segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

O Viajante lendo a chapada de forma diferente


O Viajante depois de muitos dias de viagem pelo leste, parava numa humilde choça das paredes de taipa e coberta de palha de babaçú. Se hospedaria ali naquela tijupá para repousar a noite e mais tarde seguir adiante, pois seu dia tinha sido bastante cansativo, percorrera toda aquela densa região de conflitos, acumulando o aprendizado. Era um herói? Talvez, com modéstia – esperava algumas mudanças e reformas que favorecessem os menos favorecidos e desprovidos de direitos. Este é o ofício que escolhera na esperança de novos tempos para colher bons frutos no futuro. Ao se abancar, perguntaria aos anfitriões do lar sobre a questão da terra – a conversa começaria antes do jantar que foi oferecido, pois jamais se dispensaria uma tradicional Iguaria de “galinha caipira com arroz de pequi” a pesar de tudo estava na chapada. A janta saiu com perfeição à luz de lamparina. Satisfeito! Em seguida surgia uma provocação que envolveria a situação fundiária do lugar. Poucos discutem sobre esse assunto que decerto é polêmico desde tempos bem remotos na história das civilizações; respeitava-se o momento – deixando-os à vontade. Mas as respostas supriam as indagações e a “prosa” prosseguira até o fim. O Viajante tirava de seu alforje alguns livros, textos, revistas e jornais velhos – veículos estes que alimentariam o gosto pela leitura e daria uma injeção de ânimo na luta pela posse da terra. Presenteava-os com carinho; recusaram de início, pois não sabiam ler nem escrever – descobrira então, óbvio! Mas respeitosamente aceitaram os presentes e os guardaram num baú seguro, pois dali tiveram a curiosidade de aprender a ler em uma demorada relação com as palavras e com a gramática. Só assim demonstrariam força intelectual e social para destrinchar os processos burocráticos no que diz respeito a defesa do território. Não conheciam o mundo das letras – e nunca leram nada – muito menos pisaram na escola; mas sabiam de cada pé de árvore da chapada – mostravam seus saberes e técnicas no extrativismo repassados de pais para filhos – curavam-se com remédios tirado das plantas medicinais – seus pais lhe ensinaram; não se perderiam nas veredas nem de dia, nem de noite, a energia era a luz da lua e das estrelas. Caçavam, pescavam, lavravam o chão e criavam pequenos animais para a alimentação e reprodução da família, o que detinham de mais valioso. Soletravam “lendo para entender a chapada de forma diferente”, coisas que a escola não ensina, adquiriram o diploma com o tempo. A existência e a convivência ensinaram essa nobre literatura onde uma minoria dar valor. Conversavam ao seu modo com a natureza numa comunhão e comunicação com o espaço em que vivem. Sabiam a hora pelo sol e o tempo de plantar e jogar a semente no período certo através do clima. Viviam Isolados do mundo civilizado e conectados com o meio ambiente. A cartilha era a própria terra, as folhas, os ventos, a enxada, o jacá e as chuvas de inverno. Formaram-se em todas as ciências, receberam prêmios valiosos e repassaram isso para as futuras gerações. Tiveram como mestres o tempo e a paciência que lhes ensinaram a mais bela das lições de vida.

José Antonio Basto
e-mail: bastosandero65@gmail.com    

sábado, 21 de dezembro de 2019

O vale dos cinco (5) leões


Certa vez assisti um clássico filme de ação “Rambo III” -, o mesmo que animava as tardes da garotada na Sessão da Tarde dos anos noventa. O enredo trata do veterano de guerra Rambo, que após  a Guerra do Vietnã se refugia num mosteiro em um vilarejo da Tailândia. Vivendo em paz e sobre as disciplinas dos monges budistas; ele tenta esquecer o mundo de guerra – mas se surpreende com a visita de seu coronel de pelotão Trautman que lhe convida para mais uma missão – desta vez, na fronteira do Afeganistão: com o intuito de tentar bloquear as ações dos soviéticos naquele país com a ajuda dos rebeldes afegãos. A sinopse do filme mostra: “O ex-soldado John Rambo que recusa um pedido de seu coronel Trautman, antigo líder de pelotão, para uma nova missão, pensando apenas em continuar com o seu novo estilo de vida, baseado na crença budista. No entanto, quando Trautman  raptado pelos russos na fronteira e o governo americano é incapaz de intervir oficialmente, Rambo decide agir por sua conta e risco”. Já assistir o filme várias vezes. Uma passagem me chama a atenção é quando o guia que leva Rambo até o forte soviético conta sobre a história dos afegãos; onde muitos tentaram conquistar seu país: primeiro “Alexandre O Grande”, depois Gengis Khan, a Inglaterra e agora a Rússia – mas eles nunca se renderam. O Guia contara uma velha lenda afegã que um certo rei impôs que cinco mil soldados deveriam ir para uma batalha, depois estudou que estes cinco mil, a maioria estava com medo, então dos cinco mil soldados ele elegeu os cinco melhores de todo aquele exercito. E os cinco soldados venceram a guerra naquele vale - campo de batalha que ficara conhecido como o “Vale dos cinco leões”. Isso também lembra a história do personagem bíblico Gideão que liderava uma guerra com milhares de soldados – dali, em uma batalha a maioria dos homens estavam com medo, ele pediu a Deus que ficasse só com os corajosos, restou destes, apenas trezentos e dezoito (318) guerreiros que alcançaram a vitória.
A narrativa tende objetivar a coragem das pessoas em certos desafios da vida. Nem sempre se vence uma guerra com legiões de soldados, muitos não tem coragem de agir, normal. No dia cinco de setembro de 2019, foi realizado o tradicional desfile das escolas da cidade de Urbano Santos – Maranhão. O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais resolveu botar em prática um velho pedido de nosso Bispo Diocesano e militante dos Direitos Humanos Don Valdecir. A ideia foi participar do evento com o “Grito dos Excluídos”. Fizemos uma convocação para todos os participantes que viajaram conosco para a Marcha das Margaridas – em Brasília, de 11 a 16 de agosto, os dois dias na Capital Federal foram 13 e 14. Infelizmente dos que foram, quase ninguém confirmou a participação em nosso chamado, não paramos com o projeto! Construímos uma faixa com os dizeres “GRITO DOS EXCLUÍDOS: A Amazônia pede socorro”. Pela manhã cedo estávamos na concentração, achávamos que vinha mais pessoas para nossa ala, que por mera conscidência fomos colocados pela organização do evento na última posição da fila, ironicamente excluídos mesmo! Mas talvez não fora por isso, foi porque decidimos comunicar já na véspera da atividade. Lembrando o filme do trecho acima, apareceu naquele momento somente “5 guerreiros” – estávamos dispostos e otimistas de mostrar nosso trabalho, ideologia e sentimento para com os excluídos e desprovidos de direitos deste país, como dizia Lula! Os povos e comunidades tradicionais que tanto sofrem. Nosso povo da zona rural, humilde, quase que esquecidos da sociedade, os que estão perdendo seus direitos conquistados com sangue e luta. A problemática da situação caótica da Floresta Amazônica nos dias atuais sendo devastada pelo fogo, por grileiros e grandes projetos de mineração e barragens. Os índios, quilombolas e caboclos que moram e vivem da terra e das águas. Esta foi a mensagem que os “Cinco Leões” mostraram para os espectadores.
Muitas das vezes a coragem das pessoas é medida de acordo a ocasião. Muitos pensamentos nos ensina a lição dos que ousam e tem coragem de vencer. Numa guerra, nem todos tem coragem – isso muito depende do sistema genético de cada um de nós. As vezes o sangue ferve nas veias – então a coragem aparece do nada, fica escondida somente por algum momento, surge como um tiro de espingarda no estampir da fumaça. Alguém escrevera e nos deixou a lição no estandarte da história. “coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras qualidades”. “Saber o que é correto e não o fazer é falta de coragem”. Coragem é a resistência ao medo, domínio do medo, e não a ausência do medo”. “A coragem cresce com a ocasião”. Por fim a melhor delas diz: “A coragem não é ausência do medo; é a persistência apesar do medo”.

