Há muitos anos atrás quando eu era
menino, ainda não muito interessado por pesquisas, lembro que conversei com o
velho saudoso e já falecido, o Sr. Chico Quilarindo, uma figura extremamente
misteriosa e cheia de sabedorias, usava um relho de couro de boi e dizia que
era para surrar lobisomem. Ele parecia com aqueles magos dos contos de fadas
medievais, usava barba e cabelos compridos, Chico era morador da comunidade
Porto Velho, em uma de suas narrações, lembro que contara que seu avô tinha
participado de uma certa guerra naquelas imediações, conhecida como “Guerra do Bem-te-vi”. Então eu ficava
curioso e como sempre gostei disso perguntava pra ele que guerra era essa. Foi
daí que recordei e acabei descobrindo que a tal guerra foi realmente a Guerra
da Balaiada ou talvez os cacoetes que restaram desse movimento conhecido também
como insurreição dos balaios (1838-1842).
Uma coisa interessante que achei em
minhas pesquisas foi a citação no livro álbum “Quilombo – Tradições e cultura da resistência” na parte que explica
sobre as comunidades remanescentes de quilombos demarcadas no território
nacional, onde encontrei o nome da comunidade “Porto Velho” -, município de Urbano Santos-MA, na Região Nordeste,
na tabela de numeração nº 701, página
193, onde também Belágua, antes está
citada na numeração 700 e que poderia ter sido um quilombo do município de
Urbano Santos quando a cidade ainda era uma vila: Mocambinho ou Ponte Nova, Belágua
foi emancipada em 1997, sendo que a mesma foi povoado de Urbano Santos por
muito tempo. Mas tratando-se de Porto Velho, Chico contava a história de um pai
e um filho que moravam lá onde hoje em dia é um bar de propriedade do Sr.
Dondim, no local percebe-se ainda um ar de lugar antigo com valas e taperas. Eles
dois pai e filho moravam sozinhos, o velho pai sabia de mandingas e mágicas,
era o período da guerra, o velho era todo marcado de balas, seu corpo segundo
as afirmações do Chico, era marcado por golpes de facas e furos de balas -, mas
ele não sentia nada. Contara que o velho desaparecia nos meios dos caminhos e
fazia sair água das bocas das espingardas e revolveres que eram apontadas para
ele, em fim... coisas místicas que dava até medo em ouvi-las. Muitos pés de
mangas, babaçu e azeitona existem por lá, o lugar das antigas moradias parece
mesmo centenário. Um fato interessante que aconteceu nesse lugar foi a história
do Zé Loló -, um senhor filho da antiga proprietária do lugar, a Dona Loló; Zé
um dia foi arrancar minhocas para pescar e ao cavar ele descobriu uma caixa de
cobre próximo às margens do Rio Mocambo, dentro da caixa tinha cascas de balas,
uma arma muito antiga e já enferrujada, petecas de chumbo e um canivete... tudo
coisas de séculos passados. Esses objetos foram vendidos muito baratos para certa
pessoa que por lá apareceu e com certeza viu o valor histórico e cultural que
as peças tinham. A outra questão que coincide o fato de Porto Velho ter tido a
presença de escravos no período da Balaiada é porque o povoado é vizinho da
outra comunidade conhecida como “Escuta”,
mas por que esse nome? Chico contara que o nome escuta devia-se o fato dos
insurretos escutarem o barulho das embarcações sobre o Rio Mocambo que estavam
a procura dos rebeldes, os revoltosos escutavam e avisavam os companheiros do
perigo, adentravam-se então nas matas, amocambavam-se, daí o nome do rio “mocambo” e escondiam-se dos guardas
legalistas do império, entrincheirando-se. Paralelo com o Povoado Escuta do
outro lado do rio está a comunidade Baixa Grande, onde existe um cemitério
secular que pode ser uma das provas consistentes da memória de outras gerações
em nossa região.
A comunidade tradicional de Porto
Velho hoje não é vista como quilombola, mas tem ligações ancestrais no que se
diz respeito ao memorial do nosso povo. Os atuais moradores vivem da roça de
subsistência, da criação de gado e outros pequenos animais como galinhas,
capotes e porcos num sistema de desenvolvimento rural sustentável na
agricultura familiar, tem áreas de brejais com muitos buritizeiros, nas margens
do rio, podemos encontrar espécies raras de plantas e frutos como o murici da
beira do rio, olho de boi, pitomba-de-leite e cajuí. Porto Velho fica situado
há poucos quilômetros da sede de Urbano Santos, sendo uma das comunidades mais
próximas, mas a estrada que lhe dá acesso ainda é rudimentar. A comunidade tem
um valor importante completando-se nos breves encontros e desencontros de nossa
tão rica e ainda desconhecida historia de Urbano Santos e Baixo Parnaíba.
Poeta e
pesquisador
Urbano Santos-MA, 09/09/2014
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