quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

A mulher que caça

Tereza caçando com seu cachorro
                                                                                

Eu só conheço uma mulher que exerce o ofício de caçadeira, ela é camponesa, mas gosta mais de caçar do que trabalhar na roça. Mas caçar para alimentação é uma tarefa culturalmente masculina regida desde tempos bem remotos na história das civilizações. O ofício de caçar para se alimentar é pré-histórico. As técnicas e tradições são repassadas de pais para filhos, no mesmo clã, na mesma família ou comunidade.

A Tereza, moradora da Comunidade Sítio do Meio, na Região do Baixo Parnaíba é essa personagem – uma figura extrovertida, dinâmica e interessante. Há muito tempo conheço a Tereza, desde as épocas dos encontros de comunidades e organizações das CEBs na região. A Comunidade em que ela caça é as Pedras, fica entre as chapadas do Sítio do Meio e Joaninha, seus moradores resistem as ameaças dos gaúchos que adentraram suas áreas – o espaço onde caçam para sobrevivência foi tomado por eucalipto, cercado para mais tarde dá espaço a soja. O riacho joaninha que nasce nas pedras também é ameaçado e sofre com a seca no período do verão, vítima do impacto direto da monocultura agressiva que invadiu o território.

A Tereza sabe desses problemas que maltratam sua comunidade, em suas caçadas de cachorro para pegar cotia, pensa nos problemas que seus filhos e netos um dia terão que enfrentar. A caça que alimenta sua família está ficando pouca, boa parte das chapadas que ficaram para sua família já foi vendida e/ou grilada. As terras das comunidades vizinhas também foram tomadas. O cerrado que se arrasta até as fronteiras do município de Barreirinhas já não é o mesmo. Barreirinhas tem leis próprias que proíbem o desmatamento do cerrado para o plantio de monocultivos -, acha-se que as caças que vivem nas áreas das chapadas e matas das Pedras e Sítio do Meio seja talvez as mesmas que se procriam nas comunidades de Barreirinhas.

A Tereza agradece seus filhos que lhe ajudam nessa tarefa, tanto na caça quanto na roça. Ela tem consciência que suas caçadas não agridem o meio ambiente, além disso ela protege as matas aos redores de sua casa e muito além de seu terreiro. A Tereza tem descendência de índios, talvez os Tremembés que habitaram nossa região há alguns séculos atrás. Boa parte dos moradores das Pedras e Sítio do Meio se parecem com indígenas – muitos deles nem sabem de sua história, os mais velhos contam passagem da vida dos índios. Permanecem com seus hábitos nativos de procriação, cultura agrícola, caça e pesca. As comunidades tradicionais e seus modos de vida merecem respeito dos órgãos competentes, os conflitos por terra e por água tem crescido bastante nesta região e em todo estado. Os trabalhadores rurais assim como a Tereza são os agentes de defesa da natureza e das praticas tradicionais que lhes ajudam nos meios de resistência e sobrevivência.

A Tereza caça porque gosta de caçar, seus pais lhe ensinaram o valor da vida e o respeito com o meio ambiente, ela repassa isso para seus filhos e netos. Os animais silvestres que ajudam na alimentação da família da Tereza estão migrando a procura de lugar seguro. A caça de subsistência é uma atividade comum das formas de atividades no dia-a-dia das comunidades tradicionais.