José Antonio Basto - Setembro – 2019.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

TRÊS DÉCIMAS À BALAIADA - [Uma guerra versada por dentro da história de Urbano Santos-MA]

Mote: "No sertão rega o sangue corajoso / Dos Balaios que lutaram bravamente".


Muralhas de Santa Maria - U. Santos

I
Foi um dia a história recontada
Na certeza de avistar a liberdade
Numa época de luto e de maldades
Quando o sonho era a sombra registrada
Um vaqueiro destemido e sua boiada
Atravessava as fronteiras livremente
Quando bate os ferrões e as correntes
Lhes prender como bandido perigoso
No sertão rega o sangue corajoso
Dos Balaios que lutaram bravamente.

Canhão da fazenda Boa União - U. Santos

O peão Raimundo organizou
Sua tropa de rebeldes companheiros
E saiu como líder mensageiro
Pelas matas muitos dias se acampou
Entre tiros que tanto disparou
Em soldados que estavam em sua frente
Foi daí que plantara a semente
Num período um tão quanto tenebroso
No sertão rega o sangue corajoso
Dos Balaios que lutaram bravamente.


Tacho de ferro -, antiga fazenda São José das Mangabeiras - U. S

III
Conquistaram cidades e vilarejos
Caxias tornou-se quartel general
Urbano Santos, Chapadinha, Brejo e Angical...
Foram rotas dos bravos sertanejos
Insurretos que sonharam e desejos
Que soava a música comovente,
São os heróis do povo mais carente
Retratados no hino vantajoso
No sertão rega o sangue corajoso
Dos Balaios que lutaram bravamente.
José Antonio Basto
Poeta popular / Escritor / Pesquisador
e-mail: bastosandero65@gmail.com
cel. (98) 9 8517- 0214
(Imagens: "1- Muralhas de Santa Maria - antiga Fazenda de João Paulo de Miranda, U. Santos; 2 - Canhão de pelouros da antiga Fazenda Boa União, U. Santos e 3 - Tacho de ferro da antiga Fazenda São José das Mangabeiras - hoje Mangabeira Bacelar, U. Santos.

# Em homenagem à Insurreição dos Balaios – Guerra da Balaiada (1838-1841). Saudação aos heróis populares que ousaram corajosamente lutar pela dignidade do seu povo e sobretudo pela liberdade da camada mais pobre e excluída da sociedade: sertanejos, vaqueiros, caboclos e escravos que habitavam o interior do Maranhão naquele período regencial.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

A viagem com os amigos pelas terras do leste

Vendo o mapa de Bacabal

Eles vinham de Buriti de Inácia Vaz: a psicóloga Drª Sussane da Noruega e David engenheiro florestal da Alemanha.  Estavam acompanhados dos velhos amigos do Fórum Carajás Mayron Regis e Edmilson Pinheiro. Partiam da província do líder camponês Vicente de Paula que trava uma luta com os Introvine em defesa de sua terra. Eu, particularmente só conhecia o Vicente através da literatura do Mayron. Até que um dia em uma dessas atividades na Diocese de Brejo o conheci pessoalmente e conversamos sobre essas questões relacionadas aos conflitos fundiários na Região do Baixo Parnaíba. ´Mayron um dia antes 17/10, entrara em contato comigo que chegaria na manhã do dia 18/10, sexta-feira, mas imprevistos acontecem, chegaram por volta de quase 13:00h. O destino era entregar um projeto de galinha caipira para uma família camponesa do Povoado Laranjeiras, através da indicação do Raimundo de Juçaral – presidente da Associação e José Antonio Basto – escritor  e assessor sindical -, (parceiros do Fórum Carajás). Ultimamente não foi possível falar com o Raimundo, por isso decidimos praticar a estrada para a Laranjeiras via Chapada do Meio e Bacabal.
Amigos: David, Edmilson, Mayron e Sussane
Bacabal que não nos cansamos de visitá-lo, temos agido com frequência  e adotamos esta luta em defesa daquelas famílias que estão ameaçadas por um dito proprietário, o qual caiu de paraquedas dizendo ser dono de mais de 600 hectares de terra, assim querendo forçar os moradores a aceitarem um acordo de doação de 300 hectares apenas. Sendo que essas famílias camponesas lá moram e trabalham de roça há séculos. O carro atravessava as chapadas cheias de bacurizeiros floridos, as ervas quase que desconhecidas enfeitavam o chão seco do sertão, entre os territórios de Riacho Seco, Prata e Surrão. Sussane e David se impressionavam com tão bela natureza, talvez em seus países na Europa, jamais viram algo igual, ou parecido. Os caminhos aplainados
Drª Sussane  e o Rio dos Pretos
pela Empresa Suzano Papel e Celulose ganharam destaque porque também a Empresa teve o apoio do Gaúcho local que já desmatou boa parte da chapada; pois o território do Bacabal limita com sua cerca. A terra de Bacabal divide o mesmo pico (variante), não é por acaso que o dito proprietário paulista quer um pedaço do rio. Entende-se que uma terra com acesso fácil ao rio (água) é uma terra mais cara do que as de áreas secas. Ganha-se dinheiro; terra é sinônimo de capital e poder. Por isso tanta insistência para que os moradores membros da “Associação dos Pequenos Trabalhadores Rurais do Projeto de Assentamento Santa Rosa e Bacabal” aceitem tal acordo, onde isso poderá comprometer eles na atualidade, quanto mais seus filhos e netos no futuro. Onde vão trabalhar? Tirar palha, madeira para a construção de suas casas? Colher os frutos que a chapada oferece? Um ponto para refletir. As entidades parceiras da Associação orientam para que eles não façam nenhum acordo e se mantenham na terra como maior forma de resistência social e cultural. Em fim, depois de um longo trajeto chegamos em Bacabal, de longe se avistava o vale do Rio Preto e ou / ‘Rio dos Pretos”, esta última nomenclatura conta a história dos inúmeros quilombos
Casa de taipa em Bacabal
localizados sobre suas margens, especialmente em sua cabeceira; um prosa histórica sobre o “Rio dos Pretos” será mais detalhada adiante. Descíamos a ladeira no inicio do vilarejo, as casas de taipa lembram as aldeias indígenas desta região, herdaram isso dos “Teremebés” / ou Tremembés: nativos que habitam esse pedaço de chão há alguns séculos atrás. Os moradores de Bacabal e Santa Rosa não sabem desses pontos, seus ancestrais migraram de estados vizinhos como Piauí e Ceará.
O presidente da Associação, Sr. Leonilson (Leo), nos recebeu com tamanha cortesia e respeito; largara o trabalho que estava a realizar de triturar casca de mandioca fazendo ração para suas cabras e veio pegar em nossas mãos. Logo a conversa se direcionou exatamente para a questão da terra, não tinha como fugir deste assunto. O mapa do “Geo”,
José Antonio Basto e o Rio dos Pretos - Bacabal
fora exposto no terreiro da casa para melhores explicações e entendimento dos que presenciavam. O acordo ainda não foi fechado, quem estava a ver o documento procurava entender geograficamente aquela área de terra disputada. Sussane e David queriam conhecer o “Rio dos Pretos” – e banharam sobre suas águas barrentas de longe, mas limpas de perto. A água fresca matara o calor. Para nós que somos acostumados a banhar e pescar nesse rio é normal, mas a experiência deles não, algo que ficara de lembranças para o resto de suas vidas. Depois voltamos pelo mesmo caminho. Pedimos para que o Leo avisasse o Raimundo do projeto. “A viagem com os amigos pelas terras do leste” maranhense ficara gravada na história e nos pormenores deste modesto ensaio literário.   
    
