segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A chapada do Marçal dos Onças e as palavras do Benedito

Na sequidão em que nós estamos hoje em dia, a chapada devastada, seca mais”, dizia o velho Benedito Onça, um dos moradores mais antigos da comunidade Marçal dos Onças, numa denúncia ao STTR de Urbano Santos sobre os crimes ambientais praticados por lá. A chapada do Marçal é umas das mais belas e apreciáveis da região; seus moradores vivem da agricultura familiar e da coleta do bacuri. Um dos problemas que preocupa o Benedito é a extração de madeira ilegal da área que pertence sua família. Segundo ele, caminhões saem carregados de madeira nativa como candeia, barbatimão, pequizeiros e bacurizeiros, ele acha isso um absurdo! E como não poderia ser! Além desse grave problema, um Gaúcho diz que comprou parte da terra devoluta do estado que por direito pertence à associação de moradores; muitos animais já foram assassinados pelo dito Gaúcho. Os animais dos camponeses que pastam aos arredores do arame são recebidos a tiros, seja jumento, gado, cavalo, porco e até bichos domésticos. A terra que já deveria ter sido regularizada pelo Iterma para a família Onça, ainda aguarda as vontades do governo. A situação fundiária no município de Urbano Santos não é diferente de outros municípios do Baixo Parnaíba. Há mais de três décadas que o agronegócio do eucalipto e outras monoculturas causam danos nas áreas das comunidades rurais. O Marçal é também cercado de eucalipto, assim como os povoados “Todos os Santos e Juçaral”. A chapada mãe de “Todos os Santos” que lhe alimenta de frutos e caça, onde está a principal cabeceira do riacho Chibéu - aquela região continua dilacerada pelo programa da monocultura do eucalipto. O falecido Rio Chibeu que fornecia água e peixe para a comunidade, hoje fica apenas na lembrança, ele é mais uma vítima do grande impacto ambiental e social, por onde corria suas águas, se ver agora apenas a areia branca. O Benedito Onça tinha certeza quando falava dos problemas ambientais na chapada onde nasceu e foi criado, ainda contava que na época de criança tudo era diferente; a fartura de bacuri atraia não apenas os moradores do Marçal, mas também adjacências. A chapada, no sentido figurado e coletivo não existe fronteira, nem donos... ela é de todos... dos pássaros, dos animais silvestres das pessoas que lhe tratam com respeito e carinho – ela precisa ser preservada para o bem comum dos povos! Salve a chapada do Marçal e a coragem do Benedito Onça.

José Antonio Basto
e-mail: bastosandero65@gmail.com

                                                               

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

A concentração de terra, capital e poder...

       No Brasil ainda não se tem um modelo específico de reforma agrária, existe apenas uma rudimentar política de assentamentos fundiários, durante batalhas no campo muitas lideranças tombaram na luta e no movimento pela posse da terra. Mas uma coisa pode estar certa, os assentados da Reforma Agrária talvez não tenham muitas coisas – poder aquisitivo, riquezas...  mas já são beneficiários de um programa reivindicado há séculos. O assentado ainda não tem tudo como diz a lei e o projeto, mas tem uma casa para morar com sua família, faz parte de uma associação e tem um cercado para plantar seu maxixe, quiabo e abóbora, sabe-se que ainda falta muita coisas pra se avançar a respeito desse tema. A Reforma Agrária na Europa e em alguns outros países desenvolvidos foi feita nos séculos XVIII e XIX. No início da história do Brasil, a propriedade da terra era de domínio da Coroa e poderia ser doada, segundo critérios da própria Coroa, a quem solicitasse, de acordo com a condição econômica que tal sujeito detinha e também segundo serviços que o mesmo tinha prestado à Coroa, isso ainda funciona até os dias de hoje, pois a terra é “instrumento de poder”.
       Para melhor exemplificar e acentuar essa questão, nosso estado (Maranhão), vem sofrendo desde tempos remotos, quando diz respeito aos assuntos agrários. O acesso aos recursos fundiários estão relacionados às políticas governamentais que vem se desenvolvendo desde o final dos anos 70 e que tiveram como marco inicial a edição da chamada “Lei Sarney de Terras”, que objetivou a transferências de imensas extensões territoriais do Estado a grupos empresariais do nordeste e centro-sul do país. Com isso, os trabalhadores do campo foram e continuam sendo expulsos de seus  territórios; de suas áreas agricultáveis e reservas extrativistas como as “chapadas do Baixo Parnaíba” que vem sendo destruídas pelo agronegócio da soja e do eucalipto causando então uma verdadeira transformação radical no meio ambiente e na vida das comunidades rurais.
       Voltando na história, o projeto da “Lei de Terras” de 1850, que esteve em discussão na câmara dos deputados e já beneficiava os latifundiários daquela época, regulamentava o acesso à terra: mas que regulamentação foi essa? Tal projeto somente proibia a aquisição de terras públicas por outro meio que não fosse a compra. O valor era altíssimo e ainda havia um Imposto Territorial, que era para garantir que o proprietário nela produzisse, mas ainda assim o proprietário tinha a autonomia para decidir de que forma utilizaria a terra. Com tais métodos vemos o acesso à terra historicamente sendo tratado como simples mercadoria, fonte de poder e prestígio social, pois somente tinha acesso à mesma quem pudesse comprá-la e explorá-la lucrativamente. A história do Brasil escrita pela burguesia diz que no começo da colonização, a terra era vista como parte do patrimônio pessoal do rei. A fim de adquirir um lote de terra, alguém tinha que solicitar uma doação pessoal. A decisão do rei para a concessão do privilégio era baseada na avaliação do pretendente, o que implicava considerar seu status social, suas qualidades pessoais e seus serviços prestados à Coroa. Desta forma, a aquisição de terras, apesar de regulamentada pela lei, derivava do arbitrium real e não de um direito inerente ao pretendente.
       A concentração de terra e poder em nosso país nas mãos de latifundiários e grandes empresas é um fenômeno causador do auto índice de violência e desacatos aos direitos humanos no campo, ocasionando assim a não expansão do território para outras áreas, terras ociosas e especulação agrária. Segundo o IBGE, o Brasil possui uma das estruturas fundiárias mais desiguais do mundo. Enquanto pequenos lotes com menos de 10 hectares ocupam 2,7% da soma de propriedades rurais, grandes fazendas e florestas de monocultivos com mais de 1.000 hectares concentram 43% do total, o número de assentados é mínimo, a Reforma Agrária não tem crescido nos últimos anos; pois os atuais representantes do Congresso Nacional são os próprios latifundiários e parlamentares de favores que suprem os interesses do grande capital; o capital que não pensa para se dá bem, tentando passar por cima das leis conquistada e pelos direitos do povo e das populações tradicionais. Não resta dúvidas que a situação apresentada é o reflexo da política agrária adotada desde quinhentos anos atrás. Tal concentração e poder, a especulação agrária, o avanço do agronegócio e as tecnologias de ponta, são causadores dos tantos desempregos no campo, da falta de água, da devastação do cerrado, expulsão dos camponeses e do inchaço dos centros urbanos com a migração de lavradores para as áreas periféricas das cidades, vivendo por lá um dilema social e uma outra realidade totalmente diferente de suas práticas tradicionais na zona rural.

José Antonio Basto

e-mail: bastosandero65@gmail.com