segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

EXPERIÊNCIAS SUSTENTÁVEIS DE MULHERES EXTRATIVISTAS E GRUPOS FAMILIARES COM MODOS DE PRODUÇÃO SOCIOECONÔMICA DO MUNICÍPIO DE URBANO SANTOS-MA.

COLETORAS DE BACURI, PEQUI E OUTROS FRUTOS DO CERRADO – COMUNIDADE SÃO RAIMUNDO – URBANO SANTOS-MA.

D. Maria e seus bacuris 
Este ofício tem por tradição a mão de obra das mulheres camponesas que na temporada do bacuri, pequi e outros frutos do cerrado que vai de janeiro a março, elas saem cedinho com seus cofos, mulas e jacás para a colheita dos frutos especiais das chapadas do município de Urbano Santos e toda região do Baixo Parnaíba maranhense. O bacuri é o mais desejado e importante dos frutos, rico em vitaminas, nativo da floresta tropical amazônica, essa fruta pouco maior que uma laranja, com pele mais espessa de uma cor amarelo-limão pertence à família (Guttiferae), oferece muitos benefícios para a saúde e é usado em cremes, geleias, doces, bolos, purê e licores. O bacurizeiro, conhecido cientificamente como (Platonia insignis) pode atingir mais de 30 metros de altura, com tronco de até 2 metros de diâmetro nas árvores mais desenvolvidas. Sua madeira considerada nobre também tem variadas aplicações, mas é proibida a derrubada, apesar dos crimes de capitação ilegal. É encontrada naturalmente desde o Piauí seguindo a costa do Pará até o Maranhão. A massa possui alguns nutrientes em ​​quantidades notáveis de fósforo, potássio, ferro, cálcio e vitamina C; a casca também é aproveitada na culinária regional e o óleo extraído de suas sementes é usado como anti-inflamatório e cicatrizante na medicina popular e na indústria de cosméticos. Comunidades tradicionais de Urbano Santos como São Raimundo, Boa União, Bom Princípio e Bracinho praticam o extrativismo do bacuri servindo como fonte de renda para as famílias camponesas, além de uma alimentação saudável.
Francisca colhendo os bacuris
Um dos problemas nesse período de safra é a derrubada do fruto ainda verde, mas as associações destas comunidades citadas se juntaram para defender o território (chapadas) e criaram autonomamente uma lei (norma conjunta) que proíbe a derrubada do bacuri verde, pois o bacuri para ser colhido deve-se esperar o fruto cair de maduro – assim colaborando para a reprodução da espécie - quando se joga rebolo e bagunça seus galhos, no ano seguinte aquele pé não brota mais, atrasa de 1 a 2 anos para voltar ao normal.  Com leis severas, o conselho de fiscalização formado pelos presidentes das associações acordado na norma conjunta desde algum tempo já fazem a fiscalização rondando as variantes das áreas, punindo aqueles que desobedecerem as leis do Estatuto Social das entidades e o documento oficial que foi discutido coletivamente deliberado e aprovado para o bem do território. Os moradores do São Raimundo, Boa União, Bom Princípio e Bracinho lutam pela terra, batalham pela sobrevivência em convivência com a natureza. Chegando agora o período do inverno os frutos desabam no chão, homens e mulheres sobem o carrasco para a colheita, uma enorme alegria. Os catadores (as) devem ter a consciência de colher o bacuri no tempo certo, essa prática faz parte de sua cultura. Problemas fundiários que se arrastam há décadas envolvendo empresas do agronegócio e latifundiários vem atrapalhando os modos de vida destas comunidades tradicionais.

PRODUÇÃO DE FARINHA – COMUNIDADE QUILOMBOLA DE SANTA MARIA E COMUNIDADE BOM PRINCÍPIO – URBANO SANTOS-MA.