José Antonio Basto
Outubro – 2019.
Celular - “WhatsApp” (98) 9 8517- 0214
  

sábado, 12 de outubro de 2019

Bacabal e Santa Rosa: a luta que gera frutos...

Casa camponesa em Santa Rosa - (Urbano Santos/MA).

Bacabal e Santa Rosa! Lugares no meio do baixo parnaíba maranhense, em pleno sertão. Lutamos incansavelmente por aquelas duas comunidades camponesas. Conhecemos lá, mas nunca vimos um pé de bacaba, a nomenclatura não atrapalhara o sentido do vocábulo, muito menos das pessoas que conhecem e desconhecem o verbo. Talvez há muito tempo atrás sobre as margens do “Rio dos Pretos” (Rio Preto) - tenha criado espécies de bacaba, por isso a comunidade que ali se formara, recebera o nome desse fruto ou dessa espécie de palmeira. As comunidades de Bacabal e Santa Rosa vivem um conflito que vem se arrastando ao longo dos anos. Os camponeses moram lá e são donos da terra desde 200 anos atrás. Moradores se sustentam na luta apoiada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais e pelos amigos militantes que os incentivam para a batalha em busca dos seus direitos. A luta se manifesta a cada momento, mas eles precisam daquela terra para poder viver e procriar suas famílias.
Cartografia em Bacabal  - (Urbano Santos/MA).
A luta em Bacabal se deu em Santa Rosa, duas comunidades em uma só. Bacabal é filho de Santa Rosa, nasceu através dos moradores que migraram em busca de melhores lugares para fazer suas roças e também por causa da geografia do rio que fica mais perto. Em 2009 e 2010, Santa Rosa sofria um conflito acirrado, em razão das famílias influentes daquela região se dizerem donas da grande área de florestas da chapadas até o Rio Preto. Já em Bacabal teve outra história: como pode, alguém que mora em São Paulo depois de 60 anos vir dizer que é dona de mais de 600 hectares de terra? Sendo elas devolutas do estado, onde Bacabal se localiza. E mais, querer expulsar moradores de mais de 80 anos que ali nasceram e foram criados? No início do conflito em Santa Rosa casas foram queimadas, moradores ameaçados de morte e psicologicamente, com armas de fogo chegando ao extremo até com bananas de dinamites. Resistiram, criaram a Associação dos Trabalhadores Rurais do Projeto de Assentamento Santa Rosa e Bacabal, assim unificando a luta entre os dois povoados, entraram com o pedido no Incra de desapropriação fundiária para fins de reforma agrária. Aqueles camponeses têm o apoio e orientação da Fetaema, STTR e Fórum Carajás. Os ditos proprietários rebateram a decisão jurídica e social da Comunidade e entraram na justiça contra a Associação dos Moradores, com o propósito de despejar os agricultores. O
Vilarejo de Bacabal  - (Urbano Santos/MA).
tempo fora passando e a ação tramitando nas varas judiciais, a comunidade já venceu em determinados momentos em muitas instâncias, mas sabe-se como funciona a justiça nesse país, principalmente se tratando de questões agrárias. Ano passado – 2017, eles receberam uma notificação de uma decisão judicial a qual contava nos autos que os moradores tinham trinta dias para serem despejados sem nenhum direito a nada. O medo de perder suas casas e terra, a tristeza invadira o pequeno vilarejo. O Sindicato, como procurador fora acionado e uma equipe se encarregou da questão. O advogado da causa preparou “embargos de declaração” / documento de apelação contradizendo a decisão da juíza na época. Juntou-se com outros registros de atividades ali realizadas: imagens do seminário agrário – 2016, fotos das casas, do rio, da chapada, das florestas, das roças, depoimentos de moradores, de crianças e idosos. Todo esse material foi protocolado com o documento de defesa do advogado, assim, servindo de provas concretas e contundentes de que lá mora gente; ao contrário da alegação feita pelos proprietários da fazenda.
Reunião com a Associação das duas comunidades.
Ultimamente o conflito acendeu a chama, tanto em Bacabal, quanto em Santa Rosa. No Bacabal os trabalhadores rurais foram induzidos de aceitar um tal acordo extrajudicial de ficar apenas com 300 hectares de terra, coisa que não dá certo. Como 35 famílias vão conseguir viver em trezentas hectares de terra? Conversa foram feitas, mas nada acordado, orientação dos que se preocupam com eles. Santa Rosa tinha acalmado, mas dia 07/10/2019, saira mais uma decisão da justiça, com um prazo mínimo para a Associação apresentar apelação. Voltamos lá e orientamos sobre o processo, tomando as providencias. Mas o que lhes fazem ficar na terra é a união e sobretudo a resistência. Entendendo que são cidadãos, trabalhadores que ajudam sustentar esse país desigual, onde a política serve de base para a influência sempre desprezando os mais fracos e humildes, esquecidos e desprovidos de direitos. Solidariedade ao povo de Santa Rosa e Bacabal.     

