segunda-feira, 29 de maio de 2017

A soja e a terra colonizada em Baixa Grande

Campo de soja na Comunidade Baixa Grande - Baixo Parnaíba maranhense
Como entender a história e as fronteiras da soja no Brasil? Longe daqui a soja era descoberta e transitada nos sistemas de navegações pelo mundo desde o nordeste da China há milhares de anos atrás. Segundo pesquisas recentes da Embrapa em 2015 e 2016, a produção em nosso país foi de 95 milhões e 400 mil toneladas, as estimativas para a safra de 2017, podem variar de 101 a 104 toneladas do grão o que vai depender da produtividade. Um programa lucrativo apoiado pelos setores capitalista que nada mais e nada menos representa a exploração e expropriação de terras e sobretudo a expulsão dos camponeses e povos tradicionais de suas áreas. A soja chegava ao cerrado brasileiro, saindo do sul do país até o Mato Grosso, vindo pelo Tocantins à Balsas e subindo até o leste do Maranhão; há pesquisas que afirmam que uma das primeiras referências sobre o aparecimento de soja no Brasil data de 1882, na Bahia - mas só foi introduzida oficialmente em nosso país no início do século XX, mais ou menos em 1914.
A Comunidade Baixa Grande – zona rural do município de Urbano Santos, no leste do estado foi invadida por essa espécie sem que os próprios moradores entendessem o fenômeno e o perigo da monocultura. Os camponeses nem sabem o que é soja – ouve-se falar apenas, mas não sabe do verdadeiro problema que ela representa para o meio ambiente, eles sabem somente de alguns derivados. Aquela terra, antes devoluta do estado, agora pertence a um dito proprietário. Colonizaram a área para os investimentos do agronegócio; o veneno atravessa além de suas fronteiras, atingindo tanto os moradores quanto ao meio ambiente que outrora nem sonhava com isso.
Uma área de matas e babaçuais foi desmatada para se transformar em campos de soja, fica entre Urbano Santos e São Benedito do Rio Preto. Os camponeses vivem ameaçados pelos chamados gaúchos que matam seus animais como gado, cavalo, jumento e burro que circulam os rodapés das cercas. As plantações de soja se alargaram para o outro lado da estrada, local que fica próximo do Rio Mocambo – com certeza quando chove o veneno dos campos escoa para rio atingindo as espécies de peixes e todo ecossistema. Antigamente a região de Baixa Grande era produtora de farinha, arroz, milho e amêndoa de coco babaçu, hoje em dia a comunidade está cercada de fazendeiros e sem terra para plantar. Um processo de “Usucapião” tramita nos órgãos fundiários e aguarda respostas. Os trabalhadores rurais descobriram técnicas de produção de legumes em sistemas de hortas, trabalham com a pouca terra que tem em seus quintais, produzem de tudo: pimenta de cheiro, cebolinha, cheiro verde, quiabo e outros tipos de verduras – os produtos são levados para o mercado de Urbano Santos; o dinheiro  arrecada das vendas ajuda na economia das famílias camponesas que lá vivem –, maneiras essas de resistência pela posse da terra.
Mais uma vez para acentuar, o Rio Mocambo é importante para a vida, reprodução cultural e ancestral das comunidades da região, quando chove infelizmente o agrotóxico é levado para o rio, pois os campos estão bem próximos de suas margens. As comunidades vizinhas reclamam pelo mau cheiro do veneno que os aviões pulverizadores ateiam sobre os campos, correndo risco de se adquirir doenças como já se tem visto muitos casos na Região do Baixo Parnaíba, um problema sério que precisa ser combatido.
 Quanto se lucra na produção dessa soja? Pra onde ela vai? Esse capital adquirido com a força de nossa terra? A terra que deveria ser distribuída para os agricultores familiares. A soja atravessara as fronteiras do leste, ela talvez não seja de boa qualidade, talvez não seja transformada em óleo e carne para os supermercados, mas se transformará em “farelo” para alimentar porcos na África e na Ásia. Isso gera lucros extraordinários para o sojicultor. E as comunidades sabem disso? Alguns acham até bonito os grandes campos todo verde... Mas não sabem do tamanho do perigo que eles causam pra saúde dos seres humanos, insetos polinizadores e tantos outros animais das florestas e das águas.