 José Antonio Basto


terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Algum tempo na terra

 

Poucos sabem da terra em que moram, alguns nem pouco, nem muito, demoram para entender. Pra que vender uma terra que tanto deu trabalho para consegui-la? Todos devem ou deveriam saber ao menos do seu real valor. Eles lutariam juntos, ajudamos quando necessário e da maneira que pudemos ajudá-los. A ganância pelo dinheiro mudara o destino do vilarejo. O capitalismo às vezes acaba mudando o pensamento e a ideia do homem. Esquecem dos dias de labutas e batalhas, o capitalismo é um sistema que muito abusa. Pra que enriquecer? O homem simples do campo tem tudo que precisa quando tirando da terra que tudo dá... água, alimentos, frutos da mata e da lavoura. Precisam viver bem e a terra é sua grande mãe. Algum tempo passaria naquela terra e por que não passar! Se a terra donde moram há décadas, séculos fora sempre seu espaço de luta. Ela daria muito trabalho para adquiri-la judicialmente – um conflito fora travado contra os que diziam serem donos, resistiram a ferro e fogo, com unhas e dentes alcançaram a vitória, graças a resistência e a coletividade. Após dias – o vilarejo alcançara seu apogeu.

 Basto

 

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Pelas estradas de Laranjeiras

 


Saíamos da sede de Urbano Santos, exatamente da calçada do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, a viagem estava marcada para as seis horas da manhã – para sair no máximo sete, mas como de sempre, o carro do Federal atrasou, então só embarcamos às oito e meia.

A tarefa principal era fundar a Associação dos Produtores Bastos do Povoado Laranjeiras, além de visitas em algumas casas. Os membros do STTR, Francisca, Noemia, Paixão e Basto tinha essa tarefa para aquele sábado, 21 de setembro. A caminhonete seguia pela estrada de Cajazeiras: Fortaleza, Santa Maria, Raiz, Surrão, Pedra Grande, Todos os Santos e roncava o motor por aqueles chapadões de meu Deus. Avistava-se mais campos de soja e/ou campos para o preparo da soja do que chapadas vivas, as pouquíssimas chapadas que estão também na mira da gauchada da soja. Campos e mais campos – o cerrado todo desmatado, em algumas áreas só se via céu, terra e poeira, a floresta destruída, bacurizeiros, pequizeiros e outros frutos e árvores das chapadas ateadas no chão. Comentava-se entre os companheiros e corria uma tristeza imensa da situação em que se encontra essa região,


onde há vinte anos atrás ainda era diferente com muita fartura de frutos, pasto para o gado, água e terra para a agricultura. Hoje o agronegócio tomou de conta com grilagem e expropriação dessas terras, onde estão cercando num raio de trezentos e sessenta graus o município de Urbano Santos. Descíamos em Laranjeiras, o “Basto sem (s) nunca tinha ido na terra dos Bastos com (s), parentes – talvez; mas fora convidado para elaborar a ata de fundação e constituição daquela associação rural. Parava-se primeiramente na casa do mais velho dos Bastos – o irmão dos irmãos que muito se parecem, são vários irmãos na redondeza daquele vilarejo, tomávamos um cafezinho para aquecer os ânimos antes de começar os trabalhos. O ensaísta observa vários animais pastando livres no terreiro na casa como porcos, galinhas e bodes, coisa rara que quase não se ver mais hoje em dia. Pois as pessoas dos povoados que criavam os bichos soltos e as roças cercadas naqueles tempos, tem que prender seus animais – e as roças ficam no aberto. Precisa-se de reformas em tais leis. Pois acha-se que naquele tempo o bicho livre e a roça cercada a produção era diferente e como era até a carne dos animais. Mas, uma reflexão: esses bichos que comiam o buriti, tucum, fuçavam nos brejais e lagoas... se alimentavam do que as florestas e chapadas ofereciam, o que vão encontrar hoje? Quase nada! Tudo devastado! De campos e campos, alguns de quilômetros de distância. Quase nada, melhor ficar preso na ração mesmo. Os visitantes chegaram no ponto da reunião, aguardava-se os membros interessados para começar. Foram chegando de um a um – os Bastos. Já era dez horas, começou. A presidente do STTR explicou o teor da Associação, inclusive para adquirir o registro oficial da terra e acesso de outros projetos. Os assuntos foram expostos e a diretoria listada e apresentada, após alguns pronunciamentos, logo então foi aclamada a fundação e constituição da Associação acima citada. A ata foi lavrada, lida e aprovada. Ali nascia a Associação dos Produtores Bastos do Povoado Laranjeiras – (A.P.R.B.P.L).
Membros da Associação