José Antonio Basto
e-mail: bastosandero65@gmail.com

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

BACABAL: encontros e desencontros, uma prosa histórica do sertão...

Casa de farinha - Santa Rosa / Bacabal  - Urbano Santos-MA.

Chegaríamos em Bacabal no meio do Baixo Parnaíba, – naquela manhã chuvosa! Como se interessar por uma pequena comunidade do sertão baixoparnaibense, localizada entre os atuais municípios de Urbano Santos e São Benedito do Rio Preto? Guimarães se interessara pelo sertão do “Norte de Minas”-, tema de “GRANDES SERTÕES: VEREDAS”. Ele escrevera os primeiros registros sobre o cerrado de Minas e Goiás. Este, que dera espaço ao gado e a soja dos dias atuais. Mas Guimarães Rosa não se importara com alguns problemas, seu objetivo principal era tratar de um romance que dera tanta polêmica na literatura brasileira.
O Povoado Bacabal fica bem longe do “Norte de Minas”- bota longe nisso. Mas não tão longe assim. Seu povo – humilde e hospitaleiro fora formado por retirantes vindos de Pernambuco, Ceará e Piauí. Os índios “Tremembés” habitavam essas terras há séculos, viviam mudando de lugar em lugar. Poucos sabiam de sua verdadeira história e tronco linguístico. Eles rondavam de Tutóia a Urbano Santos, de Barreirinhas à Miritiba. Conheciam essas chapadas como ninguém. Caçavam, pescavam e praticavam o extrativismo. Nunca pensavam que suas terras fossem invadidas por grileiros, os primeiros a mando de “Reis”. As chapadas do Baixo Parnaíba foram colonizadas, num pequeno espaço de tempo. Sentiria a necessidade de uma colonização? Não.
Crianças de Bacabal / Santa Rosa - Urbano Santos-MA.
O capitalismo exigira isso. As terras da última fronteira agrícola do país foram mapeadas e colonizadas por programas que não favoreciam, ou que não favorecem as comunidades tradicionais – (MATOPIBA). A agricultura por aqui praticada já demorava um bom tempo. Os “Anapurus” – conheciam essas terras e “Brejos” – como ninguém. O território era demarcado pelas trilhas de caça; as fronteiras se limitavam pelos rios, caatinga e o litoral. O Bacabal de hoje ficava no meio desta área geográfica. Seus moradores não sabem disso; são analfabetos, não sabem ler nem escrever. Sabem de incríveis histórias. Conhecem a história pelo que ouviram contar. Sabem de tudo ou de nada. Os colonizadores conquistaram a “Ribeira do Parnaíba” vindos de Pernambuco. Domingos Jorge Velho – massacrador do Quilombo dos Palmares – por ser bandeirante de fama, chegara até as margens deste rio que batizaria de Parnaíba. Em homenagem à sua  vila de nascimento por nome Parnaíba, em São Paulo. Domingos fora um desbravador, nascido no vilarejo de Parnaíba - na época, Capitania de São Paulo - comandante da expedição que destruiu o grande Quilombo dos Palmares e também foi considerado o bandeirante mais ativo do período de perseguição dos índios brasileiros -, especialmente na região nordeste do país.
Os Teremembés, assim também chamados - que habitavam as margens do Rio Preto – mais tarde, “Rio dos Pretos”, não se incomodaram com a chegada de brancos vindos do Ceará. Achavam que se tornariam amigos. O Rio Preto lhes dariam tudo: “água, peixe e fé pelas suas almas”. Acreditavam que as águas barrentas levariam para a glória as almas e espíritos daqueles que acreditavam numa fé sem limites. Mas esta fé não os livrou depois de muitos anos. A fé se resumira numa luta incessante em busca de outros territórios. Dispersaram-se. Foram-se embora. Atravessaram rios e ladeiras, matas e cocais, mudaram-se para outras bandas bem distante de tudo.
Associação de Moradores e Trabalhadores Rurais - Bacabal
O Bacabal ficara só. O tempo se passou, dias, décadas, séculos... A terra fora habitada e ninguém sabia dessa história. Agarraram as chapadas; elas não eram de ninguém. As “Sesmarias” – lhe davam direito por serem famílias influentes. As reformas viriam depois. Direitos não se falavam nesse tempo. Os colonos renasciam de uma terra de ninguém, para ninguém... De todos que ali moram e trabalham de roça. Assim acreditando na procriação de seus filhos e netos. Eles se encontrariam nas páginas da história, tão perto... Tão longe daquilo que se diz: IMAGINAÇÃO.

José Antonio Basto

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

A MARCHA QUE GERA FRUTOS: História de luta e resistência camponesa



Início da Marcha - Ala do Maranhão
Foi mais uma jornada cumprida em Brasília-DF neste mês de agosto - 2019; a “Marcha das Trabalhadoras Rurais Agricultoras Familiares” – “Marcha das Margaridas – 2019” – que reuniu mais de 100 mil pessoas, trabalhadoras e trabalhadores do campo, das águas e das florestas. Milhares de mulheres do campo e da cidade foram até a Capital Federal demonstrando sua força e capacidade de mobilização política e social. Mulheres que vieram mostrar que não concordam com a retirada de direitos, que tem consciência política e sabem que é preciso defender a democracia, a justiça, a liberdade e lutar por trabalho digno, educação, saúde e desenvolvimento sustentável e solidário. A viagem foi difícil, todas (os) acordaram antes das 05h da manhã e às 07h já estavam nas ruas, tomando o Eixo Monumental rumo à Esplanada dos Ministérios. Até às 12h, caminharam empunhando com orgulho suas bandeiras, com seus chapéus, suas faixas, suas camisetas e, principalmente, com suas ideias e suas paixões. É preciso muita paixão para fazer a maior manifestação de mulheres da América Latina acontecer com tanto sucesso, paz e, ao mesmo tempo, forte militância.