José Antonio Basto
                                                                                  




                                      



segunda-feira, 22 de maio de 2017

O vento cantava

Milagres-MA - //- Rio Parnaíba - (do outro lado o Piauí).
O som troava sobre a mata densa e fria; cantava uma canção melancólica que ao longe se escutava o tinir do mato seco no sinal dos ares. A chapada estava lá calma e magistral, sofrida com os males que lhe maltrata, mas com a fonte que mata a sede dos povos e viventes. O piado dos pássaros ajuda na orquestra que somente quem escreve e poetiza consegue entender e interpretar a lira desses ventos que ecoam. Alegrias e tristezas! Sonhava com um mundo melhor, alcançara seus objetivos na lagoa dos tempos da incerteza.
O cerrado continuava resistindo os desafios que lhe apresentam, que lhe impuseram há décadas. Era uma vez a história de um bioma... Os mais antigos da terra. As águas descem sonolentas “ninguém sabe nem de onde vem, nem pra onde vai”, algum tempo atrás essas águas eram limpas, muitos peixes existiam ali, alimentava os viventes com espécies que brincavam e se reproduziam vida afora! A natureza é o próprio canto fraternal que se perpetua ao longo dos tempos. Muitos coisas, promessas e trabalhos rondavam as veredas do velho sertão –, era uma terra de histórias... terra de memória, muitas lutas e trajetórias.
O vento cantava para todas as bandas - para o leste, sul e norte, reprimia os feitos e defeitos de outrora. A grota era relevada para cima e para baixo nos lençóis do mundo numa época de paz. As palmeiras cantavam em coro as letras de músicas nunca antes escritas mas já gravadas. Há dias não ouvia-se o som do meio ambiente.
A chama da poeira pairava no areal sombrio. O Viajante que narrava tudo em seu diário então aproveitava para descansar sobre a sombra. Dali pela última vez o vento ensinava lições da vida simples com sua breve canção.

José Antonio Basto
E-mail: bastosandero65@gmail.com



segunda-feira, 15 de maio de 2017

O vento leste


Rio Preguiças - Baixo Parnaíba-MA.
I
Balançava o destino de outrora
Nas entranhas d` aurora - 
Entre tempos que passaram...
Era o campo, a vida e a morte!
Coniventes com a sorte
Que junto de si ficaram.

II
Balançava os arvoredos
No desvendar dos segredos
No soluço da saudade,
Cantavam um canto vibrante
Nos caminhos de uma fonte
Pregando a “mãe” liberdade.

III
Balançava água e terra,
Em outras épocas de guerras
Com sangue, ferro e fumaça!
A pólvora que anunciava
O facho que clareava
Apesar de tal desgraça!

IV
Balançava o pensamento
“Nas surdas asas dos ventos” –
Com uma harpa igual...
Que sobre a lira da vida
Na chama constituída
Livrava de todo mal.

V
Balançava muitos sonhos
Alegres e até tristonhos,
Num paradoxo incessante!
Nos retrocessos das glórias
Nas veredas das vitórias
Nas rimas interessantes.

VI
Balançava a poesia
No descrever da magia
Na força do sentimento,
O “Vento leste em ação”
Nas asas do coração
E na força do pensamento.









José Antonio Basto
E-mail: bastosandero65@gmail.com








segunda-feira, 8 de maio de 2017

A LIRA DAS CHAPADAS

Chapada da Comunidade São Raimundo, Baixo Parnaíba-MA
I
Correndo pelo cerrado
Nas veredas do sertão,
Ouvindo o canto dos pássaros
Nas brumas do coração
Nas águas da mocidade
Compondo esta canção.

II
É um pomar de encantos
No meio da natureza
Nasceu através dos séculos
Com sua própria beleza
Frutificando a vida
Distribuindo riquezas.

III
Lá tem pequi e mangaba
Tem bacuri e puçá,
Tem também a caiçara
Jataí e jatobá,
Lá tem pirunga e pitomba
Tem buriti e cajá.

IV
E os animais da floresta
Na casa mais consagrada
Vivendo alegres no campo
Nas grutas arborizadas
Fazendo daquela espaço
A mais feliz das moradas

V
Lá tem cotia e preá,
Tem onça, anta e tatú
Tem peba e gato do mato
Tem guaxinim e quandú,
E quando chega a noitinha
Ouve-se o som do cururú.

VI
Dos pássaros tem a galega
O juriti e o jacú,
Arancoã e arara,
Tem bem-ti-vi e turú
Tem sabiá do carrasco
Tem gavião e nambú.

VII
Tem muitos rios e riachos
Com água limpa e bonita
Tem terra pra se plantar
Tem mungunzá e canjica
Tem toda biodiversidade
Aqui portanto descrita.

VIII
Tem defesa e resistência
Tem povo trabalhador
Tem embates e vitórias
Tem canto de agricultor
Tem muitas coisas aqui
Pra quem quer ser sonhador.

IX
Guardai este poema
Sobre uma caixa sagrada
Na profecia da vida
Nessas estrofes rimadas
Sobre a arca do tempo
De nossas belas chapadas.