Após outros assuntos particulares, chegava a hora do almoço na casa da Magda. O ensaísta pensava ser uma galinha caipira como tinha sido antes, não foi galinha caipira, mas foi cozidão e bife de fígado de boi caipira. Estava muito bom aquele almoço. Após alguns minutos de descanso e bate papo, tivemos que que dizer tchau e seguir rumo ao Bebedouro dos Calixtos para falar de um projeto para a Associação do P.A Bebedouro dos Calixtos. Ainda pensávamos de passar em Santa Rosa para visitar o velho Zé Sousa, mas não deu tempo, pois estavam em direção oposta. Arrastava-se e a poeira cobria nas chapadas devastadas e caminhos aplainados até chegar ao Bebedouro. Fomos direto para a casa de Dona Raimundinha para, tomamos água e até caldo de cana natural. A parada foi curta para algumas explicações e já contava no relógio três e meia da tarde, fomos também até a casa de outra moradora que fica do outro lado, ainda pensou-se em passar em cajazeiras para um evento, mas não deu certo. Então já bem cansados, voltamos para casa pelas velhas estradas do Povoado Bacabal chegando na cidade pelas vias do Bairro São José.

 

José Antonio Basto

Setembro - 2024       

sábado, 22 de junho de 2024

O caso do conflito que se arrasta na Comunidade Jussaral -, município de Urbano Santos-MA

 

Comunidade Jussaral e membros do STTR - UBS

O caso do conflito agrário na comunidade Jussaral – município de Urbano Santos não é novidade, nem coisas dos dias de hoje. Essa problemática já vem se arrastando desde os anos noventa, quando de início a empresa Florestal LTDA – que se transformara em Suzano Papel e Celulose se instalou no lugar, primeiramente no vizinho Povoado Todos os Santos e adjacências. Com o intuito de se apossar de grandes áreas de terras para o plantio de eucalipto. Empresas terceirizadas como a Marflora e Margusa, tiveram o ofício de desmatar a chapada e queimar suas árvores para a fabricação de carvão vegetal, depois o eucalipto. Eram chapadas, carrascos e matas, onde os camponeses faziam suas roças, caçavam e tiravam madeira e palhas da palmeira do babaçú para cobrirem suas casas. Viviam e vivem há décadas dessa cultura passada de geração em geração.

Com o aparecimento das empresas que prometiam desenvolvimento e ajuda financeira e de empregos para os moradores, gerou-se então os primeiros conflitos, não era de se acreditar! Dizimando a chapada não haveria de ter melhorias de vida, não caíram na conversa. Os lavradores, com o apoio do movimento social e da Igreja Católica, conseguiram então constituir a “Associação União dos Moradores do Povoado Jussaral”. Pois com o aparecimento da Associação as empresas instaladas se incomodaram. Pois constantemente os trabalhadores rurais estavam em reuniões e formações de base, sendo cada vez mais orientados da problemática. Tiveram a consciência de que aqueles grandes fornos de carvão construídos na chapada eram com certeza muito prejudiciais para eles e para toda biodiversidade do lugar: pois além da fumaça sufocar a população, também expulsava os animais silvestres e os riachos estavam secando – dali crescia cada vez mais a devastação da chapada pelos correntões, derrubando tudo pela frente: bacurizeiros, pequizeiros, candeias, murici, araçá... tudo que compõe a fauna e a flora estava cada vez mais desaparecendo.