As vozes clamavam por uma REFORMA AGRÁRIA de verdade, pela manutenção de direitos conquistados com sangue na memória de lutas, por justiça, paz e liberdade. Juntos, com o apoio de outras organizações do Brasil e do exterior – deram início a Grande Marcha das Margaridas, saindo do Parque das Cidades e seguindo para o Congresso Nacional pela explanada dos ministérios. As companheiras que fizeram a Marcha acontecer vieram depois de um profundo processo de formação política, no qual o Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares – representado pela CONTAG, debateu o projeto de desenvolvimento que queremos: com inclusão social, soberania, igualdade, oportunidades para todas e todos. E mais do que isso, as questões específicas enfrentadas pelas mulheres rurais, como os diversos tipos de violência, o preconceito, a falta de reconhecimento do trabalho produtivo e doméstico, entre outros.

Delegação de Urbano Santos e Belágua - Estado do Maranhão
É do saber de todos que no Brasil ainda não foi feito uma Reforma Agrária como o movimento social pretende: massiva, com gente, assistência técnica e produção agroecológica respeitando o meio ambiente e, sobretudo a biodiversidade. Também sabemos que desde 500 anos atrás a terra no Brasil sempre foi objeto de disputas, onde quem tem favorecimento é o latifúndio, restando apenas a violência para as camadas mais pobres: índios, posseiros, quilombolas, extrativistas... Em fim, camponeses e camponesas que sonham com a concretização de seus direitos sociais. Pois até hoje não existe uma política séria realmente de Reforma Agrária, no decorrer da história do Brasil foram feitas várias práticas que tentaram realizar uma reforma, essas ações distribuíram algumas terras improdutivas, que não são de interesse de uma classe ruralista muito forte, mas que engessa em grande parte essa distribuição de terras porque essa classe também tem representantes no Congresso Nacional. Como exemplo de países desenvolvidos que fizeram uma Reforma Agrária de sucesso. Acreditamos que não é só desapropriar  a terra e ali desenvolver um cultivo, a Reforma Agrária é cercada de uma série de fatores e não somente uma política de assentamentos fundiários como é o que acontece. Outro problema sério é o impacto ambiental e o avanço desenfreado do agronegócio que nunca respeitou os territórios das comunidades tradicionais; sendo estas as verdadeiras protetoras das florestas, babaçuais, cabeceiras de rios, chapadas e brejos, (os biomas). Centenas de comunidades são vítimas de grandes impactos da mineração, pecuária, barragens e outros. O assassinato de camponeses e lideranças ativistas no meio rural ainda é um grande problema social, as controvérsias do Governo Bolsonaro preocupa os homens e mulheres do campo com o processo de liberalismo do armamento, sendo assim, os fazendeiros – herdeiros da estrutura agrária deste país podem ganhar mais força e poder. Estados como o nosso - Maranhão, Mato Grosso e o Pará lideram o sistema de pistolagem contra trabalhadores (as) rurais. Atos constantes de desacato aos direitos humanos e a vida: casas de trabalhadores são incendiadas, famílias inteiras despejadas sem nenhum amparo social, como foi o caso recente de despejo da Comunidade Cajueiro no Maranhão. Saiu um certo estudo cientifico sobre assassinatos no mundo, divulgado pelo Escritório da Nações Unidas, apontando então que o Brasil registra 11,4% do total de mortes do planeta, segundo esse estudo da ONU, 437 mil pessoas foram mortas em 2017 no mundo; desses, 50.108 foram no Brasil e grande parte delas no campo, isso pouco é divulgado. As maiores taxas de homicídios no mundo estão na América Latina e África, afirmam estas fontes de pesquisas.Nesse momento de crise econômica, as coisas estão piorando ao invés de melhorar, a má distribuição de renda e as concentrações de terras e riquezas só favorecem os mais ricos, empresários, órgãos do capital, latifúndios e aristocratas; mas ainda ACREDITAMOS EM ESPERANÇA DE NOVOS TEMPOS. A cada momento explode no Congresso Nacional um esquema dos desvios do nosso dinheiro que pagamos com altos impostos – PECs, emendas reformas macabras são aprovadas por alguns deputados que batem com força na cara dos trabalhadores que sustentam a economia. Exemplos: fator previdenciário, terceirização e a Reforma da Previdência. Os homens e mulheres do campo e das cidades do nosso país fizeram sua parte nos dias 13 e 14 de agosto de 2019 – honrando o sangue de MARGARIDA ALVES – Mulher liderança sindical da Paraíba do Norte que tombou sobre as balas do coronelismo. Lutamos por nossos direitos sonhando sempre com melhorias. Na capital do país lembramos nesses dias a memória daqueles e daquelas que começaram essa batalha há muito tempo atrás, companheiros e companheiras que lutaram corajosamente e deram suas vidas por uma palavra chamada “LIBERDADE”. A pauta das reivindicações pela primeira vez na história nessa VI Marcha não foi entregue ao Governo Federal, sendo este inimigo dos Movimentos Sociais. Voltamos então para nossos estados com mais um dever cumprido, acreditando que esta MARCHA HÁ DE GERAR BONS FRUTOS.

José Antonio Basto
Urbano Santos-MA.
Agosto -2019.
(98) 9 8607-6807

segunda-feira, 29 de julho de 2019

A pescaria numa terra proibida

"Pov. Bacabal - Urbano Santos-MA".

