terça-feira, 15 de julho de 2025

De Urbano Santos a um certo Moçambique de Primeira Cruz-MA

Moçambique África! Moçambique Primeira Cruz, estado do Maranhão. Dois Moçambiques divididos pelo Atlântico e pelo Índico. Quem conhece o país Moçambique na África? Quem conhece o povoado Moçambique - zona rural de Primeira Cruz-MA? São dois lugares, um maior e outro menor com o mesmo nome. Mas o porquê do nome "Moçambique?" O nome de um lugarejo localizado em plenos campos arenosos na região dos lençóis maranhenses? Poucos se sabe dessas histórias, nem os próprios moradores do Moçambique maranhense sabe a história ancestral do nome do lugar onde vivem. O Viajante saia da sede da cidade de Urbano Santos, caminhava rumo ao Moçambique de Primeira Cruz. Era este, o ponto final de sua expedição. Viajar por aquelas bandas ele ainda não tinha feito. Mas naquele momento precisava conhecer o Moçambique dos lenções maranhenses, pois tinha curiosidade tanto pelo lugar, quanto pelo nome. O Viajante praticava sua rota pelas antigas estradas em que há mais de um século os negociantes vinham do Brejo e Campo Maior-PI para as regiões praieiras fazer seus negócios de trocas e vendas, isso no final do século XIX até meados do século XX. Ainda em 1849, foi construído uma ponte de madeira no lugarejo Mocambo I, onde hoje é a sede de Urbano Santos, ponte essa para facilitar a travessia das tropas de animais que transportavam mercadorias para as regiões praieiras como farinha, fumo, cachaça, rapadura e outros gêneros agrícolas. O Viajante seguia pela Vertente de Baixo – comunidade essa que já tem mais de cem anos. A Vertente tem característica de comunidade quilombola, assim, como quase todas as comunidades que se desenvolveram às margens do rio mocambo. Dali se atravessava o rio e chegava ao Lugarejo São Braz, que também é quilombola. Parava um pouco para descansar e beber um doce caldo de cana-de-açúcar no pé do engenho. Após algumas horas, seguiu viagem. Já era um final de tarde e ainda naquelas veredas quase fechadas, o sol já quase se pondo, as nuvens avermelhadas pairavam no horizonte como um quadro celeste... era hora de se preparar para passar a noite. Fizera uma fogueira e um abrigo; pegou seu frito que estava no Surrão que carregava e fez seu modesto banquete de jantar. Após uns goles de água de sua cabaça que carregava a tiracolo, descansou e dormiu ao som das cantigas dos grilos e dos pássaros noturnos. O sono foi longo e as cinco horas da manhã do dia seguinte acordara para continuar o trajeto até o Moçambique. Seguira contornando umas velhas fazendas, chegara na comunidade Cascudo, mas não parou para conversa, apressado, pois estava a pé, se deparou com cavaleiros e camponeses com suas cargas de mandioca carregadas por jumentos e burros, era tempo de farinhada. Passou por Prata dos Basílios, Santana dos Quirinos e Mosquito, mas não por dentro das vilas, mas ao redor contornando antigos caminhos dantes conhecidos. Entrou no povoado “As Galegas”, nos limites de Primeira Cruz e Belágua e também não muito longe da famosa Lagoa do Cassó. As Galegas tem esse nome em homenagem ao pássaro tradicional dessa região com o mesmo nome. Quase não se ver mais galega, quase em extinção, ninguém sabe o porquê, ou se sabe: impactos ambientais na região, talvez, elas migraram para longe. Conversou com velhos amigos, ali almoçou uma galinha caipira com arroz sucado no pilão. Após o almoço, o Viajante seguiu viagem pelos campos de areia. Atravessava lagos e lagoas passando pelos lugarejos Vargem Comprida, Tucuns e Faveira... desembarcara no último povoado antes do Moçambique, era o Brandura. Era já início da noite, se hospedou na casa de forno de um conhecido. Armou sua rede de tucum, jantou, bateu papo antes de dormir. A conversa variava de roças, caçadas, pescarias e chuvas. Chuvas essas que faz transbordar os rios, lagos e lagoas após as enchentes, quando começa a vazar as águas, vem a fartura de peixes, conhecidos como “peixe dos campos”. Já era tarde da noite, apagou a lamparina e dormiu sossegado. Pela manhã tomou um café com beijú de goma, se despediu e seguiu rumo ao Moçambique. A distância é considerável. Por fim chegara em no tal lugarejo Moçambique. Não conhecia ninguém, mas fez amizade. A comunidade Moçambique tem todas características de quilombola, pelas aparências dos seus moradores e pelos seus costumes e tradições. O Viajante presenciou manifestações culturais afro-brasileiras como o boi, capoeira, tambor e ciranda. Seu objetivo era checar e comparar o Moçambique de Primeira Cruz com o país africano de nome igual. Lá passara três dias, conversou, brincou, ensinou e aprendeu histórias do presente e do passado. Após sua missão cumprida, voltou para Urbano Santos pelos caminhos de acesso ao município de Belágua.