Com as orientações sistemáticas do movimento social, os atores daquela luta na época montaram uma estratégia radical. “Sabendo que aquelas terras eram suas e foram tomadas e griladas” - se organizaram com outros companheiros de batalhas e marcharam rumo ao lugar onde estavam fincados os fornos de carvão. E com machados, foices e outros instrumentos de trabalho começaram a importante ação que ficara na história da luta agrária em Urbano Santos: DERRUBARAM, DESTRUIRAM TODOS OS FORNOS E BATERIAS DE CARVÃO. E mantiveram a resistência por muito tempo. Essa atividade teve papel importante, animando a ideologia de defesa da terra contra o programa do agronegócio na região. Há menos de dez anos atrás a comunidade Jussaral retornou a luta contra a Empresa Suzano Papel e Celulose que adentrou na área pertencente à Associação com seus plantios de eucalipto. A comunidade organizada e com o apoio de setores do movimento social conseguiu afastar a empresa e readquirir suas terras de volta. Com a apresentação de documentos científicos de estudos e pesquisas da Academia, reportagens, ações do movimento sindical e decisões do Ministério Público que mostrara com clareza e veracidade de que os problemas causados no meio ambiente e na economia da agricultura familiar eram culpas da Suzano no Baixo Parnaíba, esta decaiu no município de Urbano Santos e região. Vendendo ou arrendando as terras que antes eram campos de eucaliptos da Suzano, agora foram passadas para os chamados “Gaúchos da Soja”. Hoje em dia, a comunidade Jussaral tem enfrentado um de seus maiores desafios. Preocupados com os Gaúchos em tomar as terras por meio de falcatruas e documentos cartoriais, fizeram o CAR – Cadastro Ambiental Rural e o Georeferenciamento de suas terras: mais de 2.000 hectares, a maioria chapadas. Uma área de chapada de 800 hectares dentro dessas mais de duas mil, foram cercadas de arame doado pelo Fórum Carajás, afim de protegê-la de futuras invasões, foi o que aconteceu, inevitavelmente. Território esse onde os moradores praticam o extrativismo vegetal, principalmente do bacuri e pequi e outros frutos do cerrado, sendo rica em capim natural... também criavam animais na área cercada. Uma chapada abundante em tudo.

Deixa que ao lado dessa área é um grande campo devastado do Gaúcho, sendo, portanto, visada por ele para o desmatamento e plantio de soja. A Associação manteve a luta, recebendo dois importantes seminários agrários com participação do STTR de Urbano Santos, várias outras entidades e do Ministério Público, onde tratou especificamente desse assunto, na elaboração de uma lei de proteção ambiental com o aval final do Ministério Público. O caso entre a Associação e o Gaúcho foi para justiça. Associação ganhara prestígio e demandas na justiça agrária que de alguma forma barrara a entrada de soja em seu terreno.

 Terça-feira a tarde, 18/06/2024, a comunidade foi surpreendida por policiais que diziam fazer a segurança no momento; Gaúchos e seus jagunços chegaram mostrando uma certa decisão judicial, segundo eles, os favorecendo, dizendo que a terra era deles, segundo o documento não dava-se o direito de cortar arame e derrubar as cercas. Assim como em outros lugares a presença oficial nessas ações são frequentes para assim mostrar o poderio militar e de intimidações psicológicas aos posseiros. As estacas foram derrubadas de tratores e todo arame que cercava a área cortado em pedaços como mostram registros de vídeos e fotos feitos por celulares dos moradores na hora. Houve embate quase direto e por pouco não veio o pior, a situação ficou dramática, os moradores foram todos para o local onde estava acontecendo o problema. Logo em seguida a “Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Urbano Santos” esteve no local também para orientação pacífica no que diz respeito ao processo judicial, assim evitando danos maiores e violência, ajudando na proteção dos agricultores, que quase desesperados, lamentavam-se, não era pra menos. Os jagunços ameaçaram os camponeses que estavam na retaguarda de defesa do seu território tradicional, dados esses que foram catalogados por agentes da SEDIHPOP - Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e COECV - Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade, onde depois esteve naquele lugarejo conversando com seus moradores sobre a questão, com o intuito de formular essas denúncias na tomada de medidas emergenciais como também solicitar a abertura  de processos de investigação para averiguar as violações relatadas de ameaças e desmatamento ilegal. O CASO DO CONFLITO QUE SE ARRASTA NA COMUNIDADE JUÇARAL, ainda estar na justiça. Os advogados da “Associação União dos Moradores do Povoado Jussaral”, estão tentando reverter a situação que ainda se encontra cada vez mais tensa. Os tratores do Gaúcho continuam desmatando a chapada dia e noite. Pede-se justiça e toda solidariedade aquela gente humilde e trabalhadora.