José Antonio Basto
Maio de 2017




terça-feira, 2 de maio de 2017

Bacabal

O Viajante atravessava as chapadas do Bacabal no Baixo Parnaíba maranhense, em direção às comunidades tradicionais das margens do Rio Preto, o rio que pede socorro! Ele parava perto do Riacho Seco nas imediações da grota da Bicuíba -, escutava o som dos pássaros... O som do vento!
Trabalho em grupo - (Seminário Agrário) 
Ele dobrava sua velha motocicleta para as bandas da comunidade Bacabal - a vista do eucalipto e do cerrado todo verde contradizia em paradoxo a realidade de duas faces totalmente diferentes, uma com gente, animais e toda biodiversidade crescente e a outra sem gente, com veneno e agrotóxicos. Em 2013 o conflito se arrastara por lá, as chapadas foram provas da luta que se transformaram num sonho. A terra ainda está em processo de desapropriação pelo INCRA – umas 1.500 hectares e também uma sobra de terras devolutas do estado que deve ser incluída no projeto. O objetivo é distribuir a terra para as famílias de agricultores que trabalham e produzirem seus alimentos, por isso foi realizado na comunidade um seminário com assuntos relacionados a reforma agrária.
O medo ainda mora nas veredas do Bacabal e nos caminhos de Santa Rosa, a lembrança dos desacatos naquela época que tentou amedrontar os trabalhadores rurais, não conseguiu seus objetivos. A família dominante se diz dona, venderam parte da terra para interesse próprio, pois as leis mudaram de curso e quem? A legislação fundiária diz que quem “mora um ano e um dia numa determinada terra” – já tem direito a ela. A legitimação de posse de terras sempre foi uma questão polêmica desde séculos remotos e ainda nos dias de hoje continua sendo; as “práticas de lutas conceituam serviços de instrumentos para a efetivação de direito a moradia e sobretudo a produção na agricultura familiar”. A realidade agrária em nosso país nunca foi resolvida e a cada dia tem uma coisa diferente. Com essas transformações de reformas e PECs, as questões só pioraram para os homens e mulheres do campo, povos e comunidades tradicionais.
José Antonio Basto - (orientação dos trabalhos)
A luta de 2013 em Bacabal foi uma prova de demonstração de forças medida entre a associação de moradores e os latifundiários que se dizem donos da área. A Constituição de 1988, deixa claro sobre a função social da terra; se ela não está cumprindo sua função social, deve portanto ser ocupada e desapropriada para fins de reforma agrária.
Questões inerentes a terra tem sido tratada com atenção pelas esferas de governos, sem resolverem nada, infelizmente! Vista pelos setores capitalistas como forma de expropriação e lucros; o capitalismo no campo tenta passar por cima de tudo, inclusive das comunidades tradicionais para atingir seus objetivos econômicos. Muitas são as grandes áreas de terra em nossa região que foram tomadas e arrecadadas para o bem pessoal de empresas e grupos de latifundiários; as famílias influentes. O Baixo Parnaíba passa por uma crise de terras, as comunidades lutam pelos seus direitos sociais de acesso a terra, mas ainda falta muita informação e organização para se avançar, pois o agronegócio é muito forte e tem o apoio dos governos.
A luta do Bacabal tem se constituído para o reconhecimento de posse que tramita no INCRA, acompanhado pela FETAEMA, “Fórum Carajás” e por outros órgãos competentes, a associação aguarda respostas. As chapadas da região são grandes produtoras de bacuris e outros frutos do cerrado, apesar dos problemas socioambientais da capitação de madeira ilegal e de queimadas constantes na época do verão.
Jatobazeiro - Comunidade Bacabal
O Viajante concretizaria sua tarefa naquele dia, ele ficaria mais um tempo por lá, adentrava na aldeia Bacabal, as casas de palha ao redor do campo, sob o fundo as margens do rio, muitos animais: porcos, galinha, cabras e gado. Os moradores vivem felizes em seu lugar de origem, muitos não sabem dos seus direitos sociais, nem todos sabem ler... A maioria são analfabetos, mas são personagens de nossas histórias e projetos na luta pelo desenvolvimento social. As crianças brincam felizes debaixo do pé de jatobá – a árvore que chama a atenção de quem o visita, as crianças sonham com um mundo melhor, sem exploradores e explorados – precisam reconhecer a história de seu povo e da importância da terra. O Viajante passara alguns dias sem voltar para a cidade. Pois era tempo de arroz novo nas roças e ele foi convocado pelos camponeses para o trabalho coletivo da colheita.

José Antonio Basto

bastosandero65@gmail.com