Roda de descascar mandioca
 A puba é a mandioca amolecida em cima do giral (base de madeira coberto de palha), pronta para ser levada ao banco do caititú para a trituração. A massa é extraída da mandioca fermentada e largamente utilizada na produção de (farinha de puba), além de bolos, biscoitos e diversas outras receitas típicas do norte e nordeste. O processo de obtenção da puba consiste em deixar a mandioca de molho num recipiente com água, antigamente se utilizava os chamados “pubeiros” - um espaço no rio oulagoas, cercado de madeira ou palhas, atualmente os tradicionais pubeiros foram substituidos por tanques de cimento. Depois de tres dias a mandioca deverá estar mole. Deve-se então escorrer a água e lavar abundantemente a mandioca ralando-a em seguida. Depois de ralada, deve-se escorrer completamente o líquido nos tapitis, a massa seca é peneirada e jogada no forno aquecido para se transformar em farinha. Dois forneiros fazem o serviço: um passa a massa, o outro seca a farinha, este é o momento do “apuramento”.
Enxugando a massa
A farinha antigamente era empaneirada nos côfos, agora se embala o produto em sacas, com medidas de 75 litros em cada saca. O município de Urbano Santo já foi campenão na produção d
e farinha no estado do Maranhão. A farinha de mandioca, farinha de puba ou farinha d`água e farinha seca é um derivado da matéria prima da mandioca, conhecida cientificamente por “Manihot esculenta.” A arte de fazer farinha é uma atividade centenária herdada dos nossos ancestrais indígenas da América Latina. Há estudos afirmativos que a fabricação de farinha no Brasil tenha também a contribuição cultural dos africanos que aqui trabalharam como escravos nos séculos XVI, XVII, XVII e XIX. As mulheres tem uma grande contribuição no processo da farinhada – conhecimentos que passam de geração para geração; desde a  chamada “arranca”, ao ponto final. As rodas de descacar mandioca são animadas nas casas de forno. Os lavradores e lavradoras tem o costume de fabricar os cofos artesanalmente (cestos de palha de babaçu ou palmeira najá) e colher folhas de axixá, guarimã ou bananeiras para o forro. Os paneiros são forrados com as folhas para o alojamento da farinha pronta para a alimentação.  Portanto chega-se ao fim da farinhada – de julho a outubro. Os agricultores vendem a farinha para resolver seus negócios, uma fonte de renda muito forte que precisa ser ajustada seu preço e mais atenção do comércio.  Nos anos oitenta e noventa em Urbano Santos era muito comum os camponeses se preparar para a farinhada com o intuito de vendê-la para conseguir algum dinheiro e passar o “FESTEJO DA NATIVIDADE” de 1º a 7 de Setembro. Essa tradição é mantida até os dias de hoje em nossa cultura. O município já foi grande campeão na fabricação de farinha. Isso deve ser reconhecido, pois as gerações contemporâneas e futuras podem tomar conhecimento desse maravilhoso processo que contribui para o avanço do nosso município na questão socioeconômica, cultural e social, perpetuando-se de gerações para gerações. “Farinhada é motivo de alegria, força de trabalho rural, cultura e desenvolvimento sustentável e solidário.

 QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇÚ – COMUNIDADE CAJAZEIRAS E BEBEDOURO – URBANO SANTOS-MA.

Roda das quebradeiras de coco babaçú
Elas forma uma roda com seus machados e cofos, antes disso as mulheres preparam os montes de coco (juntam as cargas e amontuam em baixo dos pés), para dá-se início a quebra do coco. Começa ali o som dos cassetes nos machados soando pela densa mata fechada. Durante o trabalho os assuntos e conversas envolvem tradicionalmente o dia-a-dia das comunidades, os afazeres domésticos, pescarias e os serviços da roça, donde os maridos estão também a trabalho. As mulheres mais jovens aprendem as técnicas e experiências com as mais velhas e esse conhecimento vai se perpetuando de geração para geração. O MIQCB – Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçú tem sido o principal alicerce da luta por direito e defesa dos territórios das extrativistas quebradeiras de coco que se organizam em associações comunitárias. O Maranhão é o estado de maior concentração dos índices de produção de amêndoa de babaçú comercializada para o resto do país.
D. Raimundinha juntando seus cocos babaçú
Em Cajazeiras e Bebedouro – zona rural de Urbano Santos o babaçú é extraído oficialmente para a produção de azeite, que chega hoje um valor de 15 reais por litro. Mas além disso ainda existem compradores que passam pelas comunidades rurais, outrora este tipo de comércio era mais forte – teve uma baixa por causas dos programas sociais que elevou a situação social de muita gente da zona rural – pois há algum tempo atrás, as famílias camponesas que moravam em áreas de cocais usufruíam desse sistema extrativista para o aumento da renda familiar.
Tudo se aproveita da palmeira de babaçu – uma espécie de mil utilidades: cocos, folhas e talos são utilizados na confecção de diferentes tipos de artesanatos, produzidos pelas mulheres. A partir da riqueza das possibilidades de utilização, essas partes do babaçú se transformam em matéria-prima para a confecção de diversas peças e também em alguns casos o coco estragado (coco velho) também é utilizado para a fabricação de carvão usados em indústrias.
Texto e imagens: José Antonio Basto (98) 98607-6807 / 98 98494-0123.
Urbano Santos-MA, Dezembro – 2017.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