 

J. Antonio Basto

* Movimento Social  

        

 

segunda-feira, 13 de maio de 2024

A abolição inacabada

 

          Hoje, 13 de maio de 2024, (136 anos da abolição dos escravos no Brasil). Será que a abolição da escravatura nesta data, resolveu todos os problemas de milhares de escravos no Brasil? Os movimentos abolicionistas pregavam a liberdade por completa e não apenas pela metade como aconteceu. Nomes como os de Joaquim Nabuco, José de Patrocínio e o poeta Castro Alves foram vultos da história que merecem ser lembrados pela grande contribuição a respeito da liberdade dos negros e negras deste país, além de muitos outros líderes que se doaram à causa da luta contra o mais horrível e hediondo dos sistemas que perseguiu a humanidade, principalmente o povo negro africano.

          Os problemas sociais no Brasil, em especial o da escravidão negra, foram mazelas e feridas que ainda hoje não cicatrizaram e continuam na alma e na lembrança dos afro-brasileiros. Os mais de trezentos anos de cativeiro negro e indígena que perdurou em nosso país – dizimando o continente africano, foi sem dúvida uma das maiores vergonhas e manchas desta pátria. Uma coisa não é lembrada: os escravos nunca aceitaram a escravidão, fugiam e formavam quilombos, resistiam aos ofícios não fazendo os trabalhos ordenados pelo patrão, quebravam instrumentos de trabalho, as mães num momento desesperador até abordavam seus filhos para não vê-los futuros servos dos senhores brancos, em fim... A luta dos negros foi acirrada: Zumbi foi assassinado, Negro Cosme enforcado em praça pública para assim mostrar o poderio do estado repressor. Mais de 18 milhões de africanos foram deportados da África para o Brasil, a Lei Eusébio de Queirós proibira o tráfico de escravos da África para o Brasil, mas isso também não valeu a pena, porque o tráfico de negros continuou na clandestinidade por um bom tempo.

            O período literário do “Romântico” no Brasil principalmente a terceira fase, (condoreira), foi um dos alicerces para que grupos de intelectuais influenciados principalmente na Revolução Francesa formassem grêmios com o intuito de discutir uma política de apoio aos escravos. Esses grupos deram origem às chamadas “Sociedades Abolicionistas” – essas organizações tinham o objetivo de alforriar escravos, esconder negros fujões das fazendas até que conseguissem achar um quilombo. Uma campanha foi idealizada, mas quando deu certo não foi cumprida porque muitos negros após o 13 de maio de 1888, continuaram sendo escravos do preconceito e da discriminação racial até os dias de hoje. A abolição de 13 de Maio foi inacabada porque a D. Isabel apenas assinara com um traço de pena a Lei Áurea, uma vez que ela nunca realmente lutou por uma bandeira abolicionista. Assinara por pura pressão social. A abolição foi inacabada porque os afro-brasileiros ainda apresentam os maiores índices de analfabetismo, as favelas, guetos e cortiços em suas grandes maiorias são habitados (as) por negros; morre mais jovens negros no Brasil do que jovens brancos; há quem diga é porque são pobres, sim a escravidão negra sempre mostrou essa face criminosa do desamparo, da angústia, desrespeito e pobreza, são pobres e são negros. Uma sociedade com problemas de escravidão não tem como avançar no que diz respeito à economia e o progresso. A História do Brasil é uma história feia, são páginas de opressão e sofrimentos, um sujeito só faz um serviço com gosto se realmente for remunerado, claro que o progresso se estende através do trabalho assalariado e livre. A escravidão negra ainda nos reflete um quadro obscuro e sem escrúpulos, as lutas sociais, a rebeldia dos jovens e os sonhos de um dia ter uma vida melhor, foram as bandeiras que hasteadas para o sol nascente alcançaram a vitória de uma luta que durou mais de três séculos. Essa luta que esteve na imprensa e nas linhas dos poemas calorosos de Castro Alves, anunciara com muito otimismo a “A abolição Social” dos negros e negras dos nossos dias atuais. Queremos ouvir o som do berimbau, do atabaque e do agogô...Queremos cantar e brincar em homenagem às flâmulas que conseguiram a abolição mesmo pendente. Essa luta é de todos nós! O Brasil precisa erradicar urgentemente a escravidão social das páginas de nossa história. 

