terça-feira, 31 de maio de 2016

Comunidades tradicionais e seus modos de vida

"Torrando farinha" - Comu. Baixa Grande (U.S) - imagem: J.A.B 
“Muitas coisas mudaram por aqui, tudo está diferente... há algum tempo atrás nós vivíamos em paz, em comunhão com a natureza, aqui não tinha conflitos de terra, nem eucalipto, nessas chapadas se encontrava tudo, bacuri, pequi, mangaba... existia muitas matas para fazer nossas roças e para caçar, água era com fartura, hoje tudo está morrendo e nós indo junto.” Essas são as palavras de um camponês do Baixo Parnaíba maranhense, analisando o antes e o agora, quando falava numa certa conversa a respeito dos problemas causados pelo agronegócio em nossa região. Os modos de vida de muitas populações rurais estão ameaçados, principalmente as comunidades atingidas diretamente pelas plantações de eucalipto em Urbano Santos, Santa Quitéria, Buriti de Inácia Vaz e Chapadinha. O agronegócio é um dos responsáveis pela violência no campo, gerador de desigualdades sociais, impactos no modo de vida e novas necessidades de saúde nos homens e mulheres do campo. As comunidades tem tido suas condições de vida extremamente transformadas pelo sistema e modo de produção que a monocultura do eucalipto e a soja operam.
"Mulheres lavando roupas" - Comu. Santa Felomena (U.S) - imagem: J.A.B 
As mudanças na sociedade, a modificação da paisagem e todo uma questão que diz respeito a desacato aos direitos humanos. Os empreendimentos dos monocultivos no Baixo Parnaíba tem sido um dos maiores responsáveis pelas transformações socioambientais. A região se tornou da década de 80 para cá em uma arena de conflitos entre grandes empresas e as pequenas unidades de produção. Hoje em dia sofremos as consequências do projeto que se dizia “modelo de desenvolvimento” imposto pelo regime militar no final da década de 70 e inicio de 80. Naquela época o momento era caracterizado pelo incentivo a grandes projetos justificando pela necessidade do avanço e crescimento econômico, principalmente no nordeste. O cerrado foi visto naquele período como um grande vazio da população e renda do capital.
"Eucalipto" - (Baixo Parnaíba) - imagem: Fórum Carajás
É daí então que a região sofre intensas ocupações balizadas nos apetrechos tecnológicos difundidos pela falsa “revolução verde”. O Baixo Parnaíba entra nesse jogo, pois a maioria das áreas rurais são cobertas por chapadas e foram compradas num preço baixíssimo, além daquelas que entraram no sistema de grilagem. Os trabalhadores rurais foram enganados e muitos deles expulsos de suas áreas agricultáveis e extrativistas, obrigados a se mudarem para as cidades e ver seus filhos entrarem no submundo da droga e prostituição. Os problemas fundiárias foram avançando ao ponto de algumas comunidades ao longo do tempo partir mesmo para a luta e o conflito direto, a exemplo das lideranças de Bracinho em Anapurus e São Raimundo em Urbano Santos, que chegando ao limite extremo, conseguiram respeito e avanços na defesa do seus territórios, mantendo sua cultura e preservando seus modos de vida tradicional.
"Brejal" - Comu. São Raimundo (U.S) - imagem: J.A.B 
Outrora as chapadas do Baixo Parnaíba eram de uso exclusivo dos moradores da região, que tinham sobre seus recursos um direito de uso em comum; era uma terra comum, onde todos os membros de uma comunidade podiam extrair os recursos necessários da terra e das águas, desde que obedecido as vezes códigos estabelecidos pela própria comunidade. Era também nas chapadas que os moradores podiam criar animais no regime de solta como bode, porco e gado, engordavam seus bichos com capim nativo, alimentavam os animais de trabalho, como cavalos, jumentos e burros. A chapada era, ao mesmo tempo, “de ninguém e de todo mundo”, era uma terra “coletiva, costumeira e indivisa”.