 

José Antonio Basto

(heterônimo – o Viajante do leste

Julho - 2025


sexta-feira, 4 de abril de 2025

O fogo


O Viajante vinha de lá para cá, numa carreira extrema! Carreira essa, em que a caminhonete corria! O fogo atravessaria a vereda com suas ferozes línguas! O carro parava, pensava-se em seguir ou não, aguardava-se um pouco... era arriscado; ou se arriscaria encarar o fogo no caminho, o dito caminho era estreito e aplainado. É normal o aplainamento dos caminhos de eucalipto e soja nessa região. Vinha-se de uma das muitas tarefas na luta pela terra. Mas o dito fogo não era tão mal assim... ele pegava com suas assombrosas labaredas atrapalhando a passagem, sendo que suas chamas pegavam nas plantações de eucaliptos e devoravam tudo pela frente, matava aquela “floresta verde que mata tudo”. A árvore eucalipto é boa de fogo, quase não se controla uma queimada em plantações dessa árvore. De um lado, o fogo na monocultura, do outro, a chapada ameaçada pelo eucalipto e também pelo fogo. Pensava-se pela última vez...  então decidira acelerar a caminhonete, numa disparada corajosa! Roncou o motor do carro, passou a primeira, segunda e terceira marcha... então o automóvel sumiu nas labaredas num risco entanto, mas com sorte saiu do outro lado. Então o fogo ficou para trás, de longe só se via fumaça. As aventuras do Viajante as vezes são arriscadas; mas valem a pena... elas tiram aprendizados  junto às comunidades tradicionais, viajando por estes velhos caminhos. Comunidades essas, ameaçadas pelo fogo no período do verão e pelo agronegócio do eucalipto e da soja em todas as estações. 

J. A. Basto

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

A mulher que caça

Tereza caçando com seu cachorro
                                                                                

Eu só conheço uma mulher que exerce o ofício de caçadeira, ela é camponesa, mas gosta mais de caçar do que trabalhar na roça. Mas caçar para alimentação é uma tarefa culturalmente masculina regida desde tempos bem remotos na história das civilizações. O ofício de caçar para se alimentar é pré-histórico. As técnicas e tradições são repassadas de pais para filhos, no mesmo clã, na mesma família ou comunidade.

A Tereza, moradora da Comunidade Sítio do Meio, na Região do Baixo Parnaíba é essa personagem – uma figura extrovertida, dinâmica e interessante. Há muito tempo conheço a Tereza, desde as épocas dos encontros de comunidades e organizações das CEBs na região. A Comunidade em que ela caça é as Pedras, fica entre as chapadas do Sítio do Meio e Joaninha, seus moradores resistem as ameaças dos gaúchos que adentraram suas áreas – o espaço onde caçam para sobrevivência foi tomado por eucalipto, cercado para mais tarde dá espaço a soja. O riacho joaninha que nasce nas pedras também é ameaçado e sofre com a seca no período do verão, vítima do impacto direto da monocultura agressiva que invadiu o território.

A Tereza sabe desses problemas que maltratam sua comunidade, em suas caçadas de cachorro para pegar cotia, pensa nos problemas que seus filhos e netos um dia terão que enfrentar. A caça que alimenta sua família está ficando pouca, boa parte das chapadas que ficaram para sua família já foi vendida e/ou grilada. As terras das comunidades vizinhas também foram tomadas. O cerrado que se arrasta até as fronteiras do município de Barreirinhas já não é o mesmo. Barreirinhas tem leis próprias que proíbem o desmatamento do cerrado para o plantio de monocultivos -, acha-se que as caças que vivem nas áreas das chapadas e matas das Pedras e Sítio do Meio seja talvez as mesmas que se procriam nas comunidades de Barreirinhas.

A Tereza agradece seus filhos que lhe ajudam nessa tarefa, tanto na caça quanto na roça. Ela tem consciência que suas caçadas não agridem o meio ambiente, além disso ela protege as matas aos redores de sua casa e muito além de seu terreiro. A Tereza tem descendência de índios, talvez os Tremembés que habitaram nossa região há alguns séculos atrás. Boa parte dos moradores das Pedras e Sítio do Meio se parecem com indígenas – muitos deles nem sabem de sua história, os mais velhos contam passagem da vida dos índios. Permanecem com seus hábitos nativos de procriação, cultura agrícola, caça e pesca. As comunidades tradicionais e seus modos de vida merecem respeito dos órgãos competentes, os conflitos por terra e por água tem crescido bastante nesta região e em todo estado. Os trabalhadores rurais assim como a Tereza são os agentes de defesa da natureza e das praticas tradicionais que lhes ajudam nos meios de resistência e sobrevivência.

A Tereza caça porque gosta de caçar, seus pais lhe ensinaram o valor da vida e o respeito com o meio ambiente, ela repassa isso para seus filhos e netos. Os animais silvestres que ajudam na alimentação da família da Tereza estão migrando a procura de lugar seguro. A caça de subsistência é uma atividade comum das formas de atividades no dia-a-dia das comunidades tradicionais.

 José Antonio Basto