 

“Minha alma ainda treme de frio e indignação quando se lembra da chibata que assolou o couro dos meus irmãos cativos.”

(anônimo)

José Antonio Basto

13/05/2024

 

 

domingo, 18 de fevereiro de 2024

O BACURI DE BEBEDOURO

 


O Viajante depois de mais de quinhentos dias fora de área voltara a escrever em sua velha máquina de datilografia. Pensava-se muito nas lutas proletárias e agrárias a qual fez parte. O problema da terra atormentava seu pensar, sua memória e sua inteligência. O sistema do capitalismo tenta resolver isso, mas nada se resolve – o que resta é apenas um sonho de uma “SOCIEDADE SOCIALISTA – sem exploradores e explorados”, mas não resolve nada, nada. Ou se aguarda resolver ainda. Romântico.  

O Viajante esteve numa certa reunião às margens do Rio Preto, ficava para aquelas bandas de um Bebedouro, do outro lado do rio ficava o Porção, outro grande povoado do mais importante município deste baixo parnaíba maranhense (Chapadinha). A terra era boa: muito coco babaçú, muitas matas, criações e caças. O Viajante esteve lá e apreciou as belezas naturais que aquela terra oferecia. Bebedouro fica entre o rio dos pretos e a chapada do “Marçal dos Onças”. Mas porque esse nome: “ Marçal dos Onças”? Fica a dúvida da nomenclatura da chapada. Talvez porque lá muito antigamente existiam onças? Não se sabe ao certo e nem o porquê.  O Marçal existe e é todo cercado por campos de gaúchos que plantam soja. A chapada que servia de espaço social da “onça” – agora foi substituída por grandes plantações de soja. Além disso, os sojicultores matam todo e qualquer animal que andam perto de seus arames.

O Viajante passava na caminhonete avistando os bacurizeiros. Pensava-se em parar para fotografá-los. Decidia-se parar! Mais na frente em meio a chapada estava lá um pé de mangaba. Mangaba é fruto raro na região. Do mês de janeiro a março é sua safra. Muitos animais degustam a mangaba. A arvore dá um leite que segundo a tradição desta região de Maranhão e Piauí se fazia bolas de futebol. E eram muito ligeiras. Ao lado das mangabas estavam os pés de bacuris cheios de frutos ainda verdes, mas quase maduros. O Bebedouro é um P.A  do INCRA e é uma das comunidades que compõe o acordo de preservação da chapada assinada pelo Ministério Público na Audiência Pública que aconteceu  no Povoado Juçaral. Acordo esse que foi assinado por todas as comunidades (associações) daquela região

O Bacuri de Bebedouro é raro. Um fruto diferenciado pelo volume de massa. A comunidade também é diferenciada por suas posições de pensamentos. O trabalho daqueles camponeses vai da produção de farinha de mandioca, caça silvestre, pesca e criações de animais como porco, galinha, gado e bode.