Certo dia marquei uma pescaria para o "Rio dos Pretos" – no sertão entre São Benedito do Rio Preto e Urbano Santos – quase nos limites de Chapadinha, terra de criadores de porco e bode. Saira da sede da cidade às 14:00h, viajava pela chapada do meio – na estrada que dá acesso aos povoados Prata e Riacho Seco. O Bacabal de Santa Rosa era o ponto final, perderia-se entre os caminhos do cerrado, já modificados. “A pescaria numa terra proibida” prometia. Era o começo da aventura.
Bacabal e Santa Rosa são duas comunidades vizinhas; áreas que estão em conflitos fundiários – de um lado a família Garreto e do outro os moradores do vilarejo. Bacabal nascera de Santa Rosa, quando no decorrer do tempo os moradores migraram de um lado para o outro a procura de terra para trabalhar. A [Associação de Moradores] fora criada com o objetivo de entrar com um processo de desapropriação no Incra e também arrecadar pelo Estado o restante da chapada para as mais de trinta famílias camponesas que lá moram e trabalham de roça. Conheço o pessoal de Bacabal desde quando se iniciara o conflito há quase uma década atrás. Um povo hospitaleiro que vive no dia-a-dia do trabalho pesado da lavoura e da pesca artesanal, além de outras tarefas e práticas como o extrativismo do bacuri e outros frutos da floresta. Outrora participei de  muitas reuniões de organização, preparação e orientação da luta pela terra. Mas naquele dia a tarefa era outra – divertir-se um pouco com a arte da “pesca numa terra proibida onde quem chega por lá é indagado pelos moradores” e, interrogado sobre o que anda fazendo por aquelas bandas. É claro que essas interrogações não foram me dirigidas. Eles estão fazendo certo, pois a terra é seu bem maior, muitos visam aquela região de chapadas, babaçuais e matas virgens / poucos sabem de seu importante valor econômico e social, cansaram de serem colonos e escravos dos que ainda se “dizem senhores dominantes". A poeira da estrada estragara  minha garganta, rendendo mais de duas semanas de gripe forte e muita tosse. Mais de uma hora de viagem pelos “campos do gaúcho”- este deu uma melhorada na estrada que vai para sua fazenda. Menos mal, mas não fizera a estrada para facilitar a vida dos moradores de Bacabal e Santa Rosa, mesmo assim eles a utilizam frequentemente, pois a outra estrada via Marçal é bem mais longe para a cidade. Ao chegar, deixei a motocicleta em baixo do pé de jatobazeiro – árvore centenária que fornece uma boa sombra nas horas de reunião e também frutos para a meninada matar a fome quando precisam. O enorme pé de jatobá é uma prova viva da existência e formação histórico-social daquela comunidade que se criara a partir das adjacências do campo de futebol – muito parecida mais com uma  aldeia indígena. Antes de ir para o rio, conversei um pouco com o presidente da Associação sobre algum tipo de novidades recentes, quase nada me dissera a respeito da questão que vem se arrastando, apenas falou da eleição da nova diretoria da Associação que alguns dias tinha acontecido. As horas iam passando e eu tinha que pescar. A fome apertara também, pois não almocei nada naquele dia, esperava pegar peixes para comer assado com farinha lá mesmo na beira do rio.
"Curumim / Menino do Pov. Bacabal - Urbano Santos-MA". 
Segui para a ponte que liga o outro povoado vizinho, o rio baixara suas águas e, muito – notou-se a diferença de outras datas. Os anzóis e as redes foram pra dentro d´água, pouco beliscava, mas as redes fizeram a festa com as baranas e freixeiras, apesar das piranhas estragarem fazendo buracos com seus afiados dentes. Anoitecia e outras iscas foram botadas para ferrar as catanas, tudo calmo – as horas passavam lentamente, se ouvia gritos de caçadores e latidos de cachorros ao longe, tiros de espingarda... as estrelas do céu eram a minha companhia. O pensamento viajava, concentrado lembrava de minha casa e decidia voltar ainda naquela madrugada. Fiz uma fogueira na beira do rio, botei alguns peixes para assar, depois jantei-os, bebi água cinzenta do Rio Preto e estava alimentado. Por volta de  1:00h hora da manhã decidi voltar pra casa, tinha pegado o suficiente para o almoço. No trajeto até o vilarejo de Bacabal Deus e a luz da lanterna eram meus guias. Chamei o morador da casa para pegar a chave da moto, não quis incomodá-lo, despedi-me e acelerei na volta para casa, subindo a ladeira até a planície da chapada. Viajar a noite não é uma boa experiência e ainda mais sozinho por aquelas brenhas. Os campos de eucaliptos faziam fronteiras com os carrascos e chapadas, a poeira ardia nos olhos. Mais de dois quilos de peixes vinha no côfo. O medo me apavorava.
Após horas de viagem, avistava-se os primeiros sinais das luzes da cidade. O medo foi passando assim que se aproximava da civilização. Chegava em casa as 3:00h da manhã, cansado, com peixe e uma bagagem para mais um ensaio literário... uma prosa sobre este tema que quase não tivera tanto sucesso assim para muitas pessoas, mas para outras é de grande e estimável valor.     

José Antonio Basto






domingo, 28 de julho de 2019

Lendo para entender a chapada de forma diferente


O caminheiro depois de muitos dias de viagem pelo leste parava numa humilde choça das paredes de taipa e coberta de palha de babaçú. Se hospedaria ali naquela tijupá para repousar a noite e mais tarde seguir adiante, pois seu dia tinha sido bastante cansativo, percorrera toda aquela densa região de conflitos, acumulando o aprendizado. Era um herói? Talvez, com modéstia – esperava algumas mudanças e reformas que favorecessem os menos favorecidos e desprovidos de direitos. Este é o ofício que escolhera na esperança de novos tempos para colher bons frutos no futuro. Ao se abancar, perguntaria aos anfitriões do lar sobre a questão da terra – a conversa começaria antes do jantar que foi oferecido, pois jamais se dispensaria uma tradicional Iguaria de “galinha caipira com arroz de pequi” a pesar de tudo estava na chapada. A janta saiu com perfeição à luz de lamparina. Satisfeito! Em seguida surgia uma provocação que envolveria a situação fundiária do lugar. Poucos discutem sobre esse assunto que decerto é polêmico desde tempos bem remotos na história das civilizações; respeitava-se o momento – deixando-os à vontade. Mas as respostas supriam as indagações e a “prosa” prosseguira até o fim. O Viajante tirava de seu alforje alguns livros, textos, revistas e jornais velhos – veículos estes que alimentariam o gosto pela leitura e daria uma injeção de ânimo na luta pela posse da terra. Presenteava-os com carinho; recusaram de início, pois não sabiam ler nem escrever – descobrira então, óbvio! Mas respeitosamente aceitaram os presentes e os guardaram num baú seguro, pois dali tiveram a curiosidade de aprender a ler em uma demorada relação com as palavras e com a gramática. Só assim demonstrariam força intelectual e social para destrinchar os processos burocráticos no que diz respeito a defesa do território. Não conheciam o mundo das letras – e nunca leram nada – muito menos pisaram na escola; mas sabiam de cada pé de árvore da chapada – mostravam seus saberes e técnicas no extrativismo repassados de pai para filhos – curavam-se com remédios tirado das plantas medicinais – seus pais lhe ensinaram; não se perderiam nas veredas nem de dia, nem de noite, a energia era a luz da lua e das estrelas. Caçavam, pescavam, lavravam o chão e criavam pequenos animais para a alimentação e reprodução da família, o que detinham de mais valioso. Soletravam “lendo para entender a chapada de forma diferente”, coisas que a escola não ensina, adquiriram o diploma com o tempo. A existência e a convivência ensinaram essa nobre literatura onde uma minoria dar valor. Conversavam ao seu modo com a natureza numa comunhão e comunicação com o espaço em que vivem. Sabiam a hora pelo sol e o tempo de plantar e jogar a semente no período certo através do clima. Viviam Isolados do mundo civilizado e conectados com o meio ambiente. A cartilha era a própria terra, as folhas, os ventos, a enxada, o jacá e as chuvas de inverno. Formaram-se em todas as ciências, receberam prêmios valiosos e repassaram isso para as futuras gerações. Tiveram como mestres o tempo e a paciência que lhes ensinaram a mais bela das lições de vida.

