segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

EXPERIÊNCIAS SUSTENTÁVEIS DE MULHERES EXTRATIVISTAS E GRUPOS FAMILIARES COM MODOS DE PRODUÇÃO SOCIOECONÔMICA DO MUNICÍPIO DE URBANO SANTOS-MA.

COLETORAS DE BACURI, PEQUI E OUTROS FRUTOS DO CERRADO – COMUNIDADE SÃO RAIMUNDO – URBANO SANTOS-MA.

D. Maria e seus bacuris 
Este ofício tem por tradição a mão de obra das mulheres camponesas que na temporada do bacuri, pequi e outros frutos do cerrado que vai de janeiro a março, elas saem cedinho com seus cofos, mulas e jacás para a colheita dos frutos especiais das chapadas do município de Urbano Santos e toda região do Baixo Parnaíba maranhense. O bacuri é o mais desejado e importante dos frutos, rico em vitaminas, nativo da floresta tropical amazônica, essa fruta pouco maior que uma laranja, com pele mais espessa de uma cor amarelo-limão pertence à família (Guttiferae), oferece muitos benefícios para a saúde e é usado em cremes, geleias, doces, bolos, purê e licores. O bacurizeiro, conhecido cientificamente como (Platonia insignis) pode atingir mais de 30 metros de altura, com tronco de até 2 metros de diâmetro nas árvores mais desenvolvidas. Sua madeira considerada nobre também tem variadas aplicações, mas é proibida a derrubada, apesar dos crimes de capitação ilegal. É encontrada naturalmente desde o Piauí seguindo a costa do Pará até o Maranhão. A massa possui alguns nutrientes em ​​quantidades notáveis de fósforo, potássio, ferro, cálcio e vitamina C; a casca também é aproveitada na culinária regional e o óleo extraído de suas sementes é usado como anti-inflamatório e cicatrizante na medicina popular e na indústria de cosméticos. Comunidades tradicionais de Urbano Santos como São Raimundo, Boa União, Bom Princípio e Bracinho praticam o extrativismo do bacuri servindo como fonte de renda para as famílias camponesas, além de uma alimentação saudável.
Francisca colhendo os bacuris
Um dos problemas nesse período de safra é a derrubada do fruto ainda verde, mas as associações destas comunidades citadas se juntaram para defender o território (chapadas) e criaram autonomamente uma lei (norma conjunta) que proíbe a derrubada do bacuri verde, pois o bacuri para ser colhido deve-se esperar o fruto cair de maduro – assim colaborando para a reprodução da espécie - quando se joga rebolo e bagunça seus galhos, no ano seguinte aquele pé não brota mais, atrasa de 1 a 2 anos para voltar ao normal.  Com leis severas, o conselho de fiscalização formado pelos presidentes das associações acordado na norma conjunta desde algum tempo já fazem a fiscalização rondando as variantes das áreas, punindo aqueles que desobedecerem as leis do Estatuto Social das entidades e o documento oficial que foi discutido coletivamente deliberado e aprovado para o bem do território. Os moradores do São Raimundo, Boa União, Bom Princípio e Bracinho lutam pela terra, batalham pela sobrevivência em convivência com a natureza. Chegando agora o período do inverno os frutos desabam no chão, homens e mulheres sobem o carrasco para a colheita, uma enorme alegria. Os catadores (as) devem ter a consciência de colher o bacuri no tempo certo, essa prática faz parte de sua cultura. Problemas fundiários que se arrastam há décadas envolvendo empresas do agronegócio e latifundiários vem atrapalhando os modos de vida destas comunidades tradicionais.

PRODUÇÃO DE FARINHA – COMUNIDADE QUILOMBOLA DE SANTA MARIA E COMUNIDADE BOM PRINCÍPIO – URBANO SANTOS-MA.

