quinta-feira, 11 de outubro de 2018

O amigo de Manoel da Conceição

José Antonio Basto e João Soares - (Brejo-MA).

Ser amigo de uma personalidade histórica não é algo muito comum – é algo que só o destino pode nos reservar. Há algum tempo atrás li um livro infantil, onde nunca mais o esqueci, livro muito conhecido na educação infantil, intitulado “O amigo do rei”- da escritora Roth Rocha. A história se passa no tempo da escravidão aqui no Brasil; onde brancos e negros não podiam ser amigos pelo preconceito da época. Mas na imaginação das crianças quem manda é o coração, o sonho e a fantasia. O escravo Matias era amigo do branco Ioiô – filho do seu patrão, os dois tinham a mesma idade, por mera consciência do destino os dois nasceram no mesmo dia, só que um na casa grande, o outro na senzala. Eles brincavam e brigavam assim como todas as crianças, brigas indiferentes a qualquer lei sem saber que um dia um deles ainda seria rei; o negro Matias que provinha de uma família real desde os tempos de África – se tornou rei de um quilombo, Ioiô – era o amigo do rei.
Capa do livro de Alfredo Wagner.
No encontro de comunidades rurais realizado durante a Caravana de Direitos Humanos este ano em Brejo-MA. Tive a oportunidade de bater um papo muito interessante sobre luta no campo e reforma agrária com o companheiro João Luís Soares, conhecido também por Joãozinho e/ou pelo cognome de guerra “João da DEFIA” – é um ativista dos direitos humanos, membro fundador do STTR de Açailândia em 1981 e amigo pessoal do grande líder camponês Manoel da Conceição e também de Pe. Josímo – que foi assassinado a mando de fazendeiros em Imperatriz. Conceição é um homem que fez história na época da ditadura militar na região da baixada maranhense – atuando principalmente no território de seu Sindicato Rural em Pindaré-Mirim. Sobre Conceição: “O tempo de vida de um homem é o período histórico que reflete seu papel na sociedade em que vive”. “Poucas pessoas resistiram viver por longos anos ameaçados de morte, na mira de uma arma muitas vezes oculta, mas apontada para aqueles que incidiram contra o revés da história política brasileira” – principalmente no que diz respeito ao problema de acesso a terra. O livro: “Autonomia e mobilização política dos camponeses do Maranhão” do escritor e pesquisador Alfredo Wagner, acentua uma passagem de Manoel da Conceição quando o mesmo foi baleado na perna – órgão do qual perdeu ficando deficiente para o resto da vida. O estudante da MEB – “Movimento de Educação de Base” da Igreja Católica, continua sendo respeitado até os dias de hoje, recebendo honrarias, prêmios e saudações até mesmo de grandes chefes de estado como Luís Inácio Lula da Silva – pela referencia e mito que és, pelo seu trabalho de organização dos trabalhadores rurais, num período um tão pouco conturbado da historia de chumbo em nosso país. Doente, vítima da violência policial que invadiu seu Sindicato, quando se sentiu quase recuperado Conceição foi convidado por entidades da esquerda nacional para uma viagem pela Europa, Oriente Mé­dio e China, onde fez cursos de aperfeiçoamento de guerrilha. Na volta, os milicos, insatisfeitos com o itinerário realizado pelo camponês, o esperavam. Foi preso e torturado em diversas partes do país, por onde perambulou por cadeias. Em São Paulo, foi brutalmente espancado. Foi preso e solto na década de setenta, nessa época vai para o exílio na Suíça, tendo lá como companheiro o Professor e pedagogo Paulo Freire. Ambos organizavam refugiados políticos na Europa e denunciavam as atrocidades do governo militar. Numa certa entrevista, perguntaram a Mané da Conceição como também era conhecido: “Como o senhor conseguiu chegar aos 80 anos nesse contexto violento? Ele responde: “Sempre disseram que eu era um ma­tador a sangue-frio, mas nunca matei ninguém, somente me defendi quando preciso. O que eu mais fiz na minha vida foi destruir o latifúndio e fazer com que os pobres pu­dessem se apoderar da terra”. “Entrego a minha classe para que ou­tros dêem continuidade a minha vida e minha obra”, conclui. 
Não conheci Manoel da Conceição pessoalmente, leio livros a seu respeito e sobre sua história. Como militante dos movimentos sociais mandei um recado e alguns poucos e modestos trabalhos que escrevi a seu respeito por meu amigo João da DEFIA que sempre lhe visita em na chácara onde mora na zona rural de Santa Inês. Seria uma honra conhecê-lo um dia. Conversei bastante durante horas com o companheiro João que contara de sua saga ao lado do lendário líder camponês.

José Antonio Basto

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