José Antonio Basto
e-mail: bastosandero65@gmail.com    

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Um pedaço de prosa

"O Viajante chegaria à fronteira demarcada pelo rio dos pretos -, entre Urbano Santos e São Benedito, depois de ter percorrido alguns quilômetros pelo sertão das chapadas. O destino? Uma reunião de orientação para os irmãos camponeses. Algo incrível haveria de acontecer naquela história, naquela prosa: de "inspeção à audiência". O sol aparecia por traz da floresta, iluminando  o dia a dia dos lavradores (as) sobre o tempo, aguardavam com ansiedade uma autoridade judicial em suas terras. Mostrariam seus modos de vida, a cultura, a terra, as roças, os animais pastando no campo... A agricultura. Seu território é algo incomum, um sonho desejado para os viventes que vivem e sobrevivem deste pedaço de chão. Tiram tudo de lá, necessitam para viver. O tempo foi passando, as águas do rio descendo... Uma trégua! E mais uma vez a batalha daquele dia fora adiada". [...]
[...] 
José Antonio Basto 

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Os tiros estrondavam no sertão!

Em algum lugar na região do baixo parnaíba maranhense
Tiros se atiram e se ouvem no sertão! Constantemente se escuta tiros nas chapadas -, quase não se ver mais, de junho a dezembro os tiros estrondam na floresta! Há muito tempo os sertanejos lutam por algo melhor em suas vidas... Para suas famílias - gente que durante séculos foi massacrada. Mas como lembrar disso? Se o sertão é o canto que ecoa nos infinitos caminhos – o sertão é o meio, o início e o fim de qualquer prosa.
Caçadores atiram para as matas, eles caçam para alimentar suas casas e seus criados, a “subsistência” – talvez não faz tanto mal assim como se pensa porque a cultura dos povos é mais forte do que qualquer empreendimento capitalista. Mas o sertão foi invadido e os tiros que rondavam suas terras não se ouvem mais. O território foi marcado por ferro e fogo, o sangue ainda se espalha por lá. Muitos dias se foram, muitos sonhos também... grandes vitorias saíram das entranhas do coração e da vontade de viver! Mas viver com muita cautela, precisa-se “acreditar”, precisa-se escrever a própria história.
O sertão se esvaziara de seu povo que se fora, retiraram-se com medo da fome e dos fantasmas que lhes assombram... RETIRARAM-SE intoxicados pelo veneno! A terra fora tomada - “grilada” – por tempo indeterminado, a mesma terra dos ancestrais. Agora nem caça, nem peixes, nem roças! Acabara-se tudo! Ainda resta a coragem de lutar. Science alertava no pé do ouvido em seu Monólogo, dizendo: “O homem coletivo sente a necessidade de lutar / O orgulho, a arrogância, a glória / Enche a imaginação de domínio”. A cartilha contara a história. A didática também foi contada, mas em alguns casos de maneira equivocada.
Como imaginar o sertão em seus velhos tempos de outrora; quanto aos tiros disparados, anunciaram então uma nova era. Rendiam-se -, os tiros voavam os ares da liberdade e a fumaça do campo enchia os pensamentos de domínios. Eles rondavam o sertão em busca de direitos, atravessavam valas e grotiões pelo agreste. Rumavam para o leste. Para as outras bandas eles moravam, residiam ali longe de tudo e de todos, quando as estações mudavam de cor os campos abriam seus jardins de flores anunciando um novo tempo que nunca chegara.
Os caminhos do sertão eram os mesmos caminhos estreitos trilhados por rebeldes, eles eram insurretos e adentravam pelas matas – chapada afora. Quando se viaja pelo sertão se ouve muitas coisas, histórias e encantos. Os modos de vida mudaram... Ainda resta tempo para a luta e para os sonhos. O sertão parava ali, os ventos do leste ecoavam junto às florestas que adormeceram e sem poder falar dormiam sem dizer nada; exceto, a angustia dentro de si. Ali se ouvia os tiros que estrondavam no sertão!

José Antonio Basto

segunda-feira, 3 de junho de 2019

URBANO SANTOS: 90 ANOS DE LUTA E HISTÓRIA



"Ponte antiga sobre o Rio Mocambo" - (fonte: IBGE)
“Balaios de ontem e de agora” – “Rio Mocambo de lutas gloriosas.... Com suas águas negras cheias de encantos / Guerra dos Balaios que deu origem a Urbano Santos”... [...]. Nessa próxima (segunda-feira), 10 de junho de 2019, nossa querida e amada cidade - Urbano Santos estará completando “90 anos de Emancipação Política”, (são nove décadas de história). A Balaiada, uma das mais importantes revoltas populares - (insurreição) do Brasil Regencial marcara sua trilha e seu espaço geográfico no nordeste maranhense. Eles se amocambaram, montaram suas trincheiras nas margens do Mocambo, atacavam os legalistas e se escondiam ao mesmo tempo... Escutavam (no Escuta) o tropel (barulho) dos cavalos e som de barcos das tropas do Exercito Provincial. Aportavam em (Porto Velho I) para o desembarque de suprimentos e armas... Andavam pelo Sertão desafiando o sistema, contra a Lei de Recrutamentos, contra a tirania dos latifundiários em busca de liberdade. A Balaiada tem
"Avenida Manoel Inácio" - (fonte: IBGE)
mais e mais páginas nos encontros e desencontros da memória oral, na verdade existira várias Balaiadas. Daí com o fim da guerra em 1841, no ano seguinte começa a surgir o Vilarejo de Mocambinho com pessoas que procuravam refúgio seguro nas beiras do rio, mais adiante Mocambo, depois Vila de Ponte Nova estabelecida pela Lei Provincial nº 1.235, subordinada ao Município de Brejo dos Anapurus, mais tarde em 10 de Junho de 1929 se chamaria definitivamente “Urbano Santos”, em homenagem ao cidadão Urbano Santos da Costa Araújo, este, filho da cidade de Guimarães, em sua carreira foi 
deputado federal de 1897 a 1905, governador em 1913, senador entre 1906 e 1914 e vice-presidente do Brasil entre 1914 e 1918, durante a
"Chagas Araújo" - (Primeiro prefeito da cidade).
presidência de 
Wenceslau Brás. Assumiu interinamente a presidência do Brasil em 1917.
"Visão panorâmica da cidade" - (Imagem da web).
Reeleito para a vice-presidência na chapa de 
Artur Bernardes em 1922, morreu antes de ser empossado. Nossa cidade teve como primeiro prefeito o Dr. Francisco das Chagas Araújo -, filho do influente Coronel de patente José Antonio Araújo. Com o passar do tempo ganhamos uma bandeira e um hino que foi escrito pelo Padre José Antonio de Magalhões Monteiro. Parabéns aos filhos ilustres e a toda sociedade urbano-santense pelos “90 ANOS” e sobretudo pelo rico capítulo escrito no PANTEON DA HISTÓRIA.