Roda de descascar mandioca
 A puba é a mandioca amolecida em cima do giral (base de madeira coberto de palha), pronta para ser levada ao banco do caititú para a trituração. A massa é extraída da mandioca fermentada e largamente utilizada na produção de (farinha de puba), além de bolos, biscoitos e diversas outras receitas típicas do norte e nordeste. O processo de obtenção da puba consiste em deixar a mandioca de molho num recipiente com água, antigamente se utilizava os chamados “pubeiros” - um espaço no rio oulagoas, cercado de madeira ou palhas, atualmente os tradicionais pubeiros foram substituidos por tanques de cimento. Depois de tres dias a mandioca deverá estar mole. Deve-se então escorrer a água e lavar abundantemente a mandioca ralando-a em seguida. Depois de ralada, deve-se escorrer completamente o líquido nos tapitis, a massa seca é peneirada e jogada no forno aquecido para se transformar em farinha. Dois forneiros fazem o serviço: um passa a massa, o outro seca a farinha, este é o momento do “apuramento”.
Enxugando a massa
A farinha antigamente era empaneirada nos côfos, agora se embala o produto em sacas, com medidas de 75 litros em cada saca. O município de Urbano Santo já foi campenão na produção d
e farinha no estado do Maranhão. A farinha de mandioca, farinha de puba ou farinha d`água e farinha seca é um derivado da matéria prima da mandioca, conhecida cientificamente por “Manihot esculenta.” A arte de fazer farinha é uma atividade centenária herdada dos nossos ancestrais indígenas da América Latina. Há estudos afirmativos que a fabricação de farinha no Brasil tenha também a contribuição cultural dos africanos que aqui trabalharam como escravos nos séculos XVI, XVII, XVII e XIX. As mulheres tem uma grande contribuição no processo da farinhada – conhecimentos que passam de geração para geração; desde a  chamada “arranca”, ao ponto final. As rodas de descacar mandioca são animadas nas casas de forno. Os lavradores e lavradoras tem o costume de fabricar os cofos artesanalmente (cestos de palha de babaçu ou palmeira najá) e colher folhas de axixá, guarimã ou bananeiras para o forro. Os paneiros são forrados com as folhas para o alojamento da farinha pronta para a alimentação.  Portanto chega-se ao fim da farinhada – de julho a outubro. Os agricultores vendem a farinha para resolver seus negócios, uma fonte de renda muito forte que precisa ser ajustada seu preço e mais atenção do comércio.  Nos anos oitenta e noventa em Urbano Santos era muito comum os camponeses se preparar para a farinhada com o intuito de vendê-la para conseguir algum dinheiro e passar o “FESTEJO DA NATIVIDADE” de 1º a 7 de Setembro. Essa tradição é mantida até os dias de hoje em nossa cultura. O município já foi grande campeão na fabricação de farinha. Isso deve ser reconhecido, pois as gerações contemporâneas e futuras podem tomar conhecimento desse maravilhoso processo que contribui para o avanço do nosso município na questão socioeconômica, cultural e social, perpetuando-se de gerações para gerações. “Farinhada é motivo de alegria, força de trabalho rural, cultura e desenvolvimento sustentável e solidário.

 QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇÚ – COMUNIDADE CAJAZEIRAS E BEBEDOURO – URBANO SANTOS-MA.