José Antonio Basto





segunda-feira, 23 de maio de 2016

O capitalismo verde do agronegócio no Baixo Parnaíba Maranhense

campo de eucalipto (Baixo Parnaíba)
Ela veio de São Paulo para ficar. A família Suzano reestabeleceu seus laços com as terras que nunca lhe pertencera, longe dali, do sudeste do país, ela mantém seus campos verdes no Nordeste brasileiro, região leste do maranhão, território de inúmeros conflitos fundiários na disputa por terra. Por que essas terras são tão cobiçadas? Porque são vendidas a preço de banana. Nossas comunidades vivem momentos de tensão em defesa do seu território, fazem suas roças nos beirais do eucalipto, pois as matas estão poucas, mais tarde onde realizarão suas lavouras? Da década de 80 pra cá o eucalipto chega a ser um grande problema para as comunidades tradicionais, contribui para aumento dos conflitos fundiários e destrói o meio ambiente (fauna e flora), sugando nossas águas e botando em perigo de extinção os poucos animais que restam nas chapadas. Quando a Suzano chega sob o nome de “Comercial e Agrícola Paineiras LTDA” em Urbano Santos, trouxe consigo o senso de enganação. A comunidade Santo Amaro foi a primeira vítima, diziam que a monocultura do eucalipto traria desenvolvimento e progresso para a comunidade e que não seria maléfica, ainda afirmavam com suas mentiras que não alargaria seus projetos no município.
seminário contra o eucalipto (Pov. S. Raimundo)
Os experimentos deu certo e o conflito com a CEB local começava também. Orientados, os trabalhadores rurais defendiam suas áreas agrícolas, de coletas de frutos, buritizais e o Rio Mocambo donde tiravam o sustento da família. Na época a “Paineiras” adquiriu terras plantadas de eucalipto da Margusa, quando esta passava por uma crise financeira. Com essas reviravoltas em 2003 a Margusa retornou seus ofícios, ao mesmo tempo em que foi comprada pela GERDAU, em seguida, por questões administrativas e pelo fato do EIA-RIMA não ter sido concluído com sucesso o grande plano da Margusa plantar 100 mil hectares de eucalipto em todo estado, a GERDAU em 2007 botava um ponto final na parceria. A partir de 2008, com a diminuição das articulações do movimento social no Baixo Parnaíba, a Suzano aproveita para expandir com força total o projeto capitalista do agronegócio, em terras que a antiga Paineiras já tinha se apropriado anteriormente.
chapada da bicuíba (Baixo Parnaíba)
Mas essas terras não eram suficientes para plantar e atender uma grande demanda, portanto precisava-se de mais áreas de chapadas para o cultivo do eucalipto, daí os confrontos de camponeses com a empresa do empreendimento, exemplifica-se portanto com ênfase o casos das questões da Comunidade Bracinho (Anapurus), São Raimundo (Urbano Santos) e Coceira (Santa Quitéria), essas comunidades defendem seus territórios e passaram até hoje incomodar a empresa e latifundiários. Em 2005, explode um grande número de novos conflitos que se expandiram e alguns continuam até os dias de hoje. Casos que se encontram na justiça e nos órgãos fundiários ainda esperam resultados. A Região das chapadas do Baixo Parnaíba se transformou no que eles chamam de “floresta plantada” – mas floresta não se planta. Uma chapada nasce naturalmente. “Monstros verdes” – seria esse o nome mais adequado para explicar os campos de eucalipto da Suzano -, ou como já dizia anteriormente: uma “Floresta morta que mata tudo”.
                       
José Antonio Basto




segunda-feira, 16 de maio de 2016

QUILOMBO DE SANTA MARIA: Encontros e desencontros da história

enxugando a puba (fabricação de farinha)
côco babaçú
jaqueira
torrando a farinha
casca de puba (processo da farinhada)
Uma história fabulosa que remonta os meados do século XIX, período pós-Balaiada, ciclo das fazendas e da produção de açúcar, rapadura e cachaça no leste maranhense. A COMUNIDADE QUILOMBOLA DE SANTA MARIA, localizada no município de Urbano Santos, região do Baixo Parnaíba há poucos quilômetros da sede, vive suas memórias refletidas nas muralhas de pedra da antiga senzala do Sr. Fazendeiro João Paulo de Miranda. É presente a herança tradicional na comunidade, desde a produção de farinha, plantios de jaca e manga do outro lado do Rio Boa Hora, além de vários outros trabalhos na roça, nas águas e nas florestas. SANTA MARIA guarda belezas naturais e memórias que fazem parte de nossa cultura, mas que precisam ser preservadas. Outrora existiam ricas chapadas com muita fartura de bacuri, mangaba e pequi, mas aquele cerrado que abastecia seus moradores com frutos e caças foi invadido pelo agronegócio.
mulher lavando roupas (rio Boa Hora)
 O Rio Boa Hora que nasce para as regiões do “recanto da seriema” entre os povoados Bom Sossego e Cajazeiras, desce pelas comunidades Pedra Grande, Surrão, Raiz... cortando o quilombo. Sua situação fundiária merece ser tratada como um ponto vital e paciência, seus moradores necessitam do título da terra para viver em paz. Alguns conflitos tem se arrastado na luta por essa terra, os lavradores requerem toda área, somando um total de mais de 2.342 hectares de terra. A ouvidoria agrária do INCRA fez uma visita no mês passado para crivar alguns fatos que envolvia as famílias dos camponeses, pois o processo que tramita já tem anos de ferrenhas batalhas. Os quilombolas de SANTA MARIA praticam agricultura familiar, sobrevivem da caça e do extrativismo em especial a fabricação de farinha de puba e outros derivados da mandioca, também criam animais para ajudar na alimentação diária.
muralhas de pedra (antiga senzala)






No local onde era instalada a antiga fazenda restou os vestígios das muralhas de pedras feitas por escravos, o muro servia de fortaleza para proteção da casa grande e senzala. O Rio Boa Hora foi modificado por uma outra muralha de pedra para a construção de um engenho movido a água. SANTA MARIA, assim como muitas outras comunidades tradicionais do Município de Urbano Santos tem muita história perdida ainda não registrada, merecendo resgate, ajudando na valorização de nossa rica cultura rural do Baixo Parnaíba Maranhense.

