeiras numa técnica sem igual...

A panela cozinhava um tatú...

De longe da Lagoa Amarela se ouvia:

Pela madrugada o cantar do cururu.


A casinha do balaio lá estava com seus brilhos!

Bem plantada numa terra de memória!

Balaiada quase dois séculos já escrita 

No livro do panteon da história.


José Antonio Basto

Novembro - 2021.