Roda das quebradeiras de coco babaçú
Elas forma uma roda com seus machados e cofos, antes disso as mulheres preparam os montes de coco (juntam as cargas e amontuam em baixo dos pés), para dá-se início a quebra do coco. Começa ali o som dos cassetes nos machados soando pela densa mata fechada. Durante o trabalho os assuntos e conversas envolvem tradicionalmente o dia-a-dia das comunidades, os afazeres domésticos, pescarias e os serviços da roça, donde os maridos estão também a trabalho. As mulheres mais jovens aprendem as técnicas e experiências com as mais velhas e esse conhecimento vai se perpetuando de geração para geração. O MIQCB – Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçú tem sido o principal alicerce da luta por direito e defesa dos territórios das extrativistas quebradeiras de coco que se organizam em associações comunitárias. O Maranhão é o estado de maior concentração dos índices de produção de amêndoa de babaçú comercializada para o resto do país.
D. Raimundinha juntando seus cocos babaçú
Em Cajazeiras e Bebedouro – zona rural de Urbano Santos o babaçú é extraído oficialmente para a produção de azeite, que chega hoje um valor de 15 reais por litro. Mas além disso ainda existem compradores que passam pelas comunidades rurais, outrora este tipo de comércio era mais forte – teve uma baixa por causas dos programas sociais que elevou a situação social de muita gente da zona rural – pois há algum tempo atrás, as famílias camponesas que moravam em áreas de cocais usufruíam desse sistema extrativista para o aumento da renda familiar.
Tudo se aproveita da palmeira de babaçu – uma espécie de mil utilidades: cocos, folhas e talos são utilizados na confecção de diferentes tipos de artesanatos, produzidos pelas mulheres. A partir da riqueza das possibilidades de utilização, essas partes do babaçú se transformam em matéria-prima para a confecção de diversas peças e também em alguns casos o coco estragado (coco velho) também é utilizado para a fabricação de carvão usados em indústrias.
Texto e imagens: José Antonio Basto (98) 98607-6807 / 98 98494-0123.
Urbano Santos-MA, Dezembro – 2017.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

A queimada

Tela - domínio público: "Entardecer no cerrado" - de Carmem Fraga.
Era densa a fumaça da existência, voava pra lá do além-mar, parecia a “Rosa de Hiroshima”! Queimava-se tudo! E ainda o fogo seco desbrava a natura de modo inconcebível. Os ventos trançavam as moitas da chapada e as palhas das palmeiras, o mato fazia zig-zag e a neblina apresentava seu furor! Sobre um véu de púrpura aconchegava a noite fria que se dizia mãe da boemia. No dia seguinte, pela madrugada ainda escura, o orvalho caia sobre o sereno da tempestade que azulava o céu cor de anil -, relembrava-se e voltava-se para a fonte da juventude. Raios no horizonte e trovões no poente. A queimada continuava lá! A terra preta na poeira dos sonhos frigidos de outrora, mesclava um fenômeno sem igual. O campestre calado sofrendo as dores, não reclamava nada, pois a chama crescia a cada hora e se estendia ao sopro do vento leste. Festa se avista pelo espaço com a cinza que enfeita os ares. A queimada renascia brotando novos frutos para uma nova safra. O alimento das mesas dos viventes, humanos e animais da terra. Todos necessitam daquela área agora quase sem vida, poucos sabem disso, mas muitos não tem a consciência de ajudar naquilo que é de mais necessário. Acreditava-se que a chapada não se recuperaria nunca. Bom é saber que o meio ambiente tem seu poder magnífico de se recuperar – explorado e indefeso, consegue dá o troco nos mesmos que lhe agridem por falta de consciência. São intolerantes! A ingenuidade de alguns trazem a malicia para muitos, já o canto de alegria e o otimismo de poucos fazem brotar bons frutos e retoma a vontade de viver. A água das fontes naturais já não existem mais, roubaram da natureza o que ela tinha de mais valioso, furtaram a historia, roubaram sua memória, roubaram quase tudo e ainda lhe assassinaram. “Dizem que o coração ver o que os olhos não enxergam”. O riacho atravessa os campos, leva sua beleza pelas florestas saudáveis. Esvai-se para o mar trilhando a areia do tempo, não deixando as pegadas para despistar o inimigo – na mensagem pacifica e na lembrança de heróis que tombaram mas deixaram o sangue tatuado no solo vermelho da arena dos valentes e corajosos. A queimada estava “ali e acolá” em meio à prosa no ensaio lírico e romântico que só o tempo consegue ler e entender direito. E para sempre.


José Antonio Basto   

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

De um lado a defesa, do outro a exploração!