José Antonio Basto
e-mail: bastosandero65@gmail.com





segunda-feira, 9 de maio de 2016

A FLORESTA E O CAMPO LESTE

"Chapada Cabeceira da Bicuíba" (Urbano Santos - Baixo Parnaíba - MA)
Havia um dia em que aquela floresta estava alegre e outro dia em que ela estava triste, para as bandas do Leste Maranhense, Região do Baixo Parnaíba as coisas eram rudimentares. Quando infelizmente se tratava da ganancia por terras, a terra que suprira as demandas da empresa. A mesma terra que durante séculos foi e continua sendo a mãe das comunidades rurais. Algum tempo atrás aquela floresta conseguiu seu apogeu, cantos e recantos para os confins dos ares. Desde décadas a floresta foi invadida pelo dinheiro da soja e do eucalipto. Os anos se passaram e a floresta continua lá, da forma que consegue até agora resistir. A chapada estava densa, cheia de vida, cheia de tudo: pássaros, bichos...  repleta de frutos e de pequenas espécies rasteiras e altas. Veio por ventura a grande e cruel devastação da flora e da fauna, o correntão abraçara tudo. O agronegócio se apresentou por essas bandas. Já não existia mais o tatu, nem o peba, nem a cotia, nem o mambira, nem a paca, nem os ratos, nambus e juritis que os camponeses conseguiam em suas espertas armadilhas (quebras e mundés). Os rios secaram e pararam de dá peixes... frutos da águas que alimentavam os ribeirinhos antes de partirem para suas roças. As práticas tradicionais lembrara aquelas lavouras sem perigo “roças agroecológicas” e tempos de outrora; velhos campos e farinhadas, jornadas pesados de trabalho no roçado para casa. Para o outro lado a grota da bicuíba ainda não secou e as piabas brincavam sobre o brilho da fonte, antes de tornarem torradas com farinha de puba. A fonte cantava com suas mães d`águas, uma música matinal e quase assombrosa.   Partiram dali os camponeses que viviam diretamente da floresta e das águas.  E a floresta avizinhava-se com o campo leste deste velho e cobiçado lugar.

José Antonio Basto

(98) 98607-6807

quarta-feira, 4 de maio de 2016

UMA FLORESTA MORTA QUE MATA TUDO (Parte - I)

Eucaliptos (Pov. Centro Seco - Urbano Santos-MA)
A definição do título acima se refere à frase de uma liderança indígena de luta pela demarcação da terra de seu povo contra o agronegócio no Espírito Santo. Winnie Overbeck, holandês do Movimento Mundial pelas Florestas, falava de sua experiência de lutas no “Seminário sobre eucalipto transgênico” realizado dia 25/04/2016, no Povoado São Raimundo – zona rural de Urbano Santos. Ele dizia que durante sua trajetória em defesa das lutas no campo, aquela sabedoria dos povos tradicionais lhe marcara por toda a vida. Além de Winnie, as outras falas foram voltadas para o grande problema ambiental que o eucalipto causa nas comunidades rurais do Brasil e do mundo; as promessas enganosas das empresas quando chegam nas áreas, a grilagem de terras, o aumento dos conflitos e os desacatos aos direitos das populações que habitam esses lugares.
"Projeto bacuri sustentável" (Pov. S. Raimundo - U. Santos-MA)
O processo de entendimento do termo “floresta” quando é aplicada pelas empresas dos monocultivos, elas dizem que é uma área nativa, plantada ou replantada de uma ou de várias espécies. Mas que contradição! Um campo de eucalipto pode ser considerado uma floresta? Que floresta é essa onde ninguém pode entrar?
Chapada (Pov. São Raimundo - Urbano Santos-MA)
Onde os camponeses são proibidos de caçar e pescar?  De tirar madeira para construírem suas casas, utilizando de seus saberes para o sustento da família? Que floresta é essa cercada e vigiada dia e noite por jagunços? As chapadas com suas muitas espécies é sim, uma verdadeira floresta, onde a biodiversidade consegue viver: pássaros, rios, flores, água e todo ecossistema. Já os campos de eucalipto é UMA FLORESTA MORTA QUE MATA TUDO. Uma floresta não se planta, ela nasce e se reproduz naturalmente com a força da natureza, as aves espalham sementes de lugares a lugares, assim nascendo muitas outras florestas, numa forma simples e veementemente cultural. Os eucaliptos da Suzano Papel e Celulose representam o veneno e a guilhotina para centenas de comunidades rurais na Região do Baixo Parnaíba.


José Antonio Basto
Militante pela Reforma Agrária

e-mail: bastosandero65@gmail.com