A queimada

Tela - domínio público: "Entardecer no cerrado" - de Carmem Fraga.
Era densa a fumaça da existência, voava pra lá do além-mar, parecia a “Rosa de Hiroshima”! Queimava-se tudo! E ainda o fogo seco desbrava a natura de modo inconcebível. Os ventos trançavam as moitas da chapada e as palhas das palmeiras, o mato fazia zig-zag e a neblina apresentava seu furor! Sobre um véu de púrpura aconchegava a noite fria que se dizia mãe da boemia. No dia seguinte, pela madrugada ainda escura, o orvalho caia sobre o sereno da tempestade que azulava o céu cor de anil -, relembrava-se e voltava-se para a fonte da juventude. Raios no horizonte e trovões no poente. A queimada continuava lá! A terra preta na poeira dos sonhos frigidos de outrora, mesclava um fenômeno sem igual. O campestre calado sofrendo as dores, não reclamava nada, pois a chama crescia a cada hora e se estendia ao sopro do vento leste. Festa se avista pelo espaço com a cinza que enfeita os ares. A queimada renascia brotando novos frutos para uma nova safra. O alimento das mesas dos viventes, humanos e animais da terra. Todos necessitam daquela área agora quase sem vida, poucos sabem disso, mas muitos não tem a consciência de ajudar naquilo que é de mais necessário. Acreditava-se que a chapada não se recuperaria nunca. Bom é saber que o meio ambiente tem seu poder magnífico de se recuperar – explorado e indefeso, consegue dá o troco nos mesmos que lhe agridem por falta de consciência. São intolerantes! A ingenuidade de alguns trazem a malicia para muitos, já o canto de alegria e o otimismo de poucos fazem brotar bons frutos e retoma a vontade de viver. A água das fontes naturais já não existem mais, roubaram da natureza o que ela tinha de mais valioso, furtaram a historia, roubaram sua memória, roubaram quase tudo e ainda lhe assassinaram. “Dizem que o coração ver o que os olhos não enxergam”. O riacho atravessa os campos, leva sua beleza pelas florestas saudáveis. Esvai-se para o mar trilhando a areia do tempo, não deixando as pegadas para despistar o inimigo – na mensagem pacifica e na lembrança de heróis que tombaram mas deixaram o sangue tatuado no solo vermelho da arena dos valentes e corajosos. A queimada estava “ali e acolá” em meio à prosa no ensaio lírico e romântico que só o tempo consegue ler e entender direito. E para sempre.


José Antonio Basto   

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

De um lado a defesa, do outro a exploração!

Quantas desavenças, quantos conflitos na insistência pela terra – ela foi formada há muito tempo atrás, mas não foi distribuída e nem atestada pra ninguém. Quem pratica seu bem social deve merecê-la por direito! De um lado a defesa para o bem comum do uso social, do outro a expropriação e espoliação de quem reside, devastam para lucrar com seus bens naturais. Quem mora, defende para o cultivo salvando o que ainda resta de natural. Quem morou lá há um século? Quem trabalhava lá no sustento da família? Quem catava coco, bacuri, pequi? Quem sempre viveu da chapada? O território tem como donos os que dizem ser seus próprios papeis vivos – quanto tempo já se passou! As capitanias hereditárias não mais existem e rudimentalizaram sua política da estrutura agrária! Quem usa e ocupa a terra são seus donos... Os verdadeiros documentos. Que a ciência, a topografia, os mapas forjados e o dinheiro tentem desmentir o sentimento cultural – não prevalece! Os sonhos estão lá plantados e regados de sangue, suor e luta. Estão lá as tumbas, os saberes, as roças, a água e a sobrevivência dos filhos e netos. Ouve-se um tempo em que tudo era diferente, a coletividade, o desapego, mutirões e solidariedade imperava no meio das comunidades. Todos faziam seus ofícios num código de bom censo. Muita fartura de tudo. De repente chega o chamado progresso na promessa de modernização do meio social e do campo – aconteceu de outro modo, na enganação inicial para o uso do espaço. Entra no jogo a grilagem com o nascimento de documentos nunca encontrados, os viventes ficaram sem entender o que se passava. Suas terras foram colonizadas por espécies estranhas daquelas que eram acostumados verem – a dinâmica do consumismo permitira todo esse retrocesso de dor e transformação no meio ambiente. O que diziam ser um pequeno espaço para uma experiência que achavam não dá certo se alargava as florestas por toda região, tomaram conta de quase tudo e substituíram o cerrado – levando consigo a violência e a intimidação dos verdadeiros defensores. O Pessoa ensinou que “Tudo vale a pena / quando a alma não é pequena”. Todos defendem sua casa, isso é mais do que justo e normal. A mãe sempre defende sua cria porque sabe que ela é indefesa. O sonho se renova em meio ao conflito. A esperança é o alicerce de alimentação do ideal. Planta-se uma nova semente na esperança de germinar e brotar novos bons frutos não apenas para os de hoje, mas em memória dos de ontem e apostando nos de amanhã.

José Antonio Basto