Quantas desavenças, quantos conflitos na insistência pela terra – ela foi formada há muito tempo atrás, mas não foi distribuída e nem atestada pra ninguém. Quem pratica seu bem social deve merecê-la por direito! De um lado a defesa para o bem comum do uso social, do outro a expropriação e espoliação de quem reside, devastam para lucrar com seus bens naturais. Quem mora, defende para o cultivo salvando o que ainda resta de natural. Quem morou lá há um século? Quem trabalhava lá no sustento da família? Quem catava coco, bacuri, pequi? Quem sempre viveu da chapada? O território tem como donos os que dizem ser seus próprios papeis vivos – quanto tempo já se passou! As capitanias hereditárias não mais existem e rudimentalizaram sua política da estrutura agrária! Quem usa e ocupa a terra são seus donos... Os verdadeiros documentos. Que a ciência, a topografia, os mapas forjados e o dinheiro tentem desmentir o sentimento cultural – não prevalece! Os sonhos estão lá plantados e regados de sangue, suor e luta. Estão lá as tumbas, os saberes, as roças, a água e a sobrevivência dos filhos e netos. Ouve-se um tempo em que tudo era diferente, a coletividade, o desapego, mutirões e solidariedade imperava no meio das comunidades. Todos faziam seus ofícios num código de bom censo. Muita fartura de tudo. De repente chega o chamado progresso na promessa de modernização do meio social e do campo – aconteceu de outro modo, na enganação inicial para o uso do espaço. Entra no jogo a grilagem com o nascimento de documentos nunca encontrados, os viventes ficaram sem entender o que se passava. Suas terras foram colonizadas por espécies estranhas daquelas que eram acostumados verem – a dinâmica do consumismo permitira todo esse retrocesso de dor e transformação no meio ambiente. O que diziam ser um pequeno espaço para uma experiência que achavam não dá certo se alargava as florestas por toda região, tomaram conta de quase tudo e substituíram o cerrado – levando consigo a violência e a intimidação dos verdadeiros defensores. O Pessoa ensinou que “Tudo vale a pena / quando a alma não é pequena”. Todos defendem sua casa, isso é mais do que justo e normal. A mãe sempre defende sua cria porque sabe que ela é indefesa. O sonho se renova em meio ao conflito. A esperança é o alicerce de alimentação do ideal. Planta-se uma nova semente na esperança de germinar e brotar novos bons frutos não apenas para os de hoje, mas em memória dos de ontem e apostando nos de amanhã.

José Antonio Basto

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

A chapada ouve seu canto

Chapada em algum lugar no Baixo Parnaíba maranhense
Chorava a triste chapada
No rebramar dos encantos
Cantava como se o pranto
Fosse algo sem igual
Era mesmo a poesia
Num eco de agonia!
Em versos de noite fria
Nas chamas do temporal.

Chovia para alegrar
A erva nobre do agreste
Festejando no campestre
Sobre o som desta beleza
A terra cantou também
Árvores gritam amém!
Em tudo que se convém
Na música da natureza.

O gaturamo cantava
Gorjeando no sertão
A juriti risca o chão
O preá corre ligeiro
Cotia grita na moita
Tiú -, a fera açoita!
"Assombração que acoita
Coruja na escuridão".

O tatu trilha o carrasco
A formiga corta a folha
É o sereno das bolhas
Que molha na tempestade
Capim alegre sorrindo
Araras voam partindo
O Poeta construindo
A tela da liberdade.

O pano desta pintura
No ringido do arvoredo
Explode como um segredo
Na fumaça do encanto
Todo esse quadro celeste
Fazendo agora esse teste
De certo é inconteste
Quando a chapada ouve seu canto.

José Antonio Basto

(heterônimo / personagem “Eu” lírico: “O Viajante do leste”).

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Consciência Negra XII: o estrondo da carabina

Zumbi dos Palmares
I
O canto negro que chora
No estribo da espora
Correndo louco! Implora!
Pelas matas do sertão!
Balaios de Cosme Bento
Que marcaram seu acento
Em tiros soltos no vento
Contra a escravidão.





II
Hoje aguardam a mensagem
De Castro Alves a imagem
Zumbi lutou com coragem
Em outros tempos de glória!
Pretos que aqui morreram
E seus corpos se estenderam
E suas almas bateram
No estandarte da história.