José Antonio Basto

Jan – 2024.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Do Mocambo ao Rio dos Pretos

 

Mocambo e Rio dos Pretos – dois nomes incomuns. O primeiro representa uma antiga denominação dos aldeamentos de escravos fugidos das fazendas, Mocambo na “Língua Kimbundu” – ainda falada na África na região do noroeste de Angola-África, quer dizer “esconderijo ou refúgio para as matas”, o mesmo que “quilombo”. Ainda acentuando, Kimbundu é umas das línguas nacionais de Angola – “do povo banto. O Português tem muitos empréstimos lexicais desta língua obtidos durante a colonização portuguesa no território angolano e através dos escravos angolanos que vieram para o Brasil

Mocambo também é o rio que corta a cidade de Urbano Santos, foi muito importante na época da insurreição dos Balaios no século XIX. O Viajante saia da sede de Urbano Santos rumo ao Povoado Bebedouro que fica sob as margens do Rio Preto – ou “Rio dos Pretos”, como era chamado antigamente. Teria uma tarefa na “Associação dos Trabalhadores Rurais do Povoado Bebedouro” – um Projeto de Assentamento para fins de Reforma Agrária que beneficiará 32 famílias camponeses que vivem do trabalho agrícola e do extrativismo. A terra de relevo, chapadas e carrascos – limitam com o “Rio dos Pretos”. Muitas criações de diversos animais, mas o que predomina é a de cabras e porcos. Do outro lado se observa a serra da Comunidade “Porções” – município de Chapadinha. Povoados e territórios trilhados há cento e setenta anos atrás pelos Balaios que por ali se escondiam das forças da legalidade. O “Mocambo” se interliga com o “Rio dos Pretos”, algo se interliga com a história nas duas nomenclaturas: “Preto e Mocambo”. Os dois fazem parte da “Bacia hidrográfica do Rio Munim” – este também que assistiu muitos combates da Balaiada. O Viajante refletia sobre todos esses assuntos, mas a direção do pensamento inquietava, se reuniria com os moradores de Bebedouro para falar do processo da terra e dos programas sociais de habitação rural. A “Reforma Agrária é a reorganização da estrutura fundiária com o objetivo de promover e proporcionar a redistribuição das propriedades rurais, ou seja, efetuar a distribuição da terra para a realização de sua principal função social. Romanticamente a terra é de todos e para todos. Houve um dia em que as sociedades primitivas faziam do trabalho um feito para suprir as necessidades básicas e imediatas do grupo familiar; não havendo preocupação com acúmulos ou sobras, portanto a terra pertencia a todos e não havia escravidão. Os tempos mudaram e as sociedades partiram para o capitalismo. O território de “Bebedouro”, “Juçaral” e “Todos os Santos” muito tem sofrido com problemas socioambientais que vai da expropriação de terras, conflitos e impacto direto nas comunidades tradicionais. Os trabalhos seriam realizados na sede da associação. Dona Raimundinha - antiga militante das CEBs e filha do Sr. Calixto - primeiro morador do Bebedouro, fala dos grandes desafios que os morares enfrentam no dia-a-dia. Comunidade carente, mas consciente da luta pela terra. Receberam o titulo de desapropriação e agora partem para outros projetos. As casas cobertas de palha e paredes de taipa – ainda deixa escrito nas veias do tempo que as desigualdades sociais ainda é constante em nossa sociedade.   

O Viajante retornava pelos caminhos aplainados e cobertos de eucaliptos que sumiam no horizonte. As flores de bacuri e pequi enfeitavam as chapadas, sinal de uma boa safra dos frutos no ano quem vem. Marcava-se no mapa a trajetória do “Mocambo ao Rio dos Pretos”. E vice-versa; a terra avermelhava o chão da chapada. 

 

José Antonio Basto