Fragmentos: Décimas a Urbano Santos”

“Raios do poente brilham no horizonte
Refletindo a imagem das casas antigas
Folclore e lendas misturam cantigas
Cultura dos povos... letras consoantes
Mergulho nas praças seguindo avante!
Compondo o poema pra esse torrão
Nos versos da vida canto com emoção
Espera-me ó fama na luz da lembrança
Eterna cidade berço da esperança
Receba essa lira com inspiração.
 
"Tradicional casa do Sr. Jaime".
No alto da torre eu ouço a canção
E olho a bandeira já bem hasteada
Crianças correndo em disparada
A juventude lendo a mais bela lição
Todos em coro com o livro nas mãos
Em marcha unida ao futuro enfrentar
Pranto dos olhos escorre ao cantar
Cabelos arrepiam ao som das vozes
Balaios de agora... Guerreiros ferozes
Soldados de hoje! As armas preparar!


Com a túnica de um monge consagro-te na aurora
As tuas relíquias que são pesquisadas
Tesouros perdidos em matas fechadas
Repletos de brilhos que estão na história
Aguardo um retrato que não mais demora
Museu e morada da antiguidade
Os ventos do leste nos deixam saudades
Nas folhas das árvores que sempre balançam
Trabalho... Pessoas que nunca descansam
Entrego-te os versos ó minha cidade”!

José Antonio Basto

segunda-feira, 13 de maio de 2019

A abolição inacabada


Será que a abolição da escravatura de 13 de maio de 1888, resolveu os problemas de milhares de escravos no Brasil? Os movimentos abolicionistas pregavam a liberdade por completa e não apenas pela metade como aconteceu. Nomes como os de Joaquim Nabuco, José de Patrocínio e o poeta Castro Alves foram vultos da história que merecem ser lembrados pela grande contribuição a respeito da liberdade dos negros e negras deste país, além de muitos outros líderes que se doaram à causa da luta contra o mais horrível e hediondo dos sistemas que perseguiu a humanidade, principalmente o povo negro africano.
          Os problemas sociais no Brasil, em especial o da escravidão negra, foram mazelas e feridas que ainda hoje não cicatrizaram e continuam na alma e na lembrança dos afro-brasileiros. Os mais de trezentos anos de cativeiro negro e indígena que perdurou em nosso país – dizimando o continente africano, foi sem dúvida uma das maiores vergonhas machas desta pátria. Uma coisa não é lembrada: os escravos nunca aceitaram a escravidão, fugiam e formavam quilombos, resistiam aos ofícios não fazendo os trabalhos ordenados pelo patrão, quebravam instrumentos de trabalho, as mães num momento desesperador até abordavam seus filhos para não vê-los futuros servos dos senhores brancos, em fim... A luta dos negros foi acirrada: Zumbi foi assassinado, Negro Cosme enforcado em praça pública para assim mostrar o poderio do estado repressor. Mais de 18 milhões de africanos foram deportados da África para o Brasil, a Lei Eusébio de Queirós proibira o tráfico de escravos da África para o Brasil, mas isso também não valeu a pena, porque o tráfico de negros continuou na clandestinidade por um bom tempo.
            O período literário do “Romântico” no Brasil principalmente a terceira fase, (condoreira), foi um dos alicerces para que grupos de intelectuais influenciados principalmente na Revolução Francesa formassem grêmios com o intuito de discutir uma política de apoio aos escravos. Esses grupos deram origem às chamadas “Sociedades Abolicionistas” – essas organizações tinham o objetivo de alforriar escravos, esconder negros fujões das fazendas até que conseguissem achar um quilombo. Uma campanha foi idealizada, mas quando deu certo não foi cumprida porque muitos negros após o 13 de maio de 1888, continuaram sendo escravos do preconceito e da discriminação racial até os dias de hoje. A abolição de 13 de Maio foi inacabada porque a D. Isabel apenas assinara com um traço de pena a Lei Áurea, uma vez que ela nunca realmente lutou por uma bandeira abolicionista. Assinara por pura pressão social. A abolição foi inacabada porque os afro-brasileiros ainda apresentam os maiores índices de analfabetismo, as favelas, guetos e cortiços em suas grandes maiorias são habitados (as) por negros; morre mais jovens negros no Brasil do que jovens brancos; há quem diga é porque são pobres, sim a escravidão negra sempre mostrou essa face criminosa do desamparo, da angústia, desrespeito e pobreza, são pobres e são negros. Uma sociedade com problemas de escravidão não tem como avançar no que diz respeito à economia e o progresso. A História do Brasil é uma história feia, são páginas de opressão e sofrimentos, um sujeito só faz um serviço com gosto se realmente for remunerado, claro que o progresso se estende através do trabalho assalariado. A escravidão negra ainda nos reflete um quadro obscuro e sem escrúpulos, as lutas sociais, a rebeldia dos jovens e os sonhos de um dia ter uma vida melhor, foram as bandeiras que hasteadas para o sol nascente alcançaram a vitória de uma luta que durou mais de três séculos. Essa luta que esteve na imprensa e nas linhas dos poemas calorosos de Castro Alves, anuncia agora com muito otimismo a “A abolição Social” dos negros e negras dos nossos dias atuais. Queremos ouvir o som do berimbau, do atabaque e do agogô... Queremos cantar e brincar em homenagem às flâmulas que conseguiram a abolição mesmo pendente. Abaixo os 131 anos da falsa abolição nesse 13 de maio de 2019, essa luta é de todos nós, o Brasil precisa erradicar urgentemente a escravidão social das páginas de nossa história.  

“Minha alma ainda treme de frio e indignação quando se lembra da chibata que assolou o couro dos meus irmãos cativos.”
(anônimo)
José Antonio Basto
Urbano Santos/MA – 13/05/2019.