III
Sãos esses que na senzala
O chicote ainda estala
E sobre o sangue resvala
Há trezentos anos de dor!
Estes vultos que gritaram
E por todo tempo apanharam
E, sobretudo desejaram
Que tivessem algum valor.

IV
São meus irmãos de corrente
Negros, negras que são gente
Hoje seguem conscientes
Em outra grande batalha...
A voz que invade o sistema
São regras, cotas e dilemas...
Quebrando todas as algemas
Sobre o fio da navalha!

V
Na lei, na guerra ou na marra!
Este cartaz se esparra...
No chão de luto que agarra
As letras nesta verdade
Um outro mundo almejamos
E todas as mãos juntamos
Nessa guerra que lutamos
Em busca de liberdade.

José Antonio Basto
Urbano Santos-MA, 20 de Novembro de 2017.

* Modestamente, são estes os versos da voz do povo negro! – os de ontem que tombaram e deram seu sangue como Zumbi dos Palmares, Negro Cosme Bento das Chagas e muitos outros. E também os de hoje que sustentam e se dedicam a esta luta em busca da verdadeira abolição do preconceito e dos problemas sociais. Poema este dedicado ao “Dia Nacional da Consciência Negra” – 2017, e, sobretudo aos 322 anos da coragem de Zumbi dos Palmares – covardemente assassinado na manhã do dia 20 de novembro de 1695. Zumbi representa a força e a expressão maior do movimento negro dos dias atuais; precisamos conquistar esse dia para que seja marcado em nosso calendário como feriado nacional e não apenas em alguns estados e municípios; acentuando em especial a luta atual dos negros e negras rurais quilombolas e urbanos em suas organizações; suas batalhas e desafios em busca da concretização de direito civis.

Autor.





 





segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Ela não sabia ler e escrever, mas sabia da lei

Ela perguntara seu companheiro sobre sua terra; um processo que tramita nos órgãos fundiários há décadas – não foram os primeiros a enfrentar essas barreiras – pois lutar por terra e militar no movimento social requer paciência e força de vontade – pois as aprovações são muitas. Ele respondera que a terra continua lá, mas o direito ainda não veio – precisam do título. Eles reviravam um côfo pendurado na parede com vários documentos antigos, alguns já rasgados e amarelados – desde ofícios, estatutos e até cânticos de comunidades – tudo referente à questão da luta pela terra e anos de militância.
Maria não sabia ler nem escrever, mas sabia da grande importância de sua luta, participação e coragem acima de tudo, enfrentando sistemas perigosos para defender seu território. Daquelas chapadas eles tiram o mínimo para sua sobrevivência, na época em que era menina, seus pais não lhe botaram para estudar, escolas eram difíceis na região e sua mãe dizia zangada que “menino só tinha que ir mesmo era pra roça”- ajudar a pagar o que come –, ignorância? Talvez sim, talvez não – sem saber! Ela ficara triste por alguns momentos, mas nunca desistiu de sua maior escola, decidiu aprender sempre com a “TERRA”! O Francisco, esposo de Maria sabe ler muito pouco -, consegue com dificuldades na visão destrinchar o que lhe vem a respeito da terra que ocupa como posseiro desde seus avós. Perguntava-se sobre a tramitação do processo para regularização de suas 100 e tantas hectares. A família depende diretamente daquela larga área de chapada, pois os bacuris já estão florados para uma futura safra. Os camponeses praticam agricultura e extrativismo – são reconhecidos por sua luta, defendem o que lhes é de direito, mas infelizmente não são ouvidos como segurados especiais – são desprovidos de direito! Batalham arduamente em meio ao aparelho econômico do capitalismo implantado no campo, como a silvicultura. “Terra” –, tem sido nos últimos anos sinônimos de capital e poder, a cada dia a demanda cresce – e principalmente nas fronteiras de ocupação do cerrado; programas são sistematizados afim de impactar os povos rurais – como o Matopiba – que pretende ocupar uma das ultimas fronteiras agrícolas do bioma cerrado. Não é preciso estudar bastante, nem ter frequentado universidades para saber da importância da terra e do meio ambiente para a sobrevivência, reprodução social e cultural das comunidades tradicionais. Famílias camponesas que aprenderam na escola do campo a valorização do espaço em que vivem – assimilaram no dia a dia e no trabalho tirando da terra e das florestas seu alimento.
Maria falava que antes sua terra apresentava muita fartura, tinha de tudo – nas chapadas e nos brejos, mas essa abundancia se acabou – acha-se mal para o alimento. A lavoura e a vida interiorana lhe ensinaram um ofício mais que especial – vivendo numa comunhão exemplar repassada de pai para filhos. Seu chão de luta foi palco de combates de outrora – a chapada densa, mãe dos rios, fonte e nascente que jorram água para matar a sede dos viventes, não apenas do campo, mas também das cidades. Existem tantas leis e direitos, leis aprovadas e direitos conquistados – mas a injustiça ainda impera no meio agrário – violência a cada momento praticada contra as sociedades campesinas. Acredita-se em outros tempos e em outros livros.
Ela sabia de tudo isso, não por ter lido livros, nem por ter ouvido falar. Mas por ter até agora vivido e convivido por todo esse tempo com essas coisas. A Maria tem como diploma o trabalho e o talento das coisas simples do campo e utilizou sua capacidade, carinho e humildade, suor e mãos calejadas para transmitir sua sabedoria e conhecimentos fundamentais na faculdade da vida.


José Antonio Basto

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

A POESIA QUE INUNDA A VIDA INTEIRA: ARCADISMO, A ESCOLA DA VIDA SIMPLES NO CAMPO

José Antonio Basto
A literatura é a arte da palavra. A poesia ou texto lírico é uma das sete artes tradicionais, pela qual a linguagem humana é utilizada com fins estéticos ou críticos. A poesia tem o poder de retratar tudo que pode ou não acontecer, depende da imaginação do autor, como também a do leitor. Um poeta disse: “quem ler poesia ver o mundo diferente”. A poesia é a arte, que a ensina, e a obra feita com a arte; a arte é a poesia, a obra o poema e o poeta é o artífice. sentido da mensagem poética pode ser algo extraordinário, ainda que seja de forma estética para definir um texto como poético. A poesia compreende aspectos metafísicos e a possibilidade desses elementos transcenderem ao mundo fático. Esse é o terreno que compete verdadeiramente ao poeta.
O campo brota poesia? Como escrever sobre as coisas do campo –, tradições, belezas das matas... Florestas, rios... Mares... Animais? Como escrever sobre a vida simples das pessoas do interior? Como descrever o cerrado brasileiro? Escrevendo e convivendo. Isso é brotar poesia! Na verdade a poesia nasce no campo... Desde o arcadismo que tinha como principal característica a “exaltação da natureza” e de tudo que lhe diz respeito, isso é apenas um ponto de vista ou talvez uma Inter-textualização da passagem dos séculos, convenhamos. A partir do desenvolvimento dessa escola “os poetas” adotaram pseudônimos de pastores gregos e latinos. “O arcadismo constitui-se numa forma de literatura mais simples, opondo-se aos exageros e rebuscamentos do barroco. Temas comuns relacionados ao campo, o amor, a morte, o casamento, a solidão... E o desejo de um mundo mais justo, características essas do arcadismo. As situações mais frequentes apresentam um pastor abandonado pela amada, triste e queixoso. É a "aurea mediocritas" (mediocridade áurea), que simboliza a valorização das coisas cotidianas, focalizadas pela razão. “Os autores retornam aos modelos clássicos da antiguidade greco-latina e aos renascentistas, razão pela qual o movimento é também conhecido como “neoclássico”. Os seus autores acreditavam que a arte era uma cópia da natureza por si só, refletida através da tradição clássica. Por isso a presença da mitologia pagã, além do recurso a frases latinas. “Inspirados na frase do escritor latino Horácio "fugere urbem" (fugir da cidade), os árcades foram imbuídos da teoria do "bom selvagem" de Jean-Jacques Rousseau, os autores árcades voltam-se para a natureza em busca de uma vida simples, bucólica, pastoril, num refúgio ameno em oposição aos centros urbanos dominados pelo antigo regime, o absolutismo monárquico. Cumpre salientar que essa busca configurava apenas um estado de espírito, uma posição política e ideológica, uma vez que esses autores viviam nos centros urbanos e, burgueses que ali mantinham seus interesses econômicos. Por isso justifica falar-se em "fingimento poético" no arcadismo, fato que transparece no uso dos pseudônimos pastoris”.
Escrever sobre o campo é embelezar o pensamento... Valorizar o mais importante da vida, pois é de lá que vem tudo para todos e todas – é de lá que aprendemos o sentido da vida e da cultura de nossos pais. As comunidades rurais não precisam enricar-se economicamente, precisam apenas viver bem, comer bem, ter água e terra para o trabalho e sustento de suas famílias; elas são as verdadeiras defensoras do meio ambiente –, as comunidades tradicionais poetizam no dia-a-dia.
O arcadismo me ensinou estes valores, desde quando nos reuníamos em casas de amigos para o desenvolvimento dos trabalhos de Literatura em grupo na época do ensino médio. “Ninguém ensina ninguém” a ser “Poeta” –, trazemos isso de berço - mas acredito nas orientações e sobretudo no incentivo do “ensino-aprendizagem”, durante todo esse período de outrora. Isso me tornou um fabricante de versos, na junção das letras, um agente divulgador do texto escrito, trilhando um difícil caminho da “lavra à palavra”. Escrever sobre o campo nos remete a uma livre expressão do criar em liberdade, do pensamento que voa para campos distantes e mares nunca antes navegáveis. Pulando num salto distante destes acontecimentos, meus escritos simples e modestos ainda faz-me lembrar de quando estudamos o Eça de Queiroz que foi um dos grandes nomes da literatura portuguesa; autor da obra “Os Maias” - um livro que ocupa-se da história de uma família (Maia) que habitava uma fazenda ao longo de três gerações. Eça participou de um período de mudança, em que o romantismo dava lugar ao realismo -, toda história do romance se passa no campo.
O arcadismo simboliza a valorização das coisas cotidianas focalizadas pela razão, assim como o romantismo que impera entre nós. A criação literária do individual pensamento para transformar as sociedades coletivas são os frutos do arcadismo. Penso eu. Cada momento teve suas características - mas a poesia tem atravessado gerações e continua ainda tão atual em nossos dias.

José Antonio Basto 



segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Lagoa do Cassó: um paraíso perdido entre o Baixo Parnaíba e os lençóis

José Antonio Basto
Por que o nome “Cassó”? – como uma enorme lagoa de água doce se formara há algumas léguas do Oceano Atlântico, desde milhares de anos atrás? Ela fica nas extremidades entre as regiões dos campos arenosos, o mar e o território do Baixo Parnaíba maranhense. Hoje o Povoado Cassó pertence ao município de Primeira Cruz -, outrora a lagoa servia de limite territorial onde uma parte era do lado de Urbano Santos que fazia limites com a Comunidade Mato Grande.
A história do Cassó remonta a passagem dos rebeldes Balaios em nossa região. Conta-se que depois de um tempo após a repressão dos insurretos que escaparam da perseguição horrendo de Luís Alves de Lima e Silva (o Duque de Caxias), formava-se muitos vilarejos numa região que ia desde Icatú a Brejo dos Anapurus, acompanhando o “mapa diagrama” da campanha de Luís Alves de Lima e Silva no início de 1840, ao olhar o diagrama que foi confeccionado para sufocar os balaios, percebe-se que todas as rotas e linhas ligam de São Luís à Miritiba (Humberto de Campos), a Brejo e à Vila de Caxias, possivelmente passando pelas terras do atual município de Urbano Santos. Além de muitas outras linhas que adentravam pelo sertão do leste maranhense -, pois o governo provincial se preocupara com aquela que seria a segunda mais importante cidade do Maranhão, tomada pelos líderes da guerrilha camponesa e pelo partido bem-ti-vi.
Voltamos para o Cassó. Os mais velhos da comunidade contam que o primeiro morador habitava ao norte da Lagoa, atraído pela fartura de alimentos como frutas silvestres, peixes e sobretudo pela beleza da paisagem, ele construiu então sua “tijupá”  -, uma espécie de casinha de palha e pau a pique como aquelas que os camponeses fabricam dentro das suas roças para descansar na hora do almoço. Os viajante das regiões praieiras que passavam por lá comercializando seus produtos da terra e peixe salgado, perguntavam porque ele morava ali isolado – em uma situação de abandono. O velho lavrador respondia arcaicamente: “Estou eu aqui CÁ SÓ” – (ou seja, sozinho sem ninguém ao seu redor). Daí, depois de muito tempo os dois termos foram juntados (CASSÓ), com a fonologia do (o) acentuado –, o nome é escrito com dois (ss) e não com (ç), como alguns ainda cometem o erro gráfico de escrever. O Povoado se estendeu e ultrapassou seus limites econômicos e sociais.
Lagoa do Cassó - (imagem da web)
A “Lagoa do Cassó” se tornou um dos pontos turísticos mais conhecidos e importantes da região, recebendo pessoas de todos os lugares do estado, do Brasil e do mundo. Há 20 anos atrás era apenas um vilarejo quase que sem acesso –, com poucas casas rusticas, onde só adentrava carros traçados quatro por quatro no desafio da areia. Ultimamente recebeu investimentos e infraestrutura para melhor acessibilidade e as áreas ao redor de toda lagoa foram compradas para a construção de pousadas e bares. A lagoa também tem o reconhecimento, apoio e proteção da “Marinha do Brasil” que desenvolveu um projeto com os moradores que utilizam de suas canoas para o trafego de turistas aos finais de semana – travessando-os de um lado para o outro, cobrando uma taxa de cinco a dez reais. O sistema administrativo e de conscientização dos canoeiros é pautado em uma contribuição que cada um paga para o governo. Em relação à questão ambiental, existe uma associação dos moradores protetores da Lagoa do Cassó que dão palestras e fazem campanhas de coletas de lixo onde também exigem a proibição de veículos aquáticos motorizados como jet ski e lanchas voadeiras.
Lagoa do Cassó - (imagem da web)
A “Lagoa do Cassó” além de oferecer uma bela vista de suas águas e coqueiros ao seu redor, também é utilizada como fonte de alimentação das famílias mais humildes do povoado que praticam a pesca artesanal com linha, anzol, puçá e redes e também para a criação de caprinos que pastam nas áreas de brejais. Com a mudança radical de transformação social e econômica do lugar ainda se ver muita gente em situações de miséria; palhoças em meio às grandes pousadas inclusive de proprietários estrangeiros representantes do grande capital. 
A lagoa é conhecida como uma nova rota do turismo no estado do Maranhão. São mais ou menos 150 famílias que habitam este lugar paradisíaco e que recebeu o título de “Pérola dos Lençóis Maranhenses”. O festejo do Cassó é muito famoso e tem como padroeiro São Francisco de Assis. Além de receber banhistas é palco do “Circuito Maranhense de Águas Abertas” – desafio de natação para profissionais e amadores –, antes disso poucas pessoas conhecia o que é de mais belo ali, uma extensa lagoa de água calma e cristalina rodeada de matas nativas e casas à beira, separadas apenas pela areia fina e branquinha. Este evento, que começou em 2015 e, agora em 2017, já está na sua 3ª edição, foi o principal responsável por movimentar o local e transformá-lo em um dos grandes pontos turísticos do Maranhão.
José Antônio Basto